A música pode mudar a forma como você se lembra de vivências passadas

Os neurocientistas descobriram que a música não influencia apenas suas emoções no presente - ela também pode alterar a maneira como você se lembra de suas memórias.

4 dez 2024 - 08h26
(atualizado às 15h13)
A música pode alterar o teor emocional de suas lembranças. CoffeeAndMilk/E+ via Getty Images
A música pode alterar o teor emocional de suas lembranças. CoffeeAndMilk/E+ via Getty Images
Foto: The Conversation

Você já percebeu como determinadas músicas podem trazer de volta uma enxurrada de memórias? Talvez seja a melodia que estava tocando durante sua primeira dança, o hino de uma viagem incrível ou outro momento.

As pessoas, geralmente, pensam nessas memórias musicais como instantâneos fixos do passado. Mas, pesquisas recentes que minha equipe e eu publicamos sugerem que a música pode fazer mais do que apenas desencadear cenas vividas - ela pode até mudar como você se lembra delas.

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Sou pesquisadora de psicologia no Instituto de Tecnologia da Geórgia (EUA). Juntamente com meu mentor, Thackery Brown, e as especialistas em música da Universidade de Colorado Boulder (EUA), Sophia Mehdizadeh e Grace Leslie, nossa pesquisa publicada recentemente revelou conexões intrigantes entre música, emoção e memória.

Especificamente, ouvir uma canção pode mudar como você se sente em relação ao que lembra - o que pode, também, oferecer novas maneiras de ajudar as pessoas a lidar com memórias difíceis.

Música, histórias e memória

Quando você ouve melodias, não são apenas os ouvidos que estão ativados. As áreas do cérebro responsáveis pela emoção e pelos registros do que se viveu também tornam-se ativas. O hipocampo, que é essencial para armazenar e recuperar memórias, trabalha em estreita colaboração com a amígdala, o centro emocional do cérebro. É, em parte, por isso que certas obras sonoras não são apenas marcantes, mas, também, profundamente emocionais.

Embora a capacidade da música de evocar emoções e desencadear lembranças seja bem conhecida, nos perguntamos se ela também poderia alterar o conteúdo emocional dos registros existentes. Nossa hipótese se baseou no conceito de reativação de memória - a ideia de que, quando você relembra algo, isso se torna temporariamente maleável, permitindo que novas informações sejam incorporadas.

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Mãos segurando fotos polaroids
Foto: The Conversation

As memórias são maleáveis. Artur Debat/Moment Open via Getty Images

Desenvolvemos um experimento de três dias para testar se a música tocada durante a recordação poderia introduzir novos elementos emocionais na memória original.

No primeiro dia, os participantes memorizaram uma série de histórias curtas e emocionalmente neutras. No dia seguinte, eles relembraram essas histórias enquanto ouviam canções positivas, negativas ou estavam em silêncio. No último dia, pedimos que se recordassem, novamente, das histórias, porém, dessa vez, sem música. No segundo dia, registramos a atividade cerebral com exames de fMRI (Ressonância Magnética Funcional), que medem a atividade cerebral, detectando mudanças no fluxo sanguíneo.

Nossa abordagem é análoga à forma como as trilhas sonoras de filmes podem alterar as percepções dos espectadores sobre uma cena, mas, neste caso, examinamos como a música pode mudar as memórias reais.

Os resultados foram surpreendentes. Quando os pesquisados ouviam baladas carregadas de emoção e, simultaneamente, relembravam as histórias neutras, eles eram mais propensos a incorporar novos elementos emocionais que combinavam com o clima da canção. Por exemplo, histórias neutras relembradas com melodia positiva ao fundo foram, mais tarde, lembradas como sendo mais positivas, mesmo quando a música não estava mais tocando.

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Ainda mais intrigantes foram os exames cerebrais que fizemos durante o experimento. Quando os participantes relembraram histórias enquanto ouviam música, houve um aumento da atividade na amígdala e no hipocampo - áreas cruciais para o processamento da memória emocional. É por isso que uma música associada a um evento significativo da vida pode parecer tão poderosa - ela ativa regiões de processamento de emoção e memória, ao mesmo tempo.

Também vimos evidências de forte comunicação entre essas partes do cérebro que processam memórias emocionais e as partes envolvidas no processamento sensorial visual. Isso sugere que a música pode infundir detalhes nos registros enquanto os participantes imaginavam visualmente as histórias.

Memórias musicais

Nossos resultados mostram que nossa trilha sonora de vida atua como uma isca emocional, entrelaçando-se com as memórias e alterando-as, sutilmente. Elas podem ser mais flexíveis do que se pensava anteriormente e podem ser influenciadas por pistas auditivas externas durante a recordação.

Embora mais pesquisas sejam necessárias, nossas descobertas têm implicações interessantes tanto para a vida cotidiana quanto para a medicina.

Para as pessoas que estão lidando com doenças como depressão ou TEPT (Transtorno de Estresse Pós-Traumático) em que as memórias negativas podem ser avassaladoras, uma canção cuidadosamente escolhida pode ajudar a reformular essas memórias sob uma luz mais positiva e até reduzir o impacto negativo ao longo do tempo. Ela abre novos caminhos para explorar intervenções em tratamentos para depressão e outras condições de saúde mental.

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Pessoa usando fones de ouvido, ouvindo música enquanto está sentada no sofá
Foto: The Conversation

A música pode ajudar a reformular memórias negativas em algo menos doloroso. Delmaine Donson/E+ via Getty Images

Nossa pesquisa destaca o poder potencial do 'fundo musical' que as pessoas escolhem para suas vidas. Memórias, assim como as músicas favoritas, podem ser remixadas e remasterizadas. O que você ouve enquanto relembra - ou mesmo enquanto segue suas rotinas diárias - pode estar moldando como você se lembrará dessas experiências no futuro.

Na próxima vez que você colocar sua playlist favorita para tocar, considere como ela pode influenciar não apenas seu humor atual, mas, também, suas lembranças futuras.

The Conversation
Foto: The Conversation

Yiren Ren recebe financiamento do Centro de Imagem Cerebral Avançada do Instituto de Tecnologia da Geórgia e da Universidade Estadual da Geórgia.

Este artigo foi publicado no The Conversation Brasil e reproduzido aqui sob a licença Creative Commons
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