Foi durante a pandemia de Covid-19, que o artista tatuador Fábio Lopes, de Recife (Pernambuco), conseguiu se dedicar exclusivamente ao que mais gostava de fazer: desenhar. Na época, ele estava passando por um intenso processo de letramento racial e descobriu na tatuagem uma forma de sobrepor o racismo estrutural do mercado cultural. "Eu já desenhava e quando comecei a estudar as técnicas de tatuagem, só encontrei referências de técnicas que levavam em conta a pele branca. Fiquei muito desconfortável com isso, então decidi estudar mais profundamente o assunto e descobri que a pele negra precisa de outras técnicas porque a cicatrização ocorre de forma diferente por causa da melanila. A partir disso, decidi que trabalharia apenas para pessoas pretas, fazendo uma arte de preto para preto, para resgatar a ancestralidade", comentou.
O jovem, hoje com 26 anos, começou a desenhar aos 12. Mas só na fase adulta é que conseguiu se aprofundar nos estudos específicos da área. "Pessoas de periferia só tem oportunidade de aprender algo novo, quando são obrigadas a parar. E na pandemia precisei arrumar outra fonte de renda. E queria que fosse dentro do que eu amo fazer, que era desenhar, trabalhar com arte. Andei pesquisando sobre tatuagem, levantei um dinheiro comprei os materiais e comecei a me dedicar aos estudos de tatuagem. Em junho de 2020, fiz a primeira tatuagem e as coisas começaram a acontecer". Hoje, Fábio se autointitula de "tatuador nômade", já que atende em Pernambuco, Rio de Janeiro, São Paulo, Bahia e Minas Gerais. Seu perfil no Instagram (@fabiolopes_ttt) tem 63 mil seguidores, tornando-o uma das referências em tatuagem em pele preta no País.
No perfil, ele compartilha os trabalhos que desenvolve e também os estudos sobre tratuagem e pele preta. "Por trás de uma tatuagem preta há muito significado. Quando comecei a estudar entendi como a pele preta se comporta durante a cicratização do ferimento e há uma probabilidade maior de formar quelóide. Na história, povos pretos e originários utilizavam a quelóide para comunicar, era uma tatuagem sem pigmento. Comunicava, por exemplo, a posição social daquelas pessoas. Então existe uma linguagem corporal que precisava ser resgatada. E quando eu me dedico a trabalhar essa arte na pele negra, ela vem acompanhada de uma conscientização de que essa reação do corpo, faz parte da caractérística da pele negra, então as pessoas abraçam como parte da tatuagem e não como algo feio", detalha.
Os desenhos produzidos também são uma preocupação para o artista. "Eu queria fazer desenhos que falassem sobre as pessoas pretas, sobre as suas ancestralidades. Claro que não sou o pioneiro em fazer tatuagem em pele preta, existiram outros artistas que vieram antes de mim, alguns com um conhecimento muito mais intuitivo, inclusive. Mas tudo isso veio corroborar pra que eu estivesse fazendo esse trabalho hoje e quero também deixar esse legado, essa referência para quem vier depois de mim".
Figuras ancestrais
Dos trabalhos que mais gosta de ter feito, Iansã é um dos desenhos preferidos do tatuador pernambucano. "Foi um dos primeiros desenhos que fiz dessa série que retrata orixás. Eu gosto muito de ver uma religião como o Candomblé e a Umbanda, que foram erroneamente demonizadas pelo cristianismo por muito tempo, agora serem motivos de orgulho", detalha. Nas redes sociais, a tatuagem de um Preto Véio, uma das principais entidades da Umbanda, é uma das fotos mais curtidas do perfil do artista. Outra tatuagem que ganhou repercussão, foi a reporudção do rosto do rapper Emicida, com referências do afrofuturismo. "Essa tatuagem é muito importante pra mim, mudou a minha carreira".
Outros desenhos chamam a atenção como a rainha Aqualtune, avó de Zumbi dos Palmares; e rapper Emicida, Pantera Negra e o desenho inspirado na capa de Homecoming de Beyonce e na Rainha Nefertiti.