Os primeiros sinais do transtorno do espectro autista (TEA) geralmente surgem no início do desenvolvimento infantil, com uma grande variação no tipo e na intensidade, que impactam diretamente o desenvolvimento. No entanto, as alterações comportamentais e sociais podem não ser reconhecidas até que a pessoa enfrente dificuldades em atender diferentes demandas ao longo dos estágios da vida. Este é um dos motivos pelos quais o diagnóstico pode ocorrer tardiamente, apenas na fase adulta. Foi assim com o cantor Vitor Fadul, marido do historiador e apresentador Leandro Karnal, diagnosticado somente com 25 anos de idade, fato que ganhou os holofotes.
Trazer à luz esse tipo de discussão pode ser de grande importância para ajudar adultos a reconhecerem sinais do TEA e procurarem suporte médico para um diagnóstico preciso. O filme “Adam”, de 2009, dirigido por Max Mayer, é um exemplo dessa situação. Muitas pessoas que assistiram o romance relatam que funcionou como um “estalo” para se reconhecerem nos sintomas do protagonista Adam (Hugh Dancy), com síndrome de Aspenger – atualmente conhecida como TEA nível 1 de suporte – e suspeitarem de sua condição.
Segundo a especialista Victória Girão Machado, coordenadora de fonoaudiologia da clínica Genial Care, startup que auxilia no desenvolvimento de crianças com TEA e capacita pessoas cuidadoras nessa jornada, os casos com maior comprometimento são, em geral, notados precocemente pelos familiares, escola e profissionais da área da saúde e encaminhados para avaliação diagnóstica.
No entanto, quando os sinais são sutis e as dificuldades não estão relacionadas com a ausência ou presença de alguma habilidade, mas sim na qualidade dela, a criança segue para a adolescência e a fase adulta sem um diagnóstico. “Em geral, as dificuldades são classificadas erroneamente como timidez, traços de personalidade e até mesmo preferência por não estar em determinados locais com muitos estímulos e pessoas”, diz Victória.
Outros motivos que podem atrasar o diagnóstico são a falta de acesso à informação e até mesmo recursos para conseguir atendimento especializado. A base para saber se alguma habilidade está atrasada ou presente, porém com a qualidade comprometida, é ter claro o que esperar para cada etapa do desenvolvimento. “Ainda que esta condição venha sendo amplamente discutida e divulgada, é comum nos depararmos com profissionais da saúde que não tem o olhar clínico para estas questões”, analisa a especialista.
Estatísticas
Há poucos estudos e pesquisas científicas que abordam em massa o diagnóstico tardio de autismo em adultos. O Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos (CDC) divulgou, em 2021, que a prevalência de autismo nos Estados Unidos era estimada em 1 em 44 nascimentos.
Em relação aos adultos, mais de 5,4 milhões de pessoas nos Estados Unidos, ou seja, 2,2% da população do país estavam no espectro. “Estes números destacam a necessidade de atendimento para adultos com TEA e revelam a importância de uma abordagem terapêutica compatível com essa fase da vida”, afirma Victória.
Dificuldade no diagnóstico
Um fator que pode tornar mais difícil o diagnóstico em adultos é o fato de que, no decorrer da vida, estas pessoas foram encontrando por si só estratégias para lidar com as dificuldades e enfrentar o impacto que os sintomas do espectro causaram.
É essencial, portanto, que a avaliação do caso seja baseada na qualidade das habilidades apresentadas e que muitas vezes o adulto executa tarefas, porém alcançando um desempenho com comprometimentos importantes. “É comum adultos procurarem ajuda ao perceber que apresentam dificuldades persistentes que não melhoram com o passar do tempo”, observa Victória.
O cantor Vitor Fadul falou sobre as dificuldades que enfrentou na infância e adolescência e a falta de um diagnóstico nessa idade. "Creio que, se o diagnóstico tivesse sido na infância, eu teria tido o apoio que mais precisei e não tive. Sempre tive muita dificuldade com as crianças da minha idade e uma dificuldade total na escola, de aprendizagem", declarou em entrevista ao g1.
Como o diagnóstico é feito
Não há exames que confirmem a presença do autismo. Dessa forma, o diagnóstico clínico é baseado na qualidade de padrões comportamentais, exatamente da mesma forma que é realizado em crianças. Segundo Victória, o processo requer uma avaliação multidisciplinar que inclui o histórico detalhado do desenvolvimento e a descrição de características, como o comportamento, a cognição e a linguagem, bem como a observação do uso destas habilidades em diferentes contextos.
A avaliação pode envolver o uso de instrumentos padronizados associados ao olhar clínico, geralmente de dois ou mais profissionais com experiência no TEA. O diagnóstico baseia-se nos critérios internacionais propostos pela Classificação Internacional de Doenças Mentais (CID) e o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM).
De olho nos sinais
Por se tratar de um espectro, cada adulto com autismo é diferente e apresenta particularidades em relação aos sinais e aos sintomas presentes. Em linhas gerais, é possível encontrar as seguintes características:
- Dificuldade em manter as relações sociais, nas quais há a necessidade de suporte para expressar e compreender ideias, sentimentos e emoções.
- Compreender comunicação não verbal, como gestos e expressões faciais, bem como lidar com informações abstratas - entonação de voz dos parceiros comunicativos, entender piadas e sarcasmo.
- Presença de alterações sensoriais, como dificuldades em se manter em locais com muitas informações, que podem ser visuais, auditivas, táteis (tocar e ser tocado) e de movimento.
- Inflexibilidade ao lidar com quebras de rotinas e mudanças de planos. É comum adultos apresentarem também dificuldades com as regras sociais, como não ser impulsivo ao dizer o que pensa sobre as pessoas e as situações de maneira sincera, acompanhar os turnos de comunicação, nos quais é preciso manter o contato visual, aguardar a sua vez de falar e manter o interesse no conteúdo que está sendo lhe dito.
- Hiperfoco e altas habilidades em conteúdos específicos também podem estar presentes desde a infância até a vida adulta.
- Vale destacar que os sinais de autismo podem estar acompanhados de outros sintomas associados, que são chamados de comorbidades: desatenção, hiperatividade, ansiedade e depressão, distúrbios do sono e até mesmo agressividade.
A quem recorrer
Ao notar dificuldades que podem estar relacionadas ao autismo, a especialista da clínica Genial Care afirma que é preciso buscar por uma avaliação completa com médicos psiquiatras ou neurologistas, bem como contar com o olhar clínico de especialidades como neuropsicologia, fonoaudiologia e terapia ocupacional.
O acompanhamento médico e as intervenções terapêuticas são excelentes aliados para que o adulto possa se identificar com um diagnóstico que não será uma sentença, mas que poderá direcioná-lo ao acesso a medicações – se necessárias - e ao trabalho com estratégias que auxiliem nas dificuldades, que ampliem suas habilidades e promovam ainda mais a autonomia, a independência e a qualidade de vida.