O senador e ex-pré-candidato à presidência dos EUA Bernie Sanders disse à BBC News Brasil que o governo de Jair Bolsonaro é responsável por ataques contra comunidades indígenas e quilombolas.
"As comunidades afrodescendentes e indígenas do Brasil estão sob ataque implacável sob o governo do presidente Bolsonaro. Meus colegas e eu pedimos que o Congresso se levante e insista que os dólares dos contribuintes dos EUA não sejam usados para apoiar os esforços do governo Bolsonaro para deslocar, reprimir e ameaçar ainda mais o modo de vida dessas comunidades" disse Sanders com exclusividade à BBC News Brasil.
Uma carta divulgada nesta quarta-feira (07/09) por quatro políticos do partido democrata, incluindo o senador, pede que o governo americano não participe de projetos que coloquem comunidades quilombolas brasileiras sob risco de "ataques racistas e desapropriações".
O pano de fundo é a discussão do orçamento anual destinado pelos EUA à Defesa e os planos de Donald Trump para investir de parte desse dinheiro em pesquisas e lançamentos de satélites do Centro de Lançamento de Alcântara, no Maranhão.
O texto, assinado por Sanders e pelos deputados Deb Haaland, Joaquin Castro e Hank Johnson (GA-04), diz que "em nenhuma hipótese do dinheiro dos pagadores de impostos dos EUA deve ser usado para desapropriar forçadamente comunidades indígenas e quilombolas centenárias".
Eles pedem que uma emenda seja aprovada garantindo que os EUA não financiem projetos que podem resultar em ameaças a estas comunidades no ano que vem.
O governo Bolsonaro afirma que o acordo de Alcântara estimulará o desenvolvimento do Programa Espacial Brasileiro e poderá gerar investimentos de até R$ 1,5 bilhão na economia nacional.
Famílias sob risco de remoção
Após longas negociações, os presidentes Bolsonaro e Trump assinaram no início de 2019 um Acordo de Proteção de Tecnologia que prevê o uso pelos EUA da base de Alcântara.
O governo brasileiro diz que pretende "tornar o Centro Espacial de Alcântara, no Maranhão, competitivo mundialmente e um grande atrativo de recursos para o Brasil no setor espacial".
Em 27 de março, já em meio à pandemia do novo coronavírus, uma resolução federal publicada no Diário Oficial da União ordenou "providenciar, por meio do Comando da Aeronáutica, a execução das mudanças das famílias realocadas, a partir do local onde hoje residem e até o local de suas novas habitações, incluindo o transporte de pessoas e semoventes [animais domésticos]".
Centenas de famílias poderiam ser removidas do local onde vivem há mais de um século com a medida.
Em maio de 2020, no entanto, uma decisão liminar da Justiça Federal proibiu a remoção de famílias quilombolas da região até que se realizem consultas abertas às comunidades afetadas.
Disputa
O centro foi inaugurado pela Força Aérea Brasileira (FAB) em 1983, mas nunca foi usado para lançamentos de satélites.
Próxima à linha do Equador, a base interessa aos americanos porque, graças a sua localização, permitiria economia de até 30% no combustível usado nos lançamentos.
Lideranças locais dizem que no município existem mais de 200 comunidades quilombolas, agrupadas em três territórios.
Estas áreas ainda não tiveram os processos de titulação finalizados.
O centro de lançamentos fica dentro de um dos territórios pleiteados, uma área equivalente a 78 mil campos de futebol e que abriga 108 comunidades.
Dessas, pelo menos 40 teriam de ser despejadas caso a ampliação do centro estudada desde os anos 2000 seja levada a cabo, segundo disse à BBC News Brasil na época da assinatura Servulo Borges, militante do movimento quilombola de Alcântara.
"Por mais de 300 anos, africanos que foram escravizados e seus descendentes vivem em Comunidades quilombolas em Alcântara, no Brasil. Os afro-brasileiros que vivem nestes locais vivem em terras comunais e se engajar na agricultura, pesca, caça e extração comunais", diz o texto assinado pelos políticos americanos.
A emenda proposta ao orçamento de Defesa dos EUA proibiria que o país colabore com o Brasil para "realocar involuntariamente as comunidades indígenas ou quilombolas no Brasil."
A emenda já foi aprovada em primeira instância em uma comissão do equivalente à câmara dos Deputados nos EUA. Agora segue para o Senado.
Se for aprovada novamente, passará por novas votações nas duas casas.