As milícias americanas que atuam na fronteira com o México

8 jun 2019 - 11h29
(atualizado às 11h57)
Grupo de vigilantes civis armados na fronteira não gosta de ser chamado de milícia
Grupo de vigilantes civis armados na fronteira não gosta de ser chamado de milícia
Foto: DW / Deutsche Welle

Quando o sol se põe, atrás das colinas no final da cerca fronteiriça de Sunland Park, no Novo México, o dia começa para eles. Com camiseta de camuflagem bege, Jim Benvie se encosta a uma picape preta com vidros escurecidos, giroflex laranja e fuzil de assalto no banco do passageiro.

Ao volante está "Chin", que na realidade tem outro nome e esconde o rosto sob uma máscara. Apenas seu olhar severo pode ser visto. Sua AR-15 é semiautomática, tem 30 balas no cartucho e, graças às leis de porte aberto de armas no estado do Novo México, pode ser exibida abertamente por qualquer um. São homens como Chin e Benvie os primeiros a ver muitos migrantes quando eles pisam em solo americano.

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Porque aqui, no final da cerca, eles são os autoproclamados guardas da fronteira. A milícia armada, com cerca de 30 membros ativos, faz patrulha, prende migrantes e os entrega à polícia fronteiriça - eles se autodenominam Guardian Patriots (patriotas guardiões).

Chin, ele próprio filho de um imigrante ilegal do México, agora quer garantir que os novos migrantes permaneçam do lado de fora. "No final, o contribuinte americano tem que pagar pelos migrantes", diz ele. O que ele fala é algo ouvido frequentemente dos integrantes da milícia: "Por que eles deveriam receber tudo de graça, se não recebemos nada de presente na vida?"

O grupo inclui veteranos do Exército. Alguns, como Jim Benvie, estão desempregados. Chin e seu colega Ghost trabalham como ajudantes em uma fábrica de móveis. "Concierge" afirma ser um advogado aposentado, mas também diz ter desempenhado "todos os tipos de outros empregos".

A milícia é financiada por doações de uma comunidade online que recebe diariamente vídeos ao vivo da fronteira fornecidos por Jim Benvie, trazendo "a verdade que a mídia fake news nunca vai mostrar", segundo ele.

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"Coiotes" desempenham um papel nessa "verdade". É assim que são chamados os traficantes de pessoas que levam migrantes, prostitutas e drogas para os EUA e que já teriam atirado pedras nos membros da milícia. "Aqui é perigoso", diz Benvie, afirmando que eles precisam de suas armas apenas para dissuasão e autodefesa contra "coiotes" e membros de gangues do Cartel de Juárez, no México, do outro lado da cerca.

Milhares de migrantes

"A guarda de fronteira precisa de nós", diz Benvie, o único do grupo que usa seu nome verdadeiro, mostra seu rosto e fala algo que até os oficiais de patrulha de fronteira dos EUA não negam: por causa da grande quantidade de migrantes, não há forças operacionais suficientes para monitorar a fronteira completa e permanentemente.

Só em abril, mais de 100 mil pessoas sem documentos cruzaram a fronteira do México para os Estados Unidos. Jim Benvie coloca da seguinte forma: "A fronteira está aberta", diz ele. "Para os imigrantes, é como um cheque em branco", avalia, acrescentando ser esse o motivo pelo qual seu grupo está em atividade.

Além disso, também pelo fato de o muro naquela localidade terminar no meio do nada: cinco metros e meio de altura, é uma barreira difícil de superar, mas é possível simplesmente dar a volta nele. Para muitos migrantes, esse é um lugar conhecido para se cruzar a fronteira sem documentos válidos - e isso ocorre várias vezes ao dia.

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Durante a reunião de coordenação da milícia, um grupo de jovens passa sem impedimentos pelo final da cerca, entrando em solo americano. Os homens de Benvie chamam a patrulha de fronteira. Eles não querem deter os migrantes enquanto os repórteres estão na área. "É frustrante", diz Benvie. "Só podemos assistir. Se intervirmos, somos os maus."

Uma das milícias mais notórias do país

Os Guardian Patriots querem ser um grupo inofensivo de vigilantes, dizem ser voluntários e não gostam de ser chamados de milícia. Mas organizações de direitos humanos e o prefeito de Sunland Park veem isso de forma diferente.

Até algumas semanas atrás, os homens pertenciam aos United Constitutional Patriots, uma das milícias mais notórias dos Estados Unidos. Eles tinham instalado sua sede em uma propriedade da Union Pacific Railroad, chamada Camp Liberty, perto da fronteira - ali, por onde o presidente americano, Donald Trump, alega que passam todos os dias assassinos, estupradores e outros criminosos rumo aos Estados Unidos.

Em algum momento, no entanto, os problemas e acusações contra o grupo começaram a se acumular. Centenas de migrantes teriam sido capturados pelos homens e ficado sob a mira de suas armas de fogo. Grandes jornais do país reportaram sobre o assunto, como o New York Times e o Washington Post.

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Em seguida, um membro do grupo teria sugerido mandar os migrantes para "câmaras de gás", para acabar de uma vez por todas com a "invasão". A American Civil Liberties Union (ACLU) está investigando o caso, e a promotoria pública do Novo México condenou as ações do grupo publicamente, mas até agora ninguém foi processado.

O prefeito de Sunland Park, o democrata Javier Perea, ele próprio membro de uma família de imigrantes, diz que não há provas e que isso dificulta uma ação legal contra a milícia armada. Porque carregar um fuzil de assalto junto ao corpo é legal no Novo México, contanto que a pessoa não o aponte para outros e não prenda ninguém contra a vontade.

Mas a milícia chama cada vez mais a atenção das autoridades. Em abril, a polícia esvaziou o Camp Liberty e prendeu o líder Larry Hopkins por posse ilegal de armas após buscas na casa dele. Por ter ficha na polícia, Hopkins é proibido de possuir armas.

Em seguida, os homens em torno de Jim Benvie decidiram recomeçar. Há algumas semanas, parte da milícia decidiu se chamar de Guardian Patriots e tenta se distanciar de seu passado de viés marcial. Os métodos, no entanto, permanecem os mesmos.

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Entidades alertam contra patrulhamento

Organizações de defesa dos direitos humanos, como a Border Network for Human Rights (rede fronteiriça para os direitos humanos) de El Paso, estão chocadas com a atuação das milícias. "Especialmente famílias passam através da fronteira, fugindo da violência de gangues e que se entregam voluntariamente aos guardas de fronteira", diz o presidente da ONG, Fernando García. "Por que precisamos de civis armados?"

A guarda de fronteira dos EUA também se distancia publicamente de milícias na região e alertou, em um comunicado, contra as "consequências para a segurança pública" quando "civis armados querem fazer justiça pelas próprias mãos". Em Sunland Park, no entanto, também é possível ver que os policiais recebem as informações dos Guardian Patriots e cooperam com eles, pelo menos não oficialmente.

A milícia se move numa zona legalmente cinzenta: vídeos na internet provam que seus integrantes forçam, com fuzil na mão, migrantes a ficar de joelhos e os levam sob custódia. "Tudo legal", diz Jim Benvie. "Pedimos aos migrantes que se sentem e esperem pela guarda de fronteira." Diante dos policiais, o grupo então se porta principalmente como de voluntários em roupas civis.

E enquanto o muro de Donald Trump não estiver terminado, segundo Benvie, eles continuarão a vigiar a fronteira. Suas armas, entretanto, eles deixam ultimamente dentro do carro. Se necessário, no entanto, eles saberiam como "se defender".

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