Uma em cada três mulheres agredidas com arma de fogo já fez denúncia de violência doméstica, diz pesquisa

Levantamento revela que, mesmo com a queda geral de homicídios no País, as mortes de mulheres por armas de fogo não diminuíram

8 mar 2025 - 09h39
Uma em cada três mulheres agredidas com arma de fogo já fez denúncia de violência doméstica, diz pesquisa
Uma em cada três mulheres agredidas com arma de fogo já fez denúncia de violência doméstica, diz pesquisa
Foto: Savusia Konstantin/Getty Images

Pelo menos 3.946 mulheres foram assassinadas no Brasil em 2023, e metade dessas mortes foi causada por armas de fogo, revela a 4ª edição da pesquisa Pela Vida das Mulheres: o papel da arma de fogo na violência baseada em gênero, realizada pelo Instituto Sou da Paz. O estudo também aponta que, em um a cada três casos de agressão contra mulheres com arma de fogo, a vítima já havia denunciado violência doméstica.

O levantamento revela que, mesmo com a queda geral de homicídios no País, as mortes de mulheres por armas de fogo não diminuíram. Segundo o Instituto Sou da Paz, embora as estatísticas das secretarias de Segurança Pública sobre a autoria e as circunstâncias dos homicídios não permitam traçar o perfil dos assassinos, os dados do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan) possibilitam identificar as características dos agressores que cometem violência armada não letal contra mulheres.

Publicidade

A pesquisa revela que, em 46% dos casos, as agressões armadas são cometidas por pessoas próximas às vítimas. Desse total, parceiros íntimos, companheiros ou ex-companheiros foram responsáveis por 29% das agressões não fatais com uso de arma de fogo em 2023. Os agressores são, em sua maioria, homens (76%) e adultos (48%).

“É urgente falar do impacto da violência armada na vida das mulheres e da necessidade de investir em políticas de controle de armas orientadas às questões de gênero”, destaca Carolina Ricardo, diretora-executiva do Instituto Sou da Paz.

“São medidas que podem contribuir para a prevenção dos feminicídios e para o enfrentamento de um problema social que exige intervenção pela União, Estados e municípios e em diferentes áreas, como saúde, segurança pública e assistência social”, acrescenta.

Diferenças regionais

Com base em dados do Ministério da Saúde, o relatório aponta que as regiões Norte e Nordeste continuam registrando as maiores taxas de homicídios femininos, tanto em números gerais quanto por armas de fogo.

Publicidade

Já o Sudeste mantém as taxas mais baixas, mas esses números podem ser influenciados pela qualidade inferior dos dados na região. Isso porque o Sudeste apresenta a maior taxa de mortes violentas por causas indeterminadas, o que resulta em subnotificação de homicídios não classificados.

O estudo também aponta que, independentemente da forma como o assassinato é cometido, o homicídio feminino é um grave problema de segurança pública em todo o País. Mesmo nas regiões com as menores taxas de homicídio, destaca-se o risco de mulheres sofrerem agressões por arma de fogo dentro de suas próprias casas.

Homicídios de mulheres, total e com arma de fogo. Unidades da Federação, 2023 (taxa por 100 mil mulheres)
Foto: SIM/Datasus; IBGE

Essas vidas são perdidas, em grande parte, nas ruas (40%). No entanto, nos últimos anos, a residência ganhou destaque como local de agressões com arma de fogo que resultam em óbito. Em 2023, esses casos corresponderam a 28% do total. O aumento gradual dessa porcentagem desde 2019 chama a atenção para as dinâmicas da violência doméstica e suas consequências, conforme destaca o Instituto Sou da Paz. 

Os homicídios ocorridos em residências ganham destaque quando os números são analisados regionalmente, segundo aponta a pesquisa. No Sul e no Centro-Oeste, regiões com taxas menores de informações ignoradas, 43% dos casos acontecem dentro de casa.

Publicidade

Já no Nordeste, mesmo com dados mais qualificados sobre o local dos crimes, as vias públicas são os locais onde mais ocorrem os homicídios, correspondendo a 47% dos óbitos. Esse número pode incluir tanto feminicídios ocorridos em vias públicas quanto mortes relacionadas ao contexto de criminalidade e disputas faccionais. No entanto, isso não descarta a possibilidade de que parte dessas mortes também tenha motivação de gênero.

Homicídios de mulheres com arma de fogo, segundo local de ocorrência da agressão. Brasil e Regiões, 2023
Foto: SIM/Datasus

Crescimento da violência armada não letal

Apesar da redução e estabilização no número total de homicídios por arma de fogo no País após o pico de 2017, a violência armada não letal voltou a crescer. Em 2023, o número de notificações quase atingiu o mesmo patamar do pico de 2017, representando um aumento de 23% em relação a 2022 e de 35% em comparação a 2021.

Desde 2021, esse tipo de violência tem crescido em todas as regiões do País. No entanto, em 2023, o aumento foi mais expressivo no Norte (+29%), no Nordeste (+29%) e no Sudeste (+23%).

Notificações de violência armada não letal contra mulheres. Brasil, 2014-2023
Foto: Sinan/Datasus

“O aumento das notificações no Sinan possivelmente indica uma aproximação gradual dos registros em relação a uma realidade mais grave da violência armada não letal contra mulheres no país. São casos que chegam para atendimento no sistema de saúde em um macro contexto de aumento da circulação de armas na sociedade brasileira”, explica Carolina.

Publicidade

A pesquisa também revela que a violência armada não letal está frequentemente associada a outros tipos de violência. Em 2023, as agressões mais comumente relacionadas a esse tipo de violência foram a física (52,8%), a psicológica/moral (22,2%) e a sexual (13,8%).

Uma dinâmica característica da violência doméstica é a repetição, e isso não muda quando uma arma é utilizada como instrumento de agressão. Em 35% das notificações, a vítima já havia sofrido episódios anteriores de violência.

Perfil das vítimas de violência armada

Os dados revelam que os homicídios de mulheres por armas de fogo começam a ocorrer a partir dos 15 anos, idade marcada pelo ritual de passagem que simboliza a transição da infância para a adolescência.

O grupo de mulheres entre 15 e 19 anos representa 11% dos assassinatos. No entanto, é entre as jovens e adultas de até 39 anos que se concentra a maior proporção de casos, correspondendo a 59% das vítimas.

Publicidade

A desigualdade racial também se reflete nas vítimas fatais: a taxa de homicídios de mulheres negras (2,2) é o dobro da de mulheres não negras (1,1). As mulheres negras são as mais atingidas, representando 72% dos casos, seguidas pelas brancas, com 26,6%. A vitimização das mulheres negras é ainda mais expressiva entre as adolescentes, grupo no qual elas representam 80% dos óbitos.

O perfil das vítimas de violência armada não letal é bastante semelhante ao dos casos letais: a maioria das mulheres agredidas está na fase adulta, entre 20 e 39 anos, correspondendo a 55% dos casos, e também são predominantemente negras, com 64% das notificações. No entanto, há um diferencial: um número maior de adolescentes, entre 10 e 19 anos, são vítimas desse tipo de violência, representando 17,5% dos casos em 2023.

“No contexto em que temos uma grande quantidade de armas de fogo circulando na sociedade brasileira, os dados evidenciam a vulnerabilidade das mulheres à violência armada, tanto nas ruas como dentro de casa. Nesse cenário, é fundamental articular a política de controle de armas à agenda de defesa dos direitos das mulheres, considerando não só a alta letalidade provocada por esse instrumento e o risco de feminicídios, mas também seu emprego nas diversas formas de dominação e controle que marcam as relações desiguais entre os gêneros na sociedade brasileira”, diz Carolina Ricardo.

A especialista acrescenta que o Brasil dispõe de leis importantes que limitam o acesso a armas por parte de autores de violência contra a mulher, mas que é preciso garantir sua aplicação e efetividade. "Isso depende do engajamento dos servidores que operam nas pontas, assim como da ampliação e qualificação dos serviços de atendimento e proteção a mulheres vítimas de violência que muitas vezes ainda não recebem as devidas orientações e encaminhamentos para serviços protetivos quando são atendidas no sistema de saúde”, finaliza. 

Publicidade
Fonte: Redação Terra
TAGS
Fique por dentro das principais notícias
Ativar notificações