Analistas ouvidos pelo Estado avaliaram nesta terça-feira, 30, que as declarações polêmicas do presidente Jair Bolsonaro nos últimos dias têm como objetivo mobilizar o "eleitor fiel" do presidente da República, estimado em pouco mais de um terço do eleitorado nas últimas pesquisas. Segundo eles, a estratégia alimenta a polarização do sistema político e da sociedade, mas pode provocar consequências como o desgaste perante outros segmentos da população e dificultar a governabilidade.
Para o professor Fernando Schüler, do Insper, o presidente tem o diagnóstico de que o Brasil é hoje uma democracia polarizada e tem um sistema político radicalizado, onde há pouco espaço para consensos. Segundo ele, é uma leitura coerente com a trajetória política de Bolsonaro, que apostou na estratégia de tensão e assim chegou à Presidência.
"Quando analisamos a estratégia política, temos que pensar na alternativa. Qual seria? Se colocar como um político moderado e distante das polêmicas? Isso teria consequências e contradiz o perfil pessoal e o histórico dele. A personalidade não é uma coisa menor na política e ela afeta as escolhas", afirma.
Schüler questiona se seria interessante trocar a base segura que apoia o presidente por um suporte político de base genérico e incerto, localizado mais ao centro do espectro político. "Vale a pena desmobilizar a base, um terço do eleitorado, e passar a representar o figurino de um estadista moderado que não é exatamente o estilo que ele sabe de fazer política?", afirma, ressaltando que se trata de um jogo de risco pois pode comprometer a governabilidade.
'Cortina de fumaça'
Na avaliação do professor de filosofia da Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP) Luiz Bueno, quando o presidente faz comentários polêmicos consegue tirar o foco de problemas do governo. "São declarações de alguma maneira "diversionistas". Elas capturam atenção do público e desviam de algo mais grave", sugere. Também diz que o presidente pode ganhar mais fidelidade de seu eleitorado. "É possível que esse grupo leal permaneça até mais leal".
Na mesma linha, o cientista político e professor emérito da Universidade de Brasília, David Fleischer, entende que o presidente ganha pontos com sua base quando faz declarações polêmicas e consegue usar a estratégia de chamar atenção para outros aspectos do governo. "Às vezes pode servir como uma cortina de fumaça para distrair".
O que perde?
Para Fleischer, no entanto, a estratégia "cria mais problemas do que resolve". "Nem sempre são assuntos muito importantes para um presidente se importar. Ele é uma pessoa extremamente impulsiva e isso diminui seu raio de atuação, ele está alienando muita gente com essas ações".
Para Luiz Bueno, da FAAP, o presidente pode perder apoio de pessoas que não integram o grupo de "adesão automática" ao bolsonarismo, deixar de angariar apoios no Congresso Nacional e pode prejudicar sua imagem.
"Tenho a impressão de que se perde muito mais do que se ganha com esse estilo. Parece que o presidente entende que vai agradar todo o eleitorado com esse comportamento, mas na verdade não. Uma grande parte do eleitorado dele não era bolsonarista, era antipetista. O grupo que ele atende com essas declarações não é o que vai elegê-lo novamente, já vemos o apoio diminuindo".
O professor pondera, no entanto, que notícias de caráter positivo no plano econômico como a reforma da previdência e o acordo Mercosul-União Europeia, mantêm certa condescendência com essas declarações.
Fernando Schüler, do Insper, vai na mesma direção: para ele, até existe certo desconforto com o estilo presidencial, mas há um forte apoio à sua agenda econômica. "A mim parece que ele governa com duas mãos: em uma, a guerra cultural, muito forte na internet, e a outra são as pautas econômicas".
Consequências
Para o cientista político e professor da FGV Marco Antonio Carvalho Teixeira, com esse estilo o presidente pode começar a perder apoio de importantes aliados, como o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), que se posicionou contra a declaração do presidente sobre a morte de Fernando Santa Cruz, pai do presidente da OAB, Felipe Santa Cruz.
"Bolsonaro começa a perder confiança de vários segmentos, estão sobrando apenas os fanáticos fundamentalistas que veem no presidente o modelo da sociedade que imaginaram", diz o cientista político.