Durante sua infância na Califórnia na década de 70, a Barbie favorita de Lisa McKnight era a do modelo Malibu, a boneca de 1971 que consolidou a imagem da Barbie de pernas longas e cabelos loiros.
Agora, como vice-presidente sênior da marca, McKnight lidera um movimento para deixar para trás essa imagem.
Um dos primeiros alvos foram os saltos: uma Barbie com sandálias rasteiras foram lançadas em 2015. Desde então, a Mattel, dona da marca, inundou o mercado com novos modelos, acrescentando mais de 100 tipos de corpo, tons de pele, texturas de cabelo, formas faciais e cores dos olhos.
A empresa expandiu também sua linha de carreiras, como uma boneca juíza e outra astrofísica. Houve ainda o lançamento de bonecas homenageando personalidades mulheres, como a ativista Rosa Parks, a boxeadora Nicola Adams e a esgrimista Ibtihaj Muhammad. O boneco Ken também passou por atualizações.
Em 2019, na comemoração dos 60 anos da Barbie, ficou evidente a tentativa de mostrar uma evolução da boneca — saindo do modelo de uma mulher cheia de curvas e que reclamava das difíceis aulas de matemática para um ícone antenado do século 21, por exemplo no apoio ao casamento não heterossexual.
"A Barbie sempre está na sua melhor forma quando reflete a cultura e se conecta a ela", diz McKnight, vice-presidente sênior da Barbie e chefe global de bonecas da Mattel. "Fizemos um esforço real nos últimos anos para garantir que a Barbie esteja acompanhando este ritmo".
Depois de cair 25% entre 2012 e 2017, as vendas da marca começaram a se recuperar. O volume de negócios aumentou 14% em 2018, para mais de US$ 1 bilhão (R$ 4 bilhões).
Assumindo riscos
Os ganhos representam um raro sinal positivo para a Mattel, que vem assistindo as vendas do grupo caírem ano a ano desde 2013. A empresa parece estar aprendendo com as novas experiências da Barbie: em 2019, a fabricante lançou uma linha de bonecas "de gênero neutro".
"Uma das coisas que eles (a empresa) têm feito há um tempo e que considero verdadeiramente inteligente é tirar vantagem das tendências vistas no mundo real", aponta Juli Lennett, analista do setor de brinquedos da empresa de pesquisa de mercado NPD Group.
Sobre as Barbies fashionistas, com corpos longilíneos e curvas, ela acrescenta: "Eles correram um pouco de risco ao fazer isso e continuam correndo alguns riscos nesta seara."
McKnight defende que a empresa está prestando mais atenção aos pais. Muitas das mudanças recentes visam lidar com possíveis percepções negativas sobre a autoimagem e confiança das crianças.
A Barbie também atualizou suas formas de chegar às meninas — seu principal perfil de consumidor são as de 5 a 8 anos de idade. A personagem tem um programa na Netflix e mais de 8 milhões de inscritos em seu canal no Youtube, produções que incluem tutoriais de maquiagem ou análises sobre por que as meninas pedem tantas desculpas.
Mas os desafios continuam.
As vendas ainda precisam superar os US$ 1,2 bilhão que a Mattel registrou em 2012. Além disso, a boneca continua dividindo opiniões. Uma pesquisa recente da YouGov no Reino Unido mostrou que 29% das opiniões sobre ela eram positivas, e 33% negativas.
Suzanna Campbell, que se tornou mãe recentemente, diz que gostava de ter suas Barbies e reconhece o esforço da Mattel em tentar atualizar a imagem da boneca. Mas ela não pretende comprar uma para sua filha.
"Por mais que a Barbie esteja tentando se adaptar, eles criaram um forte selo em torno dessa imagem perfeita", diz Campbell, 32 anos, moradora de Nova York. "Há tantas outras marcas melhores por aí agora. E eu não quero que ela (a filha) cresça pensando que tem que aparentar de uma determinada maneira."
Mudar as visões sobre a Barbie levará tempo, avalia Richard Haigh, diretor da consultoria britânica Brand Finance, que em seu ranking anual registrou uma queda no valor de marca da Barbie entre 2015 e 2019, embora haja uma perspectiva de aumento em 2020.
"Ampliar a variedade de carreiras ou etnias não ofusca o fato de que a principal crítica à Barbie é que ela é uma boneca evidentemente sexualizada, voltada para crianças pequenas sobre as quais a pressão pela perfeição sugere causar problemas de autoimagem", diz.
'A mesma coisa de sempre'
O principal negócio da marca Barbie ainda gira em torno do modelo original, como a do tipo Malibu.
Bonecas destacadas por suas carreiras ou com biotipos diferentes daquele padrão não são encontradas com tanta facilidade, aponta Aurora Sherman, professora de psicologia da Oregon State University, nos Estados Unidos.
A pesquisadora é também coautora de um estudo que constatou que a variedade de carreiras possíveis vislumbradas por meninas diminuía após estas brincarem com Barbies. O estudo foi publicado em 2014.
Grande parte do conteúdo que a Mattel promove via Youtube e outros meios também permanece problemática, diz Sherman.
"É a mesma coisa de sempre. A mesma", critica. "Há uma nova embalagem, mas muitas das mesmas coisas antigas (no conteúdo)".
As Barbies que figuram entre os brinquedos mais vendidos de 2019 se aproximam muito de sua imagem tradicional — com aviões rosa, vestidos de festa e cabelos brilhantes.
Mas McKnight avalia que o aumento nas vendas é um sinal de que a reinvenção da Barbie está funcionando.
Cerca de 55% das Barbies vendidas globalmente são diversas em tom de pele, cor de cabelo ou biotipo, diz. E no Reino Unido, por exemplo, a Barbie acompanhada de uma cadeira de rodas é a mais vendida na linha fashionista.
"A linha de produtos diversificada é realmente ressonante", assegura. "Com qualquer marca com um legado de anos de história, você terá altos e baixos. Estamos incrivelmente orgulhosos do progresso que estamos fazendo".
Mas pais — e filhos — ainda podem precisar de mais convencimento.
Kailin Zhang, de 13 anos, diz que as pessoas da sua idade tiram sarro da Barbie por sua aparência artificial. Quanto sua irmã mais nova, ela "não brinca com bonecas. Ela brinca com o celular".
Claire Stansberry, de 9, diz que curte brincar com as Barbies antigas da mãe, mas os Legos estão no topo de sua lista de pedidos de Natal.
"Gosto dela (da Barbie)", diz a menina. "Mas não costumo brincar com ela."