Suprema Corte da Rússia classifica 'movimento LGBTQIA+' como extremista e determina banimento

Em período pré-eleitoral, rejeição a movimentos LGBT se torna chamariz para eleitorado conservador e chega ao Supremo Tribunal.

30 nov 2023 - 13h34
(atualizado às 14h23)
Comunidade LGBTQIA+ da Rússia enfrenta pressão crescente das autoridades há anos
Comunidade LGBTQIA+ da Rússia enfrenta pressão crescente das autoridades há anos
Foto: Reuters / BBC News Brasil

O Supremo Tribunal da Rússia declarou o "movimento LGBTQIA+ internacional" uma organização extremista e proibiu suas atividades em todo o país.

A decisão veio após uma moção do Ministério da Justiça. embora a organização não exista como entidade legal.

Publicidade

Países que punem homossexualidade com pena de morte Países que punem homossexualidade com pena de morte

A audiência foi realizada a portas fechadas, mas repórteres foram autorizados a ouvir a decisão do tribunal. Ninguém do "lado do réu" esteve presente, informou o tribunal.

A Constituição russa foi alterada há três anos para deixar claro que casamento significa uma união entre homem e mulher. As uniões entre pessoas do mesmo sexo não são reconhecidas no país.

Antes da decisão, a BBC News perguntou a Sergei Troshin, vereador de São Petersburgo que se declarou gay no ano passado, que efeito ela teria.

Publicidade

"Penso que isto significará que qualquer pessoa que o Estado considere um ativista LGBTQIA+ poderá receber uma longa pena de prisão por 'participar de uma organização extremista'", afirmou Troshin.

"Para o coordenador de um grupo desses, a pena de prisão será ainda maior."

"Isto é uma repressão real. Há pânico na comunidade LGBTQIA+ da Rússia. As pessoas estão emigrando com urgência. A palavra que estamos usando é evacuação. Estamos tendo que evacuar do nosso próprio país. É terrível", acrescentou.

Nos últimos anos, a comunidade LGBTQIA+ da Rússia tem estado sob crescente pressão por parte das autoridades. Em 2013, foi aprovada uma lei que proibia "a propaganda [para menores de idade] de relações sexuais não tradicionais".

No ano passado, essas restrições foram estendidas a todas as faixas etárias.

Referências a pessoas LGBTQIA+ foram excluídas de livros, filmes, propagandas e programas de TV. No início deste mês, um canal de televisão russo descoloriu um arco-íris em um vídeo pop sul-coreano, para evitar ser acusado de violar a lei da "propaganda gay".

Publicidade

Na Duma, a Câmara baixa do parlamento russo, a opinião é diferente.

Vitaly Milonov, um deputado notoriamente homofóbico do partido no poder, Rússia Unida, diz que o ativismo LGBTQIA+ não está voltado apenas para a defesa "de minorias sexuais ou da vida privada dos indivíduos". "Trata-se mais da agenda política proclamada por este movimento internacional LGBTQIA+".

"Eles têm as suas próprias tarefas, os seus próprios objetivos. Atuam como uma força política, uma estrutura política e os objetivos desta estrutura contrariam a Constituição Russa."

Oficialmente, não existe um movimento internacional LGBTQIA+. Por isso, perguntei ao deputado como se pode banir "algo que não existe".

"Ah, é fácil", respondeu Milonov. "Podemos proibir quaisquer atividades de organizações internacionais LGBTQIA+ aqui na Rússia. Isso é bom. Não precisamos delas."

"E estou ansioso pelo próximo passo: banir a bandeira do arco-íris. Não precisamos desta bandeira. É um símbolo da luta contra a família tradicional. Espero que ninguém possa mostrar esta bandeira na Rússia ."

Publicidade
Pessoa não binária, Maxim Goldman decidiu deixar a Rússia: 'Sofro uma rejeição total do meu próprio país'
Foto: BBC News Brasil

Sob a presidência de Vladimir Putin, o Kremlin abraçou uma ideologia centrada no pensamento conservador e nos "valores da família tradicional".

As autoridades retratam o ativismo LGBTQIA+ como algo inerentemente ocidental e hostil à Rússia. A pressão sobre a comunidade LGBTQIA+ é apresentada como um meio de defender o tecido moral da Rússia.

É também um chamariz para votos?

"Acho que [o julgamento no Supremo Tribunal] está ligado às eleições presidenciais de março", avalia Sergei Troshin. "[As autoridades] Estão criando um inimigo artificial".

"Eles dizem: 'Estamos lutando contra o Ocidente'. A batalha contra as pessoas LGBTQIA+ se enquadra nessa retórica antiocidental. Lutar contra o Ocidente e a comunidade LGBTQIA+ é algo popular entre a parte conservadora e antiocidental da sociedade. Portanto, esse assunto será estimulado no período que antecede as eleições."

Publicidade

Maxim Goldman, que trabalha para uma organização russa que apoia pessoas trans e não binárias, concorda que o assunto serve a uma agenda política.

"Estão tentando desviar a atenção de problemas mais importantes, nos quais as autoridades russas não querem que as pessoas pensem", diz Goldman.

"Assim que soubemos da pauta no Supremo Tribunal, as pessoas que dirigem a nossa organização perceberam que teríamos de deixar o país com urgência. Tornou-se uma emergência."

Maxim, que se identifica como uma pessoa não-binária e está em seu último dia na Rússia, carregava uma mala e estava prestes a ir para o aeroporto enquanto conversava com a BBC News.

"Sofro uma rejeição total do meu próprio país", diz Maxim. "Deveríamos ter uma democracia aqui. As pessoas que colocamos no poder deveriam cuidar de nós."

Publicidade

"Mas está acontecendo o contrário. Eles estão nos punindo."

Por enquanto, o vereador Sergei Troshin fica. Mas ele não tem ilusões.

"Já falei muito no passado sobre os direitos LGBTQIA+", diz Sergei. "É possível que isso seja suficiente para abrir um processo criminal contra mim. Espero que não, mas talvez."

"A sociedade russa está encharcada de medo. A cada palavra, você atravessa um campo minado. Diga uma coisa e isso poderá levá-lo à prisão por cinco anos; diga outra coisa e você ficará 10 ou 15 anos atrás das grades."

BBC News Brasil - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização escrita da BBC News Brasil.
TAGS
Fique por dentro das principais notícias
Ativar notificações