Apreender celular de Bolsonaro seria "afronta", diz ministro

Fernando Azevedo e Silva reforçou discurso de Augusto Heleno

24 mai 2020 - 16h55
(atualizado às 17h03)

O ministro da Defesa, general Fernando Azevedo e Silva, disse ao Estadão estar "extremamente preocupado" com a tensão entre os Poderes. "A simples ilação de o presidente da República ter de entregar o seu celular é uma afronta à segurança institucional", afirmou ele.

Ministro da Defesa, Fernando Azevedo e Silva
04/11/2019
REUTERS/Adriano Machado
Ministro da Defesa, Fernando Azevedo e Silva 04/11/2019 REUTERS/Adriano Machado
Foto: Reuters

Azevedo reforçou as críticas feitas por seu colega de governo, general Augusto Heleno, que, na sexta-feira, 22, considerou "inconcebível" uma medida nesse sentido. Em texto intitulado "Nota à Nação Brasileira", Heleno chegou a dizer que, se o celular do presidente Jair Bolsonaro for apreendido, a medida "poderá ter consequências imprevisíveis para a estabilidade nacional".

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A nova crise ocorreu porque, na última sexta, o ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), solicitou uma manifestação da Procuradoria Geral da República (PGR) sobre pedido de partidos da oposição para que o celular de Bolsonaro seja apreendido no âmbito do inquérito que investiga se ele tentou interferir na Polícia Federal para livrar sua família e amigos de investigações.

Mello explicou, em nota, que apenas consultou a PGR, sem ainda tomar uma decisão a respeito. A simples consulta, no entanto, foi considerada pelo ministro da Defesa como "inconcebível". O Supremo tem tomado várias iniciativas de contrapeso a decisões do governo Bolsonaro. Já impediu, por exemplo, a nomeação de um delegado para o comando da Polícia Federal. O presidente, por outro lado, tem participado de atos com agenda antidemocrática, nos quais seus apoiadores pedem o fechamento da Corte e do Congresso.

Como revelou o Estadão, a nota do general Heleno recebeu o apoio do ministro Azevedo antes da publicação. Ele afirmou ter concordado com o teor do comunicado, fortemente criticado no meio político, que enxergou ali uma ameaça ao Judiciário. Segundo o ministro da Defesa, era importante que o general Heleno se pronunciasse por considerar que o telefone celular do presidente é um instrumento de trabalho, que contém, inclusive, informações de Estado. Para Azevedo, "preservar a segurança institucional do presidente da República é uma das atribuições do GSI". Trata-se da sigla do Gabinete de Segurança Institucional, comandado por Heleno.

Generais com cargos no governo, ouvidos pelo Estadão, reforçaram, nos bastidores, o que Bolsonaro já disse em público: o presidente não irá entregar o seu celular, mesmo que isso signifique uma desobediência a uma ordem judicial, uma quebra institucional com "consequências imprevisíveis", como Heleno destacou na nota. Argumentaram que "ordens ou decisões absurdas não se cumprem", uma máxima que impera nos quartéis.

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Para interlocutores diretos de Bolsonaro, uma ordem de apreensão do seu celular "extrapola" a competência do Supremo e será tratada como abuso de autoridade, com quebra de harmonia e independência entre os Poderes. O artigo 2° da Constituição Federal trata justamente dessa relação ao dizer que "são Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário".

Apesar da resposta dura à iniciativa de Celso de Mello, decano do STF, a avaliação no Palácio do Planalto é a de que o magistrado não chegará ao ponto de comprar briga com o governo. Na avaliação de bolsonaristas, o desgaste político já foi feito e faz parte de um suposto esforço conjunto, de vários segmentos políticos, para tentar destituir Bolsonaro da Presidência.

Transtornado. Num primeiro momento, a consulta de Celso de Mello à PGR sobre a apreensão do celular de Bolsonaro causou "indignação" generalizada entre os ministros e assessores palacianos. A temperatura baixou quando se soube que o decano do Supremo não havia se manifestado quanto ao mérito do pedido da oposição. Logo depois, porém, voltou a subir porque, nas palavras de um interlocutor do Planalto, Bolsonaro estava "transtornado" e não se conformava com o que era considerada mais uma provocação do Supremo, que precisava de uma resposta.

O presidente e seus aliados também criticaram muito a divulgação do vídeo da reunião ministerial do dia 22 de abril, que, segundo eles, exibia a tarja de "sigilosa". Todos reiteraram que aquele era um encontro de ministros, reservado, no qual se falava espontaneamente, e acabou tornado público como se fosse uma reunião do governo Lula combinando o criminoso mensalão.

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Neste domingo, 24, Bolsonaro postou nas redes sociais um trecho da lei de abuso de autoridade, que considera crime "divulgar gravação ou trecho de gravação sem relação com a prova que se pretenda produzir, expondo a intimidade ou a vida privada ou ferindo a honra e a imagem do investigado ou acusado". A pena é de detenção de um a quatro anos.

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