Quando assumir a cadeira no Supremo Tribunal Federal - que, durante 17 anos, foi ocupada por Ricardo Lewandowski - , a partir do início de agosto, o advogado Cristiano Zanin vai herdar um acervo enxuto, mas com processos e inquéritos de repercussão nacional e grande apelo político.
Além das ações em que Lewandowski já havia deixado seu posicionamento - como o processo sobre a Lei das Estatais - Zanin vai conduzir investigações sobre parlamentares sob suspeita de peculato, analisar representações que envolvem o ex-presidente Jair Bolsonaro e, ainda, dar seu parecer sobre a colheita de provas em investigações - agora não como defensor da causa, mas como magistrado.
O indicado do presidente Lula ao STF, por exemplo, vai ser o relator de uma ação delicada que versa sobre mandados de busca e apreensão no Senado - Casa que aprovou seu nome com folga para a Corte máxima.
Ele também dará seu parecer sobre a validade de provas colhidas durante apuração de irregularidades em doações eleitorais, com base em convênio entre a Receita e o Tribunal Superior Eleitoral, sem autorização prévia do Judiciário.
O futuro ministro do STF ficará responsável por inquéritos que citam parlamentares. Ainda, será relator de ações que tratam desde temas ambientais até questões de caráter eleitoral e criminal.
Nos julgamentos em que Lewandowski já se manifestou, Zanin não vai votar. É o caso do julgamento da Lei das Estatais e do que trata das sobras eleitorais para preenchimento de vagas no Legislativo.
Segundo o painel Corte aberta, do Supremo Tribunal Federal, Zanin vai assumir um acervo de 525 processos - mais de 200 estão com diligências pendentes.
Conheça ações e inquéritos que ficarão sob alçada de Zanin
Representação de advogado contra Arthur Lira
Representação do advogado Fábio de Oliveira Ribeiro contra o presidente da Câmara por suposta ‘omissão’ na crise dos yanomami.
O advogado acionou o STF no dia 12 de fevereiro alegando que ‘se Lira tivesse iniciado um dos processos de impeachment do ex-presidente Jair Bolsonaro teria interrompido a matança de indígenas’.
Queixa-crime de Arthur Virgílio contra Jair Bolsonaro
Queixa-crime impetrada pelo ex-prefeito de Manaus, Arthur Virgílio, que atribui a Bolsonaro difamação e injúria. Virgílio se insurgiu contra uma declaração do ex-presidente na reunião de 22 de abril de 2020, tornada pública no bojo do inquérito sobre suposta tentativa de interferência política de Bolsonaro na Polícia Federal.
À época, o então chefe do Executivo se referiu a Virgílio como ‘um bosta’, afirmando que ele estava ‘aproveitando o clima da pandemia para levar o terror ao Brasil’.
Em outubro de 2021, a PGR defendeu que o STF informasse à Câmara o pedido de investigação sob argumento de que a instauração de processo penal por crime comum contra presidente da República só pode se dar após aval do Parlamento.
Representação contra Bolsonaro por ‘vamos fuzilar a petralhada’
Representação da coligação PT, PCdoB e PROS na eleição de 2018 contra o então candidato Bolsonaro por suposta incitação ao crime e ameaça. A coligação acionou o Supremo em razão do episódio em que Bolsonaro, em setembro de 2018, em Rio Branco, simulou uma arma com um tripé de câmera de vídeo e afirmou: ‘Vamos fuzilar a petralhada toda aqui do Acre’.
O caso foi recebido como notícia-crime no STF, seguindo parecer da Procuradoria-Geral. Após Bolsonaro assumir a Presidência, o ministro Ricardo Lewandowski determinou a suspensão do caso, em razão da imunidade temporária do chefe do Executivo - que não pode ser processado por fatos anteriores ao mandato, enquanto estiver no posto mais alto da República.
Com o término do mandato, a PGR voltou a se pronunciar sobre o caso e defendeu que o Supremo é incompetente para analisar a representação. A vice-procuradora-geral da República Lindôra Araújo alega que o ex-presidente perdeu o foro por prerrogativa de função e argumenta que o caso deve ser analisado pelo Tribunal Regional Eleitoral do Acre.
Compartilhamento de dados fiscais para investigação de doações eleitorais
Recursos em que o Supremo vai analisar se é constitucional o compartilhamento, com o Ministério Público Eleitoral, para apuração de irregularidades em doações eleitorais, dos dados fiscais de pessoas e empresas obtidos com base em convênio entre a Receita e o Tribunal Superior Eleitoral, sem autorização prévia do Judiciário.
Os processos foram impetrados pela Procuradoria-Geral. Ela questiona decisão do Tribunal Superior Eleitoral que considerou nulas provas obtidas a partir da parceria entre o Fisco e o próprio TSE, sem autorização judicial.
O Supremo reconheceu a repercussão geral do tema - ou seja, a decisão da Corte vai valer para casos semelhantes em todo o País.
Recurso do MPF contra rejeição de denúncia de assassinato nos anos de chumbo com base na Lei da Anistia
Recurso impetrado pelo MPF em São Paulo contra decisão do Tribunal Regional Federal da 3.ª Região no caso do assassinato do operário Manoel Fiel Filho, em janeiro de 1976, auge da ditadura militar (1964/1985).
No caso Fiel Filho - morto nas dependências do Doi-Codi menos de três meses depois do assassinato do jornalista Wladimir Herzog -, a Procuradoria denunciou sete por homicídio triplamente qualificado e falsidade ideológica.
Os investigados foram denunciados por torturarem e falsificarem o laudo necroscópico e outros documentos relacionados à morte de Fiel Filho.
Em primeiro grau, a denúncia foi rejeitada, sob alegação de que os crimes foram cobertos pela anistia, de agosto de 1979. A Procuradoria recorreu ao TRF-3, mas a Corte confirmou a decisão de primeiro grau. O MPF, então, foi ao STJ e, depois, ao STF para tentar reverter o entendimento e fazer com que a Justiça analise o teor da denúncia.
Em agosto de 2021, a Procuradoria-Geral da República defendeu que o pedido do MPF em primeiro grau seja acolhido, argumentando que é incompatível com a Constituição ‘a tolerância institucional aos atos atentatórios aos direitos humanos’.
Para a Procuradoria, a decisão do TRF-3 impediu o trâmite da ação penal e a punição de graves crimes - se mantida, ‘convalidada estará a permissão para violação de direitos humanos sem que disto resulte qualquer consequência, quiçá punição’.
’Ideologia de Gênero’ no Ministério da Mulher
Ação da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação e da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde sobre manual do Ministério da Mulher, então sob gestão da hoje senadora Damares Alves.
O processo questiona um documento da pasta que teria classificado ‘ideologia de gênero’ como violência institucional, servindo como ‘base para denúncias contra grupos específicos e professores que tratam da temática em sala de aula’.
Na ocasião, o Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos alegou nos autos que o manual questionado passava por ‘constante’ atualização e que já havia discussões sobre a alteração pleiteada. A Procuradoria defendeu a rejeição da ação.
Buscas no Congresso Nacional
Ação impetrada pelo Senado em outubro de 2016 questionando decisões da 10.ª Vara Criminal e do 1.º Juizado Especial Federal Criminal do DF que ordenou buscas na Casa Legislativa. Os despachos questionados abriram a Operação Métis, que resultou na prisão de quatro policiais legislativos acusados de tentar obstruir a Operação Lava Jato. O Senado pediu a anulação das provas obtidas na ofensiva - ponto que foi remetido para análise do ministro Teori Zavaski, então relator da Lava Jato no STF.
No gabinete de Lewandowski seguiu tramitando um outro pedido da Casa Legislativa para que o Supremo determine que ‘eventual decisão judicial ou diligência policial a ser cumprida no Congresso somente seja executada depois de ratificada’ pela Corte máxima. Em janeiro de 2021, o Senado abasteceu o pedido, citando a operação que a PF fez no gabinete do então senador José Serra (PSDB), em julho de 2020.
A Casa pediu para que ‘toda e qualquer ordem de busca e apreensão’ a ser cumprida no Congresso seja analisada pelo STF. Em março do mesmo ano, o procurador-geral da República Augusto Aras defendeu que o Supremo acolha parcialmente pedido do Senado, para que, quando a Polícia for cumprir diligências nas dependências do Congresso e elas ‘possam afetar ou restringir o exercício do mandato parlamentar - buscas em gabinetes parlamentares ou imóveis funcionais - a ordem seja emitida pelo Supremo Tribunal Federal.
Inquérito contra o deputado Danrlei de Deus (PSD-RS) por peculato
Aberto em dezembro de 2019, o inquérito mira Danrlei por suposto peculato - apropriação de salário de pessoas lotadas em seu gabinete. A investigação está sob sigilo no STF. Atualmente, Danrlei é secretário do Esporte e Lazer do Rio Grande do Sul.
No dia 1º de março último, Lewandowski estendeu o inquérito por mais 60 dias. Até Zanin tomar posse, a ministra Cármen Lúcia é a responsável pela condução da investigação.
Quando Cristiano Zanin assumir a cadeira na Corte máxima, ficará com a relatoria da apuração.
Denúncia que atribui peculato à ex-deputada Iracema Portella (PP-PI), ex de Ciro Nogueira
Apresentada pelo Ministério Público Federal, a denúncia atribui a Iracema Portella Nunes Nogueira Lima - ex-mulher do senador Ciro Nogueira - e ao ex-deputado distrital Christianno Nogueira Araújo suposto peculato-desvio e associação criminosa.
A acusação atinge outros dois investigados. O processo está em sigilo. A última movimentação se deu em novembro de 2022.