Após trocas, qual o peso dos militares na gestão Bolsonaro?

30 abr 2020 - 08h00

Nem a crise sanitária e econômica gerada pela pandemia mundial do novo coronavírus parece conseguir amenizar as brigas internas do governo de Jair Bolsonaro. A saída de dois dos seus principais ministros (Luiz Henrique Mandetta, da Saúde, e Sergio Moro, da Justiça e Segurança Pública) em pouco mais de uma semana expõe o presidente a uma vulnerabilidade que pede cautela e negociações para retomar o controle da situação.

Augusto Heleno é o militar mais próximo de Bolsonaro
Augusto Heleno é o militar mais próximo de Bolsonaro
Foto: Reuters

Em 15 meses de mandato, Bolsonaro já provou que não poupa os que contrariarem suas convicções. Além dos exemplos recentes, outros cinco nomes completam a lista de ministros que já foram trocados. Mesmo assim, uma categoria se sobressai entre as turbulências no Planalto e chama a atenção por ainda ser presente em mais de um terço dos cargos ministeriais: os militares, que controlam 8 das 22 duas pastas do governo.

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Atualmente, os membros das Forças Armadas no poder são o general Walter Souza Braga Netto (Casa Civil), general da reserva Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional), o tenente-coronel da reserva Marcos Pontes (Ciência e Tecnologia), o almirante Bento Costa Lima (Minas e Energia), o general da reserva Fernando Azevedo e Silva (Defesa), o general Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo), o capitão da reserva Wagner Rosário (Controladoria-Geral da União) e capitão da reserva Tarcísio Freitas (Infraestrutura). 

Sem contar os cargos que não levam o status de ministro mas também compõem o Planalto, como o novo número dois da Saúde, o general Eduardo Pazuello, seu vice, o general Hamilton Mourão, e até mesmo o próprio Bolsonaro, que é capitão reformado.

A escalação coloca Bolsonaro no pódio dos presidentes com mais militares no governo, ultrapassando, inclusive, três dos cinco presidentes da ditadura militar: Emílio Garrastazu Médici, Ernesto Geisel e João Figueiredo. Ele ainda empata com Costa e Silva, que tinha sete nomes das Forças Armadas ao seu lado, e só fica atrás de Castelo Branco, que nomeou doze militares para as pastas.

“A ampliação do papel dos militares é clara. É o maior exemplo disso é o ministério da Casa Civil”, afirma o doutor em ciência política e pesquisador da Fundação Getúlio Vargas em São Paulo (FGV), Humberto Dantas. A pasta, considerada uma das mais cobiçadas do governo, saiu das mãos do civil Onyx Lorenzoni e passou para Braga Netto em fevereiro deste ano.

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“O governo Bolsonaro se divide em cinco frentes: a econômica, liderada por Paulo Guedes, a jurídica anticorrupção, que caiu junto com Sergio Moro, a ideológica, formada por ministros como Weintraub (Educação), Damares (Família e Direitos Humanos) e Ernesto Araújo (Relações Exteriores), a política, que tem figuras como Onyx Lorenzoni (Cidadania) e Tereza Cristina (Agricultura) e, obviamente, a dos militares”, explica.

Patente não intimida presidente

Ainda que a “militarização” do governo Bolsonaro tenha peso, não significa que o grupo esteja isento de problemas com o presidente. Considerada a ala mais rebelde do governo, os militares começaram a ter problemas com Bolsonaro logo no início do mandato, quando ele demitiu o então ministro Gustavo Bebianno. 

General Santos Cruz bateu de frente com a ala ideológica e foi demitido da chefia da Secretaria de Governo em 2019.
Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil / Estadão Conteúdo

Os filhos do presidente, que têm grande poder dentro do Planalto, também não são bem quistos pela maioria dos membros de alta patente das Forças Armadas. Desde então, aconteceram diversos desentendimentos, trocas de farpas e até algumas ameaças de desembarque. No entanto, os militares não só permanecem ao lado de Bolsonaro, como ganharam cada vez mais terreno dentro da base. Para o cientista político e professor de Relações Internacionais da Faculdade de Campinas Pedro Costa Júnior, a tendência é que isso continue.

"Bolsonaro saiu do meio militar pela porta dos fundos. Ele não era o candidato dos militares", diz. "No entanto, este é um governo militar. Perder o Bolsonaro seria perder essa proximidade com o governo", explica.

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Para o cientista político, as Forças Armadas também discordam em relação a Bolsonaro, mas de uma maneira mais discreta: "Os militares também não são indivisíveis: uma coisa é o general Santos Cruz, outra é o Mourão e outra é o Heleno", pondera

Carlos Alberto dos Santos Cruz foi demitido do governo após críticas à ala ideológica, em especial ao filósofo Olavo de Carvalho, considerado guru da família Bolsonaro. O vice-presidente Hamilton Mourão ganhou fama de "moderado" e "parcimonioso" pela opinião pública por discordar publicamente das posições mais radicais de Bolsonaro em diversas ocasiões, enquanto o chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Augusto Heleno, é conhecido por ser um dos únicos que consegue ser ouvido pelo presidente.

“Não são homogêneos. Eles perdem quando afrontam, mas hoje ocupam a Casa Civil e lideram o plano de recuperação econômica (Pró-Brasil), que não conta com presença de Paulo Guedes. Os militares são muito fortes dentro do governo”, complementa Humberto Dantas.

Militares também precisam de Bolsonaro

Longe de estarem blindados, a manutenção da “militarização” do Planalto é estratégica, segundo Costa Júnior, que vê o presidente cada vez mais solitário e com uma base aliada bastante enfraquecida. Sem apoio, continuar com as Forças Armadas no poder também ajuda Bolsonaro a manter a fidelidade. "A ideia é cada vez mais ele aparelhar os ministérios com militares".

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Com o distanciamento de antigos aliados, o presidente ensaia uma aproximação com parlamentares do grupo conhecido como "centrão", que já teria pedidos ministérios em troca de uma trégua com o executivo. "O governo deve inventar uma narrativa para justificar esse movimento e os apoiadores incondicionais não vão se importar", opina.

Com fama de "moderado", Mourão é sombra para Bolsonaro
Foto: Reuters

Do ponto de vista militar, ter Bolsonaro na presidência também é vantajoso. Afinal, desde o mandato de Costa e Silva, que durou de 1967 a 1969, a ala não tinha tanto poder. "Para eles [militares] não é interessante que Bolsonaro caia, pois hoje eles são o governo. Eles nunca tiveram tantos cargos e nunca ganharam tão bem", analisa o cientista político. "Bolsonaro é a condição pra eles estarem lá", afirma.

Além disso, o especialista vê o vice Mourão como uma figura sem carisma para assumir e sustentar o governo. Para Costa Júnior, a entrada do general seria semelhante a de Michel Temer. “Assumiria o poder, mas sem chance de reeleição".

"Bolsonaro tem uma militância permanente. Conversa com os evangélicos pentecostais, policiais militares de baixa patente, caminhoneiros. Mourão não dialoga com essa gente. Bolsonaro é um populista", pondera o professor da Facamp, que acredita que o capitão reformado ainda dialoga melhor que qualquer membro das Forças Armadas e garante alto poder de voto.

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Humberto Dantas, por sua vez, reitera o outro lado da moeda: “Os militares hoje são a ala mais equilibrada do governo. Guedes é afoito e desafia o Congresso com frequência, a ala política é o retrato do ‘toma-lá-dá-cá’ que Bolsonaro tanto critica. Os ideológicos são os mais desequilibrados e o Moro, mesmo quando ainda estava no governo, não passava de um troféu do presidente”, analisa.

“Além disso, o vice é um militar que ameaça Bolsonaro. E as Forças Armadas sabem jogar com isso. Existe um medo na cabeça dos brasileiros, e não é toa, quando se fala dos militares no poder. No entanto, os agentes de alta patente do exército ainda são vistos com prestígio por boa parte da sociedade”, conclui Dantas, que ainda destaca a boa formação acadêmica dos militares em altos cargos do governo.

Truculência de Bolsonaro foge do militarismo

Apesar de prometer um governo técnico e autonomia aos ministros, Bolsonaro chamou atenção ao dizer, em seus discursos após as saídas de Moro e Mandetta, que os ministros que não concordassem com ele estariam “fora”.

A necessidade de controle e o apreço excessivo pela hierarquização, parecem, em princípio, uma herança do militarismo, no entanto, Dantas rechaça a possibilidade. “Bolsonaro foi colocado na reserva quando era capitão, praticamente expulso das Forças Armadas. Ele nunca liderou nada na vida. Um parlamentar não lidera, ele é um agente de convicção, e Bolsonaro levou isso aos extremos”, explica o especialista.

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“Bolsonaro governa com cabeça de parlamentar. Ele é uma metralhadora de impulsos. O presidente tem que ser uma figura equilibrada. Eu não acredito que isso venha do exército. O militar é, por definição, uma pessoa disciplinada e o Bolsonaro é um sujeito indisciplinado, que não sabe o que é ser presidente”, arremata.

Fonte: Redação Terra
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