Na Casa Branca, líderes do Brasil e dos EUA se unem contra ameaças à democracia nos dois países e avançam nas conversações sobre parceria para combater mudanças climáticas.O presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi recebido nesta sexta-feira (10/02) pelo presidente americano, Joe Biden, na Casa Branca, em Washington.
Os dois líderes unificaram o discurso em defesa da democracia e conversaram sobre uma nova parceria para proteger o meio ambiente e combater as mudanças climáticas.
Lula sugeriu a Biden a criação de um mecanismo de governança global para impor aos países as medidas essenciais em defesa do clima.
"Se não tiver uma governança global forte e que tome decisões que todos os países sejam obrigados a cumprir, não vai dar certo", disse o petista.
"Não sei qual é o fórum, não sei se na ONU, não sei se é no G20, não sei se é no G8, mas alguma coisa temos que fazer para obrigar os países, o nosso Congresso, os nossos empresários a acatar decisões que tomamos em nível global. Se não acontecer, nossa discussão na questão climática ficará prejudicada."
Biden disse a Lula que vê o Brasil como um "parceiro natural para enfrentar os desafios atuais, globais e especialmente a mudança climática".
O brasileiro criticou seu antecessor no cargo pela má gestão na área do meio ambiente, em especial na Amazônia, que, segundo afirmou, foi "invadida pela irracionalidade política e humana".
"Tivemos um presidente que mandava desmatar, mandava garimpeiros entrar em áreas indígenas, mandava garimpar nas florestas que demarcávamos como reserva na Amazônia", disse Lula, sem citar diretamente o nome do ex-presidente Jair Bolsonaro.
Fundo Amazônia
Antes da visita de Lula, havia a expectativa de que o governo americano anunciasse sua adesão ao Fundo Amazônia, a iniciativa criada pela Noruega e Alemanha para financiar a proteção do bioma amazônico. No governo Bolsonaro, os dois países europeus suspenderam os pagamentos ao Brasil em razão do descaso das autoridades para com a preservação da floresta.
Ao ser perguntado pelos repórteres sobre a possível participação dos EUA, Lula disse esperar que isso ocorra, mas que não conversou com Biden especificamente sobre a iniciativa. "Eu discuti a necessidade de os países ricos assumirem a responsabilidade de financiarem todos os países que têm florestas", disse Lula. "Agora, o que eu posso dizer é que eles vão participar do Fundo Amazônia", concluiu.
Os Estados Unidos pretendem fazer uma doação inicial de 50 milhões de dólares ao fundo, declarou um diplomata brasileiro, sob anonimato, à agência de notícias Reuters.
Na comitiva de Lula na Casa Branca estavam os ministros Fernando Haddad (Fazenda), Marina Silva (Meio Ambiente), Mauro Vieira (Relações Exteriores) e Anielle Franco (Igualdade Racial), além do assessor especial Celso Amorim e do secretário Marcio Elias Rosa.
Do lado americano estavam presentes o secretário de Estado, Antony Blinken, do Tesouro, Janet Yellen, além do enviado especial para o clima, John Kerry, e do conselheiro de Segurança Nacional, Jake Sullivan.
Lideranças do Partido Democrata
Horas antes, Lula se reuniu com o senador democrata americano Bernie Sanders na Blair House, residência próxima à Casa Branca reservada para chefes de Estado em visita a Washington.
Sanders, um dos principais líderes da esquerda americana, acompanhou de perto as eleições presidenciais brasileiras. No ano passado, o Senado aprovou uma resolução de autoria dele que instava a Casa Branca a romper relações diplomáticas com o Brasil em caso de golpe de Estado.
O senador alertou para o que chamou de "ameaça massiva de extremistas da direita que tentam minar a democracia". Ele disse que conversou com Lula sobre a "necessidade de fortalecer os fundamentos democráticos não apenas no Brasil ou nos EUA, mas em todo o mundo".
Lula também recebeu um grupo de parlamentares do Partido Democrata que incluía os progressistas Alexandra Ocasio-Cortez, Pramila Jayapal, Sheila Jackson Lee, Brad Sherman e Ro Khanna.
Os democratas nos EUA observam atentamente as questões em torno da preservação da democracia no Brasil, principalmente após os ataques de 6 de janeiro de 2021, quando apoiadores do ex-presidente Donald Trump invadiram e depredaram a sede do Congresso americano.
As semelhanças entre a invasão do Capitólio em Washington e os atos golpistas que culminaram nos ataques às sedes dos Três Poderes em Brasília geraram novos alarmes entre os progressistas americanos.
Na última quarta-feira, os deputados David Cicilline, Gregory Meeks e Joaquin Castro, todos do Partido Democrata, propuseram uma resolução na Câmara dos Representantes para condenar os ataques golpistas no Brasil e pedir às autoridades americanas que colaborem para responsabilizar pessoas vinculadas a esses atos que estiverem nos EUA.
Na semana passada, o Senado aprovou outra resolução apresentara pelo presidente da Comissão de Relações Exteriores, Bob Menendez, que pede que o Departamento de Justiça dos EUA responsabilize "quaisquer atores baseados na Flórida que possam ter financiado ou apoiado os crimes violentos".
Em 11 de janeiro, um grupo de congressistas pediu a abertura de uma investigação do FBI sobre os apoiadores dos atos golpistas em solo americano.
Lula também recebeu na Blair House representantes da maior entidade sindical dos EUA, a Federação Americana do Trabalho e Congresso de Organizações Industriais (AFL-CIO).
Cópia fiel de Trump
Nesta sexta, em Washington, Lula concedeu uma entrevista para a jornalista britânico-iraniana Christiane Amanpour, da CNN, onde falou sobre as semelhanças entre o golpismo de direita nos EUA e no Brasil e lançou críticas ao seu antecessor no cargo.
Lula disse que Bolsonaro seria uma cópia fiel de Trump, uma vez que, segundo afirmou, ambos "não gostam de sindicatos, não gostam do setor empresarial, não gostam de trabalhadores, não gostam de mulheres, não gostam de negros".
Lula afirmou que não há chances de Bolsonaro voltar à Presidência da República. Ele, porém, descartou conversar com Biden sobre uma possível extradição de Bolsonaro e disse que isso vai depender da Justiça brasileira. "Eu quero para ele a presunção de inocência que eu não tive", disse Lula, em referência aos processos judiciais que resultaram na sua prisão, em 2018.
O presidente declarou que as eleições em várias partes do mundo deixam clara a ameaça da extrema direita, e citou como exemplos os casos recentes na Alemanha, na França e também nos Estados Unidos.
"Aqui também há uma divisão, muito mais ou tão séria quanto a do Brasil; democratas e republicanos estão muito divididos. 'Ame ou deixe-o': é mais ou menos isso que está acontecendo", disse Lula.
"Nunca poderíamos imaginar que num país que era o símbolo da democracia no mundo alguém pudesse tentar invadir o Capitólio", disse Lula sobre os atos golpistas que tentaram impedir a derrota de Trump para Biden nas eleições americanas.
rc/as (ots)