Mais novo alvo de ataques do presidente Jair Bolsonaro, o vice-presidente da Câmara, Marcelo Ramos (PL-AM), disse que a Casa precisa demarcar uma linha clara sobre a qual Bolsonaro não pode avançar. "Se não fizermos isso, Bolsonaro vai avançar e marchar sobre a democracia", afirmou o deputado, em entrevista exclusiva ao Estadão/Broadcast.
Ramos está analisando o superpedido de impeachment contra Bolsonaro, reunindo diversos partidos de oposição e de centro, e afirmou que uma leitura preliminar indica haver indícios de crime de responsabilidade, em razão da ameaça que o presidente fez ao processo eleitoral, caso o voto impresso não seja aprovado pelo Congresso.
Número dois na Câmara, Ramos não descarta dar andamento a um pedido para afastar Bolsonaro, se assumir o comando da Casa. Admite, porém, que isso só ocorreria na ausência do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). Ao Estadão/Broadcast, o deputado afirmou ter conversado com Lira no domingo sobre as acusações que Bolsonaro fez a ele na condução da votação do Orçamento. Ao pedido de apoio, Lira respondeu com silêncio.
"Hoje sou eu, ontem foi Joice Hasselmann (PSL-SP), anteontem foi Alexandre Frota (PSDB-SP) e, recentemente, foi a Luisa Canziani (PTB-PR). Se não reagirmos, amanhã será Arthur Lira e a Câmara dos Deputados inteira", disse Ramos.
A seguir, os principais trechos da entrevista:
O senhor é a favor do impeachment de Bolsonaro? Se tiver a oportunidade de assumir de forma temporária a presidência da Câmara, dará início ao processo?
Recebi hoje, nesta madrugada, o superpedido. Vou ler, analisar os fundamentos jurídicos e avaliar se está presente o crime de responsabilidade. Se eu estiver no exercício provisório da presidência da Câmara, no caso de afastamento por algum motivo do presidente Arthur Lira, essa é uma análise que eu vou fazer quando essa situação se der. Uma coisa é dizer se sou a favor ou contra. Outra é a minha avaliação se, enquanto no exercício da presidência, posso ou não tomar essa decisão. Existem indícios. Ameaçar não fazer eleição me parece um indício. Ameaçar a ordem democrática ao participar de atos que pedem o fechamento do Congresso e do Supremo Tribunal Federal (STF) é algo que precisa de uma análise mais profunda.
Como o senhor avalia a capacidade de Bolsonaro governar?
Ramos - O presidente é absolutamente inepto e não tem a menor condição de governar o País. Se você perguntar ao presidente Bolsonaro qual a solução que ele pensa para enfrentar o problema de 18 milhões de desempregados, ele não vai saber responder. Se você perguntar o que ele está pensando para enfrentar o fato de que existem 19 milhões de brasileiros com fome, ele não vai saber o que vai fazer. Se você perguntar o que ele está pensando para melhorar a imagem do Brasil no mundo por conta dos retrocessos ambientais, ele não vai dizer. Se perguntar o que tem que ser feito para o Brasil ter uma política industrial para que o País volte a crescer, ele não vai saber o que dizer. Mas no Brasil não existe impeachment por incompetência, não existe recall. Se existisse, ele já estaria fora do cargo há muito tempo.
Bolsonaro culpou o senhor pela aprovação do fundão eleitoral turbinado de R$ 5,7 bilhões. Houve alguma tentativa do governo de impedir essa aprovação?
O acordo para incluir os R$ 5,7 bilhões para o fundo no Orçamento foi costurado numa reunião de líderes da base dele (Bolsonaro), na casa do presidente da Câmara (Arthur Lira), aliado dele, sob coordenação dos líderes do governo no Congresso e na Câmara. Então, se não fosse o governo Bolsonaro, não existiria fundão. Na votação do destaque do partido Novo, para derrubar o valor do fundo, ainda que tenha sido uma votação simbólica, sem o voto individual de cada deputado, teve a orientação partidária. E só quem encaminhou a favor do destaque e contra o fundo foram Novo, PSOL, Cidadania, Podemos e Rede. Os partidos da base do presidente Bolsonaro e o líder do governo Bolsonaro (Ricardo Barros, do Progressistas-PR) não se manifestaram a favor do destaque. E, quem não é a favor, é contra.
Depois de fazer essas declarações sobre o impeachment, há risco de Lira não deixar mais o senhor assumir a cadeira da presidência da Câmara?
É um direito dele. Quem foi eleito presidente foi ele, e eu só assumo em substituição. Agora, se Lira sair, não pode colocar outro no lugar que não seja eu.
A base do governo deve se manter forte no segundo semestre na Câmara?
Eu acho que Bolsonaro está tensionando demais com sua própria base. Essa questão do voto impresso é uma coisa que o colocou de um lado e a base, de outro. Bolsonaro não está marchando sobre o Marcelo Ramos; está marchando sobre a Câmara dos Deputados. Resta saber se, nessa marcha, ele vai encontrar quem mude de lado e vá para o lado dele, quem simplesmente abra caminho para ele passar e quem se entrincheire em defesa da Câmara e da democracia. Eu não sei se terá outro, mas eu sei que eu estarei entrincheirado em defesa da Câmara e da democracia.
De alguma forma essa guerra que Bolsonaro está abrindo com o senhor pode levar outros deputados da base ou de seu partido, o PL, a fazer oposição ao governo?
Não posso falar pelo meu partido, mas o que posso dizer é que tenho a solidariedade do meu partido. Não exijo sacrifício dos outros por decisões ou problemas meus. Então, o partido vai saber a hora de decidir isso. Agora, eu quero repetir que o que algumas pessoas não perceberam é que eu sou a vítima da vez e que o bote dele é contra todos.
Por que Bolsonaro abriu guerra contra os deputados?
Porque o sonho de Bolsonaro é não precisar tratar com o Parlamento. O sonho dele é desmoralizar o Parlamento. Como ele não conseguiu nas primeiras investidas, logo que assumiu o mandato, haja visto que o Parlamento se reafirmou enquanto poder, fez um pacto: 'Olha, o dinheiro fica aí, vocês passam a controlar o Orçamento e eu aprovo tudo'. É esse pacto que está valendo hoje. Só que esse pacto esvaziou completamente o governo dele. Todo o dinheiro de investimento do País está no Parlamento.
E agora o presidente está tentando desfazer esse pacto?
Não. Eu acho que o sonho de Bolsonaro é ter as duas coisas: ter o dinheiro de volta para o controle dele e subjugar a Câmara. Só que uma Câmara subjugada não tem força para lutar para manter o Orçamento, e é por isso que a Câmara não pode se subjugar. O inverso é verdadeiro. Uma Câmara altiva, forte e que reafirme sua independência é capaz de mostrar para o presidente e para o Brasil que ela é capaz de dirigir parte do Orçamento. Isso é democrático e republicano. Mas o inverso não é verdadeiro. Uma Câmara fraca, fragilizada, afrontada, sem reagir, não é capaz de manter o controle sobre os recursos.
O senhor acha que Lira e o ex-presidente da Câmara Rodrigo Maia (sem partido-RJ) erraram ao sentar nos pedidos de impeachment? Mesmo com perfis diferentes, nenhum deles tocou os processos para frente.
Acho que o ambiente político na gestão do presidente Rodrigo Maia era outro. Não tinha mobilização popular como tem hoje. Não tinha uma grande maioria do povo brasileiro a favor do impeachment, como tem hoje. Ainda não tínhamos 530 mil mortos, não tinha a clara tentativa de roubo na compra de vacinas. Não dá para dizer que erraram. E não dá para dizer que Arthur Lira está errado. Ele está sendo prudente. Ele é o presidente da Câmara, é aliado do presidente da República. Então, ele é mais prudente na análise do que seria um presidente de oposição ou um independente. Ele está exercendo essa prudência. Não cabe a mim julgar ninguém.
O senhor já conversou com Arthur Lira sobre os ataques de Bolsonaro?
Sim. Liguei para Lira no domingo porque fiquei assustado com a reação do presidente Bolsonaro. Naquele dia, na quinta feira (dia da votação da LDO no Congresso), eu fiquei das 11 horas até 1h30 da madrugada sentado na cadeira de presidente para aprovar algo que era fundamental para o governo. Um negócio com o qual eu não tinha nada a ver. Eu não participei da reunião de líderes, não participei da Comissão Mista de Orçamento (CMO), não tinha interesse nenhum nessa emenda. Não tinha nada a ver com aquilo. Fui lá pelo meu espírito republicano. O presidente do Congresso, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), me pediu para presidir e para mim é motivo de orgulho dirigir o Congresso do meu País. Eu sou o primeiro amazonense da história a sentar ali na cadeira onde sentou Ulysses Guimarães. Isso é simbólico para mim e eu tenho orgulho disso. Eu fui lá movido por esse orgulho, por esse desejo de servir o País para tratar de uma pauta dele. Passei o dia inteiro cuidando disso, ajudando o governo. O líder do governo no Congresso, senador Eduardo Gomes (MDB-TO), foi para a tribuna elogiar a minha condução dos trabalhos. Aí, no outro dia, fui surpreendido com aquela declaração do presidente (Bolsonaro). Eu liguei para Lira e pedi a ele que desse uma declaração. Eu não queria que ele comprasse briga por mim, mas eu achava que ele tinha que dizer que eu não tinha me afastado nem um milímetro do regimento e nem um milímetro do que havia sido acordado pelos líderes, sob a coordenação do governo.
Lira deu alguma declaração?
Não. Não deu uma palavra sobre o episódio ainda.
Bolsonaro tem chance de ser reeleito?
Essa é uma decisão que não cabe a mim, mas ao povo brasileiro. Hoje a situação dele é muito difícil, mas a eleição não é hoje. Tudo indica que haverá uma clara guinada para o populismo fiscal, que o governo vai aumentar o Bolsa Família e que vai gastar mais do que tem.
Por que o senhor se tornou o alvo de Bolsonaro dessa vez?
Bolsonaro precisa sempre ter um inimigo. Ele não sabe governar e não pode permitir que as pessoas conversem com ele sobre os problemas do País. A melhor forma de impedir isso é criar uma crise a toda hora. Hoje sou eu, ontem foi Joice Hasselmann (PSL-SP), anteontem foi Alexandre Frota (PSDB-SP) e, recentemente, foi a Luisa Canziani (PTB-PR). Se não reagirmos, amanhã será Arthur Lira e a Câmara dos Deputados inteira. Bolsonaro não respeita ninguém nem respeita a instituição da Câmara. A hora de reagir é agora. A Câmara precisa demarcar uma linha no chão de até onde ele pode ir. Precisa colocar um cercadinho para mostrar até onde ele pode ir e dali ele não pode passar.