Bolsonaro diz que "poderia comprar votos, mas não pretende"

Em entrevista, presidente afirma que a esquerda "não tem futuro no Brasil num curto espaço de tempo"

29 out 2019 - 14h41
(atualizado às 14h54)
Presidente Jair Bolsonaro visita a Arábia Saudita
Presidente Jair Bolsonaro visita a Arábia Saudita
Foto: José Dias / Presidência da República / Estadão Conteúdo

Acusado por integrantes do PSL de "comprar votos" na Câmara para tornar o filho Eduardo Bolsonaro (SP) líder da bancada, o presidente Jair Bolsonaro afirmou ter uma "caneta Bic poderosíssima", mas não pretende usá-la em benefício próprio ou da família. "Temos ministérios, estatais, diretorias de banco. Se eu quisesse, poderia usar isso aí para comprar alguns apoios. Mas não pretendemos fazer isso. Não estamos fazendo", disse o presidente em entrevista exclusiva ao Estadão/Broadcast

O presidente alegou que a briga no PSL não é por dinheiro, mas para saber para onde estão indo os recursos públicos destinados à legenda. "Quero ter um partido onde eu tenha as ações, não é para mexer com Fundo Partidário", argumentou. Bolsonaro afirmou, ainda, não ver uma eventual saída do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) da prisão como fortalecimento da oposição ao seu governo. "A esquerda, no meu entendimento, não tem futuro no Brasil num curto espaço de tempo."

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O sr. disse que pode criar um novo partido. O sr. continua aberto a tudo em relação ao PSL?

Sim. Sou paraquedista e quando sai do avião tem que ter um paraquedas reserva se algo der errado. Temos que estar sempre preocupados com possíveis surpresas, ainda mais no meio que eu vivo. Se na política eu não me preocupar com fatos que possam mudar a vida das pessoas, você não é um político, você é um aventureiro. Quero ter um partido onde eu tenha as ações, não é para mexer com Fundo Partidário. Eu tenho a (caneta) Bic que tem um poder enorme. Temos ministérios, estatais, diretorias de banco. Se eu quisesse, poderia usar isso aí para comprar alguns apoios. Mas não pretendemos fazer isso. Não estamos fazendo. A briga (com o PSL), da minha parte, não é por dinheiro do fundo, minha caneta é poderosíssima. Eu quero é transparência.

Além das questões internas do PSL, o sr. acha que falta um partido de direita forte no Brasil?

Nunca teve partido de direita no Brasil. O único de direita que tinha dentro da Câmara e se expressava abertamente desde 1991 era eu. Não tinha mais ninguém. Com a minha onda apareceu mais um monte de gente se dizendo de direita. Eles não sabem o que é ser de direita. Precisam ter humildade para entender e ouvir pessoas mais velhas, que há mais tempo labutam nessa área. Já a esquerda está muito bem estruturada, a gente não vê a esquerda brigando entre si. A esquerda está até preocupada porque não está trabalhando, eles não têm que fazer oposição. A oposição é feita do lado de cá. Isso tem que deixar de existir.

E como está a situação no PSL?

Como as coisas estão indo, eu estou tentando serenar os ânimos, se eu sair do partido ele se acaba, não vai mais ter sucesso. O PSL vai se pulverizar. E numa futura janela muita gente vai sair se o partido continuar dessa maneira. A gente quer mostrar para eles, alguns são ávidos por cargos, eu passei 20 anos no Congresso e não tive cargo no governo.

Qual é o problema no partido?

Eu sonho com um partido transparente. A palavra chave é essa. Se alguns radicais que estão contra mim mostrarem as contas não tem problema nenhum. Simplesmente volta a conviver numa boa. Se bem que o problema da nossa bancada é que é muito jovem e está na cabeça do jovem, às vezes, se transformar em uma pessoa famosa. Lá alguns acham que podem mudar o mundo de uma hora para a outra por ter sido eleito deputado com muitos votos, e alguns sem a consciência de que grande parte daqueles votos foi em função de uma pessoa que estava naquele momento disputando a Presidência.

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A possibilidade de o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva sair da prisão pode fortalecer a esquerda?

Não. A esquerda no Brasil está perante a opinião pública bastante desgastada. Afinal, a corrupção foi praticada de forma ampla, geral e irrestrita. Isso foi descoberto, têm muitas pessoas presas e outras respondendo a processos. A esquerda, no meu entendimento, não tem futuro no Brasil num curto espaço de tempo. Mas o que a gente precisa fazer, tenho conversado, é ter um sistema de votação onde se possa fazer uma auditoria e onde o voto do João ou da Maria, uma vez colocado na urna ou de forma eletrônica, ele possa, além de ser auditado, garantir para aquele eleitor que foi contado para aquele candidato seu.

Aquela ideia da cédula de papel?

Por aí. Até em 2018 teríamos 5% das urnas com voto impresso. O ministro (do Supremo Tribunal Federal, Luiz) Fux estava trabalhando nessa área. Conversei com ele algumas vezes, um trabalho excepcional. Vamos tentar para 2022, que seja, auditar aí ou termos voto impresso em pelo menos metade das sessões no Brasil.

E o sr. será candidato?

Talvez. Depende. A vida é sacrificante, não vai pensar que eu estou felicíssimo. Nada sobe à minha cabeça, não tenho orgulho. De vez em quando a Presidência parece um sonho, em outras horas um pesadelo. A família você tem que tomar muito cuidado para não ficar para trás. Estou com saudades enormes da minha família e da minha esposa. Gostaria que elas pudessem ter me acompanhado, mas a gente sabe que aí eu não poderia me dedicar completamente ao serviço.

Ontem teve uma publicação do sr. dos leões e hienas, que seriam o STF e a imprensa. A conta do sr. é administrada pelo seu filho, o Carlos?

O vídeo não é meu, esse vídeo apareceu, foi dada uma olhada e ninguém percebeu com atenção que tinham alguns símbolos que apareciam por frações de segundos. Depois percebemos que estávamos sendo injustos, retiramos e falei que o foco (nas redes sociais) são as nossas viagens. Me desculpo publicamente ao STF, a quem por ventura ficou ofendido. Foi uma injustiça, sim, corrigimos e vamos publicar uma matéria que leva para esse lado das desculpas. Erramos e haverá retratação.

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E as publicações são feitas pelo Carlos?

Não, não se pode culpar o Carlos. A responsabilidade final é minha. O Carlos foi um dos grandes responsáveis pela minha eleição e é comum qualquer coisa errada em mídias sociais culpá-lo diretamente. A responsabilidade é minha, tem mais gente que tem a senha e não sei por que passou desapercebido essa matéria aí.

É que recentemente ele até pediu desculpas por uma publicação na sua conta sobre prisão em segunda instância e reforçou a impressão de que ele é o responsável pelas postagens...

Não. Aquela de segunda instância foi uma posição dele. E o que tenho falado com ele, meus outros filhos, assessores e ministros é que as decisões do Supremo nós não emitiremos juízo de valor, bem como o que está sendo votado lá. É uma posição minha porque (opinião) contra ou a favor qualquer outro Poder dificulta a nossa governabilidade. Não queremos problemas e o País é democrático, os Poderes são independentes e têm que ter liberdade para continuar trabalhando dessa maneira.

O sr. tem adotado alguns discursos mais moderados. É uma nova fase?

É uma diferença. Você como parlamentar é estilingue o tempo todo. Do lado de cá, já fui muito injustiçado por alguns poucos parlamentares, em especial do meu partido, isso é triste, mas a gente mata no peito, segura e em alguns casos tenta fazer contato para esclarecer. Em outros casos sabemos que há má-fé. Logicamente a gente muda, erra, corrige, pede desculpas e segue o caminho.

Além da economia, a pauta do conservadorismo também ajuda a garantir sustentação ao governo?

Vem dando certa estabilidade. Continuo frequentando igrejas evangélicas, algumas católicas também, e não é só evangélico e católico que pensa em conservadorismo. Muitos ateus, inclusive, que querem que sua família seja preservada. Isso não há dúvida que nos dá sustentação. Por outro lado, através do conservadorismo você consegue ordem e progresso, por meio da disciplina. Nenhum pai quer que o seu filho se desvirtue. Todo pai quer que o seu filho jogue bola, seja engenheiro ou jornalista, que seja uma pessoa perfeitamente ajustada. E, por muitas vezes, a gente não vê isso no Brasil, até por conta de algumas poucas universidades onde a formação que existe não é de bons profissionais, mas apenas de militantes. É isso que também estamos tentando mudar, mas não é fácil.

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Mudar como?

É uma coisa que vem errada desde muito tempo, até durante o período militar, onde o regime não ficou muito preocupado nessa questão da educação. Deixou a faculdade com a sua total autonomia. E você sabe, quando se tem total autonomia em algum lugar, acontecem exageros e grupos políticos se aproveitaram para fazer de algumas universidades seu laboratório para formar militantes. Erramos aí. Pode ver que das 200 melhores universidades no mundo não tem nenhuma brasileira.

O ministro da Educação, Abraham Weintraub, quer mudar a forma de contratação e outras questões nas universidades...

Não são todos, mas uma minoria dos professores trabalha oito horas por semana e tem o salário do teto. Isso não é justo com a maior parte que trabalha no mínimo 40 horas por semana e tem salário bem menor. Esses privilégios que a gente tem que atacar para fazer uma instrução de verdade nas universidades.

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