Presidente boliviano, que chegou ao poder em 2006, busca ficar até 2025 no cargo. Seu partido deve sofrer perdas relevantes, mas, a julgar pelas pesquisas, dúvida é se ele vencerá no primeiro ou no segundo turno.A Bolívia elegerá neste domingo (20/10) um novo presidente para a legislatura 2020-2025. O atual mandatário, Evo Morales, no poder desde 2006, busca uma nova reeleição. A oposição, dividida, concentra seus esforços para conseguir levar o pleito ao segundo turno.
A campanha eleitoral foi marcada por bate-bocas em torno das pesquisas de opinião pública, por setores da oposição contestando a candidatura de Morales, e o governo se apresenta como o único capaz de manter a estabilidade econômica.
As pesquisas preveem uma disputa acirrada, mas todas concordam que Morales ficará em primeiro lugar. A questão é se ele sairá vitorioso já no primeiro turno. Conforme estabelecido pela Constituição boliviana, a condição para tal é, ou ele ultrapassar os 50% dos votos, ou obter mais de 40%, com uma diferença de dez pontos percentuais para o segundo colocado.
Na opinião de Iván Velásquez, economista e coordenador da Fundação Konrad Adenauer na Bolívia, durante a campanha eleitoral "debateu-se mais sobre pesquisas do que sobre programas". Ele diz que, enquanto o partido governista Movimento para o Socialismo (MAS) enfatizou sua gestão econômica bem-sucedida nesses 13 anos, "a oposição não apresentou uma proposta sólida de programa que pudesse contrabalancear". Sua fraqueza foi "não poderem mostrar à população que são uma opção diferente".
O slogan da campanha do MAS é estabilidade e prosperidade econômica. O próprio Morales ressaltou, ao vencer as eleições em 2005, que a instabilidade reinava não apenas na Bolívia, mas em outros países da região, como Equador e Argentina. Ao chegar ao poder, suas prioridades foram a estatização dos derivados de petróleo e a elaboração de uma nova Constituição. O fato de um indígena e "cocalero" (cultivador de coca) assumir a presidência e levar adiante ambas as medidas deu forma ao que o partido no poder chamou de "Revolução Democrática Cultural".
Foram tempos difíceis, em que nenhum projeto prevalecia sobre outro. "Empate catastrófico", denominou o vice-presidente Álvaro García Linera o período de 2006 a 2009. O presidente boliviano não podia pousar em algumas áreas do país, havia constantes atos de violência e até focos de rebelião armada.
Após arrumar a política, chegou a vez da economia e administração. Hoje, o governo mostra índices notáveis: queda da pobreza e da pobreza extrema (de 38% para menos de 15%), queda dos índices de desigualdade, crescimento sustentado mais que quadruplicado do Produto Interno Bruto (PIB), controle da inflação e bolivianização das poupanças.
Após três reeleições, a população boliviana foi questionada num referendo em 2016 se concordava em modificar a Constituição da Bolívia para permitir a reeleição indefinida. Morales perdeu, mas a Justiça permitiu sua candidatura e hoje ele tem sérias chances de continuar no comando do país.
No entanto, para o cientista político e professor da Universidade Católica de La Paz, Marcelo Arequipa, a ideia de que hoje Morales é apresentado como a única garantia de estabilidade também incorpora certos riscos.
"É uma mensagem que se baseia numa lógica tecnocrática do gerenciamento do poder e que não é a força simbólica de Morales. Ao apresentá-lo desta forma, não se explora o que Morales simboliza, mas o que uma boa administração pública pode significar. Serve para a conjuntura, mas não para algo de fôlego longo."
Caso as pesquisas de opinião não estejam equivocadas, e tendo em mente os 49% dos votos obtidos pelo governo em 2016, pode-se esperar um apoio ao MAS entre 40% e 45%. Nesse caso, permaneceria de longe a principal força do país.
Mas há um fator-chave para se pensar no futuro: em 2005, Morales obteve quase 54%, no referendo revocatório de 2008 recebeu 67%, nas eleições presidenciais de 2009 foram 64% e na de 2014 foram 63%. Estes percentuais também lhe deram o controle de dois terços do congresso, cenário que dificilmente se repetirá após a eleição deste domingo.
Dificuldades
Há várias explicações para o desgaste do partido no poder. Por um lado, a simples passagem do tempo. E a derrota no referendo de 2016 e, mais recentemente, nos momentos finais da campanha eleitoral, acontecimentos como os incêndios na Chiquitania, também contribuíram em parte para a deterioração da imagem do partido governista.
"Dizem que foi incendiada uma área do tamanho do departamento de Cochabamba", relata Iván Velásquez. Setores da opinião pública responsabilizaram o governo por endossar indiretamente estes incêndios com uma série de medidas de expansão da fronteira agrícola e pecuária.
"Sempre há capinagem e queimadas a partir de agosto, mas neste período deste ano houve mais. Cana-de-açúcar para etanol, pastagem para o gado ou soja para biodiesel - e há quem diga que também para a folha de coca", analisa o economista. No entanto, nas pesquisas, o dano eleitoral desses fatos parece marginal.
Hoje existem várias frentes que questionam o Executivo boliviano, por vezes com violência. Recentemente, houve tumultos nas cidades de Santa Cruz de la Sierra e Potosí, no âmbito do atos de campanha de Morales. Porém, as demandas de cada região são diversas e não estão relacionadas.
"A fratura histórica regional é antiga. Não se trata de ignorar Morales, mas de uma luta para ver quem governa as elites dessas regiões", explica o professor Marcelo Arequipa, em relação às tensões existentes na próspera Santa Cruz. "Em Potosí foi diferente, porque os protestos são oriundos de problemas do comitê cívico com o governo", acrescenta Velásquez. "As divergências têm a ver com promessas quebradas por privilégios, conflitos de mineração com cooperativos e sobre o lítio."
Arequipa, no entanto, tem focado não tanto no primeiro ou segundo candidato (Morales e Carlos Mesa, da Frente Revolucionária de Esquerda), mas no terceiro e quarto (o senador Óscar Ortiz, candidato da Aliança Bolívia Diz Não, e o pastor evangélico de origem coreana com um discurso de ultradireita Chi Hyun Chung).
"Parece que quem vai liderar o projeto pós-hegemônico do MAS será alguém claramente identificado com a direita", prognostica Arequipa. "A esquerda está presa ao tabu de pensar na sucessão de Morales."
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