Thaís Carla: “Professores diziam que, por ser gorda, eu não chegaria a lugar algum”

Bailarina, famosa depois de fazer parte dos dançarinos da Anitta, sempre teve a dança como talento e alavanca para combater a gordofobia

12 jan 2023 - 13h27
Thais Carla: "Eles diziam que eu até poderia dançar, mas não chegaria a lugar algum por ser gorda"
Thais Carla: "Eles diziam que eu até poderia dançar, mas não chegaria a lugar algum por ser gorda"
Foto: Divulgação

A bailarina e influenciadora Thaís Carla tinha quatro anos quando encontrou, na dança, o impulso que precisava para começar a construir sua autoestima. O refúgio para lidar com o preconceito de ser uma criança gorda ela já tinha, e era o mais grandioso deles: sua casa. Os pais de Thaís, além de não reforçar a gordofobia da qual ela era vítima fora de casa, ainda a acolhiam. Diziam que ela podia tudo, do jeito que era ela.

Mas a dança foi quem deu aquele empurrão para que ela se sentisse segura. Bonita. Potente. E foi o que a estimulou a desenvolver sua própria força, uma vez que, para continuar dançando, Thaís precisou lutar contra as falas gordofóbicas e desencorajadoras dos próprios professores. “Eles diziam que eu até poderia dançar, mas não chegaria a lugar algum por ser gorda. Que, se eu continuasse gorda, nunca teria uma carreira”.

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Ouvir as tantas descrenças gordofóbicas inundava o corpo de Thaís de vontade de fazer tudo ao contrário. “Quando eles diziam que eu não conseguiria, eu fazia ainda mais aulas. Eu queria ser f*da. Que se dane se você acha que sou ruim. Eu vou fazer o que quero”.

A preocupação dos pais da menina era a saúde, e nada mais. Por isso a atividade física era obrigatória. Thaís nadava, dançava, corria e fazia outras mil coisas ao mesmo tempo. Em casa, alimentos pouco saudáveis eram restritos. Ela se alimentava direitinho, mas biscoitos recheados e besteiras regadas a açúcar não faziam parte do dia a dia da família. Thaís Carla era uma criança que se divertia muito. A parte chata, ela conta, era encontrar roupas que servissem em seu corpo. Quase não tinha.

“As pessoas se sentem pior quando o opressor está dentro de casa. O meu não estava. Me sentia muito livre para dizer o que sentia, como me sentia, o que eu queria fazer e se eu gostava ou não de algo. Eu tinha muito apoio. Minha casa sempre foi um lar.”

Thais Carla: "Me sentia muito livre para dizer o que sentia, como me sentia"
Foto: Reprodução/Instagram

Thaís insistia por teimosia. Insistia na dança por não querer dar razão aos gordofóbicos que a cercavam por todos os lados. E seguia sua rotina sem imaginar o que o futuro poderia reservar. Thaís não imaginava que, um dia, ganharia dinheiro sendo bailarina. Acreditava que, talvez, pudesse virar coreógrafa ou professora de dança. Mas, por mais questionadora que fosse, lá dentro ela achava que, de fato, o balé não tinha espaço para ela. Até que começou a perceber que estava rompendo uma bolha muito difícil de se romper.

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Começou a ganhar festivais como melhor bailarina; passou a ser conhecida no nicho da dança; quando suas danças eram filmadas nos festivais, as pessoas diziam que reproduziam sua fita mais de uma vez. Thaís Carla finalmente estava furando de fato uma bolha estabelecida há anos, a bolha que afirma que pessoas gordas não podem ser atléticas. 

A virada de chave

Ao completar 17 anos, Thaís começou a tomar remédios para emagrecer. “Falei ‘chega, não aguento mais lidar com tudo isso. Quero ser magra’”. Foi só começar a se medicar que a menina foi chamada para gravar um DVD. Na mesma época, foi convidada para dançar no programa “Se vira nos 30”, do Faustão. “Fiz uma oração. Pedi que se não fosse mais para eu tomar aquele remédio, que eu recebesse um sinal. E recebi. Num dia, eu estava dançando na Globo. No outro, estava com um prêmio na mão. Tudo isso sem ser magra. Tudo isso sendo eu mesma”.

Thais Carla: aos 17, cansada de lidar com a gordofobia, a bailarina começou a tomar remédios para emagrecer. Mas a virada veio logo
Foto: Divulgação

Thaís compreendeu, então, que sua vida era quebrar as barreiras impostas pelo preconceito e desconstruir a visão sobre o corpo gordo. Ela sabia que não era por acaso. Jogou os remédios no lixo e recomeçou a relação consigo mesma. 

Professora de dança na escola de sua irmã desde os 14 anos, a menina fluminense começou a expandir seu talento. Depois de participar de outros programas de auditório, foi contratada pelo Legendários, antiga atração de Marcos Mion da Record, onde ficou por quatro anos. Foi lá que Thaís conheceu Anitta, com quem viria a trabalhar anos depois.

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“Nessa época, eu não sabia o que era gordofobia. Sentia na pele o tempo todo, mas nunca tinha estudado sobre. Não entendia o que passava na cabeça das pessoas por acharem que um corpo gordo é incapaz. Decidi estudar.”

Anitta, a mestra

O convite para integrar o grupo de dançarinos de Anitta veio por intermédio da coreógrafa da cantora, e, inicialmente, para um projeto de meses: o lançamento do single ‘Paradinha’. Se estendeu, no entanto, por dois anos – dois anos de correria sem fim, segundo Thaís.

“Foi um trabalho que exigiu muito de mim. Não dormia direito, não comia direito, era punk. Nós vivíamos na rua, em turnê, em ônibus. Foram dois anos assim. De repente, por causa da Anitta, fiquei muito conhecida, o que foi bastante assustador”, conta. 

Os pedidos de entrevista eram tantos que Thaís mal conseguia administrar. Foi uma fama gigantesca, com a qual veio a enxurrada de haters. “Os gordofóbicos choram quando veem uma pessoa gorda vitoriosa, ainda mais quando essa pessoa é uma mulher. Eu trabalho com internet, mas não consumo a internet. Não leio, não quero saber. Meus funcionários fazem tudo para mim para que eu possa me blindar e focar em outras coisas”, afirma. 

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“Todo mundo me pergunta de onde vem minha força. Eu não sei. Não sei como tive, e ainda tenho, forças para aguentar tudo que já aguentei e aguento. Tento focar nas coisas boas. Se olho para tudo de ruim que me dizem, vou ladeira abaixo. Sou mãe, acabei de me mudar para a casa que estava há três anos construindo; quero assistir filmes, séries e fazer outras coisas. Não tenho tempo para isso.

Maternidade e gordofobia médica

Thaís é mãe de duas meninas negras, pelas quais ela precisou aprender um monte a respeito da luta antirracista. Ela conheceu o marido, Israel, e em seis meses já ficou grávida de Maria Clara, de seis anos. Os dois precisaram descobrir juntos como era ter uma relação ao mesmo tempo em que descobriam a maternidade e a paternidade. “Quando dancei com a Anitta no projeto da ‘Paradinha’, já estava grávida de cinco meses. Eu sabia, mas não contei para ninguém porque não me deixariam dançar”.

Thais Carla com as filhas e o marido: "Elas veem beleza em tudo"
Foto: Reprodução/Instagram

Durante a gestação, ela conta, teve de lidar com a falta de acolhimento por parte dos médicos com quem se consultou. “A gordofobia médica é realidade, ainda mais quando você é anônima. Diziam que eu iria morrer, que eu não tinha saúde para ter um neném; que minha filha nasceria com algum transtorno”, relembra.

A segunda gestação, que rolou já sob a fama de Thaís, foi mais tranquila – algo que ela credita ao fato de ser conhecida. “As pessoas tinham medo de falar as coisas para mim. Quando engravidei pela primeira vez, f*dida, sem dinheiro, ninguém se importava. Meu marido trabalhava no McDonalds, eu dava aula em todos os lugares possíveis para ganhar algum dinheiro”.

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“Um médico me disse ‘você está muito gorda, tem que emagrecer senão seu bebê vai morrer’. Me deixou aterrorizada. No parto, ele pediu que eu fosse antes de ter contrações para induzir. Ninguém me deixou ter parto normal, tive duas cesáreas.”

Com as filhas, Thaís trabalha a autoestima desde muito cedo. Fala de corpo, do cabelo crespo, e da potência que ambas são. “Morro de medo de que sofram o que meu marido e eu sofremos. Ele, por ser um homem preto. Eu, por ser gorda. Elas convivem com meus amigos, um grupo que tem um monte de gay, sapatão, travesti. Elas veem beleza em tudo. Sabem que cada um é belo da sua forma. Se vou acertar com elas ou não, é outra história. Mas fico feliz de ver o caminho que as duas estão percorrendo”.

Fonte: Redação Nós
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