Com 25 anos completados neste domingo (10) e grandes variações orçamentárias no período, a Agência Espacial Brasileira (AEB) enfrenta dificuldades para viabilizar uma indústria aeroespacial no Brasil.
Devido aos altos e baixos na quantidade de recursos disponíveis, a demanda por produtos, serviços e profissionais da área também flutua ano a ano.
Além do histórico de financiamento inconstante, planos do órgão para o futuro ainda devem ser influenciados por um possível acerto diplomático entre Brasil e Estados Unidos que, no passado, já foi rejeitado pelo Congresso brasileiro.
Caso esse acordo seja aprovado, existe a possibilidade de usar comercialmente o Centro de Lançamentos de Alcântara, mandando ao espaço satélites de terceiros. As receitas ajudariam a bancar o programa espacial do Brasil.
Atualmente, o orçamento da AEB se encontra em período de baixa. Foram desembolsados R$ 194 milhões em 2018, com valores corrigidos pelo IPCA.
É impossível, agora, saber quanto a Agência poderá usar de seu orçamento em 2019. Se toda a dotação inicial for utilizada, serão R$ 181,6 milhões.
Segundo um relatório disponível no site do órgão, o mercado aeroespacial movimenta US$ 340 bilhões ao ano no mundo, incluindo atores estatais e privados.
O Terra fez um levantamento dos gastos da AEB por meio do Siga Brasil, plataforma mantida pelo Senado que extrai dados do Sistema Integrado de Administração Financeira (Siafi):
“É muito fácil sugerir um discurso de que a própria indústria nacional se viabilize. Nessa nossa área o governo precisa fazer um investimento muito grande”, diz o ex-presidente da AEB José Raimundo Coelho.
Ele deixou o comando da Agência em janeiro, após quase sete anos no cargo. Segundo Coelho, seria razoável que a AEB tivesse recursos em torno de R$ 500 milhões por ano.
O ex-presidente da Agência, porém, rejeita a versão de que a falta de dinheiro imobilizou o trabalho. “Tivemos recursos pequenos e usamos de maneira eficiente”, afirmou. “Temos milhares de exemplos [na administração pública] em que os recursos existiam e não fizeram nada”.
Ele cita como exemplo o Cbers, satélite fruto de uma parceria com os chineses que está indo para a sexta versão. Eles são lançados da China, e servem para fazer imagens da Terra.
A Agência Espacial Brasileira foi criada em 10 de fevereiro de 1994. Sua função não é, diretamente, colocar objetos em órbita. Tem a responsabilidade de coordenar o programa espacial do País, cujos primeiros movimentos foram dados décadas antes, no governo Jânio Quadros.
No ramo desde 1985, o ex-ministro da Ciência e Tecnologia Marco Antônio Raupp tem um diagnóstico pessimista do programa coordenado pela AEB. “É mal sucedido se for analisado globalmente.”
A Agência é vinculada ao ministério que Raupp comandou durante parte do governo de Dilma Rousseff. Antes, ele próprio presidiu a AEB, e também trabalhou no Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).
O diagnóstico do ex-ministro engloba inclusive anos pré-criação da AEB. “Em 30 anos não é para lançar seis satélites, deveríamos pensar em 20. O subprograma de lançadores sequer teve um único sucesso”.
“O programa espacial não foi, em nenhum governo, uma prioridade”, diz outro ex-ministro da Ciência e Tecnologia ouvido pela reportagem, Aldo Rebelo.
Ele recebeu o Terra no apartamento onde mora, em São Paulo. Sua sala tem livros espalhados pelo sofá e a mesa. Entre os mais de dez quadros na parede, destaca-se um grande escudo do Palmeiras.
O político era procurado por pessoas ligadas ao programa espacial quando estava à frente do ministério.
Dirigentes da AEB, como qualquer chefe de órgão público, costumam pressionar instâncias superiores do governo por mais recursos. É comum terem apoio de oficiais da Força Aérea, interessada na área.
Segundo Rebelo, às vezes era possível obter recursos para determinados projetos no orçamento de órgãos com interesses afins. Por exemplo, no Ministério da Defesa – que também foi comandado por ele – ou no Inpe, vinculado à Ciência e Tecnologia assim como a AEB.
No Orçamento Federal, os recursos são disputados e áreas socialmente muito sensíveis, como Saúde e Educação, costumam levar vantagem. O cobertor é curto.
Buscar verba em órgãos com interesses e necessidades espaciais será um expediente usado pela AEB, afirma o presidente da Agência, Carlos Augusto Teixeira de Moura. Engenheiro, ele fez carreira na Força Aérea, onde chegou a coronel. Tomou posse na AEB no fim de janeiro.
O órgão fará uma campanha de fortalecimento institucional. A ideia é focar em demandas concretas da sociedade, como combate a desmatamento auxiliado por satélite, com uma estratégia de comunicação para mostrar os resultados.
Caso a campanha seja bem sucedida, deverá ser mais fácil pleitear verbas e negociar parceiras. “Capacidade técnica nós temos, o que muitas vezes falta é apoio político”, diz Moura.
“Transformar o programa espacial em um programa de Estado”, resume o dirigente. Isso passaria à indústria o recado de que as demandas seriam mais constantes, encorajando investimentos no setor privado.
Demanda, indústria e cérebros
A falta de continuidade no financiamento ao longo do tempo ajudou a aumentar o dano causado pela explosão em Alcântara, em 2003. Entre as 21 pessoas mortas no incidente estavam técnicos qualificados.
À tragédia humana foi adicionada uma tragédia intelectual: substituir esses técnicos foi mais difícil do que poderia ser caso houvesse uma formação de quadros mais constante.
O modelo de programa espacial mais comum no mundo é haver uma agência estatal que contrata entes privados para executar serviços, formar especialistas e desenvolver tecnologia.
Com os altos e baixos do orçamento da AEB, fica inviável para as empresas fazer planos de longo prazo. Ninguém sabe se haverá demanda no ano seguinte. A formação de profissionais também é comprometida.
No final do governo Michel Temer, veio à tona o projeto de criar a Alada, uma empresa pública para gerir infraestrutura aeroespacial.
Quem puxou a ideia foi o Ministério da Defesa. O Terra apurou que a AEB não se envolveu no início discussões dessa hipótese, mas deverá ter uma posição se as conversas evoluírem. Caso venha a se tornar realidade, a Alada será um dos entes com o qual a Agência terá de lidar.
Os defensores da nova estrutura afirmam que uma empresa pública é mais ágil que a burocracia 100% estatal. Esse ganho de velocidade facilitaria o desenvolvimento da área.
De acordo com o ex-ministro Marco Antônio Raupp, a Alada não resolveria a falta de agilidade. “O ideal é ter uma agência forte que contrate empresas integradoras privadas do ramo”.
O acordo com os EUA
Em relatório publicado no final de 2018, a AEB defende que a base de Alcântara pode ser usada para lançar satélites comercialmente, inclusive como possível fonte de recursos para financiar o próprio programa.
A proximidade do centro de lançamentos da linha do Equador proporciona economias de combustível que chegariam a 30% em alguns casos, uma vantagem competitiva importante.
De acordo com relatório, a estrutura que já existe é suficiente para o lançamento de satélites de pequeno porte.
Segundo o documento, a miniaturização dos equipamentos é uma tendência mundial. Alcântara tem estrutura para colocar esses objetos em órbitas mais baixas.
Por terem vida útil mais curta, necessitam ser substituídos com maior frequência – o que implica em maior demanda por lançamentos.
A atividade espacial é muito associada a fins militares, mas há um amplo uso civil do espaço. Empresas de telecomunicações, por exemplo, precisam de satélites.
Para essa exploração comercial acontecer, porém, é indispensável a aprovação de um acordo de salvaguardas tecnológicas com os Estados Unidos.
Sem esse acerto, o Brasil fica impedido de utilizar tecnologias americanas na área. Como a maior parte dos satélites e foguetes do mundo tem componentes dos EUA, sem o acordo é inviável a atividade comercial em Alcântara.
As salvaguardas são um acordo internacional assinado por governos. Serve como garantia de que não haja “roubo” de conhecimento tecnológico de um país por outro.
Para entrar em vigor, precisa ser aprovado pelo Congresso. O Legislativo brasileiro já enterrou um acerto entre os países.
Os opositores afirmavam que o tratado atentava contra a soberania nacional. Em 2016, o texto foi retirado de pauta.
O Ministério das Relações Exteriores negocia uma nova versão do acordo com o governo dos Estados Unidos desde 2017.
“Aquilo que a gente achava que era o mais sensível para o Congresso, tentamos e conseguimos de alguma maneira diminuir a sensibilidade”, conta José Raimundo Coelho. “Sem o acordo não vai lançar nada de lá [de Alcântara]”.
Os dois ex-ministros ouviram pela reportagem também afirmam ser importante um acerto com os EUA.
Segundo Aldo Rebelo, o tratado que caiu no Congresso tinha defeitos, mas podia ter sido ajustado entre os governos.
“Cooperamos com os chineses e nunca tivemos problema. Cooperamos com os russos e nunca tivemos problema. Por que não podemos cooperar com os Estados Unidos também?”, disse Rebelo.
“Para empresas lançarem de Alcântara, precisam de uma salvaguarda básica, isso é normal”, afirma Marco Antônio Raupp. Ele avalia, porém, que são necessários mais investimentos para que se lance foguetes maiores no Maranhão.
O atual presidente da AEB se mostrou otimista com as possibilidades de aprovação da matéria. “Existe um ambiente muito favorável aqui em Brasília. A gente percebe que o assunto está sendo desmistificado”.
Brasil e Ucrânia
Houve ao menos um fracasso em colaborações internacionais. A Alcântara Cyclone Space, uma empresa binacional fruto de acerto entre Brasil e Ucrânia constituída em 2006.
A ideia era usar a base no Maranhão para lançar foguetes Cyclone, ucranianos. Outros países e empresas poderiam colocar seus satélites em órbita com os foguetes a partir de Alcântara, desde que pagassem pelo serviço.
O Brasil gastou cerca de R$ 483 milhões no projeto, que nunca colocou equipamento algum em órbita.
Em 2013 já parecia claro para funcionários do governo federal que a parceria fracassara. O foguete ucraniano havia ficado ultrapassado, sem chances de competir com os modelos mais novos disponíveis internacionalmente.
Um estudo produzido pela AEB sobre o acerto era frágil, de acordo com o Tribunal de Contas da União (TCU). Além disso, foi apresentado apenas dois anos depois de o acordo ser celebrado.
Em 2015, o Ministério da Ciência e Tecnologia puxou, dentro do governo federal, o fim da parceria. Um relatório feiro por técnicos do próprio órgão, além de funcionários do Itamaraty e do Ministério da Defesa, baseava a decisão.
Após ter o aval do Planalto, os ministérios responsáveis iniciaram o processo para o fim do acordo. Começou ali uma negociação difícil envolvendo os dois países.
A história ainda não teve desfecho. Em novembro de 2018, o ex-presidente Michel Temer extinguiu a empresa por meio de uma medida provisória (MP).
Uma MP tem força de lei, mas por no máximo 120 dias. Para vigorar definitivamente, é necessária aprovação no Legislativo – o que ainda não aconteceu.
A matéria está em uma comissão especial formada por deputados e senadores, e ainda não se sabe quando será votada. É necessário apreciar a MP até março.
O relator do texto, deputado Hugo Leal (PSD-RJ), disse que o relatório está pronto e que o assunto não é dos mais complicados. “O que eu precisava fazer, já fiz. Estou aguardando”.
Sucessos da AEB
Ainda que o Brasil não tenha protagonismo entre os países com programas espaciais, houve empreitadas bem sucedidas.
Duas foram destacadas ao Terra: a parceria com a China que colocou no ar os satélites Cbers e o satélite geoestacionário lançado em conjunto com a França.
O mais recente lançamento com a China foi do Cbers-4. O equipamento é utilizado para fazer imagens do planeta. Sua próxima versão, o Cbers-04A, tem a decolagem prevista para o primeiro semestre deste ano.
A principal função do Satélite Geoestacionário de Defesa e Comunicações Estratégicas é levar banda-larga para locais remotos do Brasil. Problemas na Justiça atrapalharam a cobertura prometida, mas o satélite está no ar e funcionando.
O equipamento foi comprado da França, com transferência de tecnologia. Espera-se que tenha 18 anos de vida útil.
Nenhum deles, porém, foi lançado de Alcântara. Os Cbers partem de solo chinês. O geoestacionário saiu da base de Kouru, na Guiana Francesa, em 2017.