Brasília - A aprovação na Câmara do projeto que endurece punição a juízes e procuradores por abuso de autoridade provocou, nesta quinta-feira, 15, uma reação de deputados, entidades de classe e até do ministro da Justiça, Sérgio Moro, que pressionam o presidente Jair Bolsonaro a vetar trechos do texto. A medida é vista como uma reação do mundo político à Operação Lava Jato, pois dá margem para criminalizar condutas que têm sido praticadas em investigações no País.
O Estado apurou que integrantes do governo avaliam modificações em dez artigos do texto que passou pelo Congresso. Em dois pontos, os parlamentares da bancada da bala já receberam a sinalização que pode haver vetos. Entre eles, está o item que pune autoridades que iniciem investigação sem justa causa fundamentada ou que usem algemas de forma inadequada.
Outro trecho que deve ser alterado pelo Palácio do Planalto é o artigo 14, que prevê detenção de seis meses a dois anos para quem fotografar ou filmar preso, investigado ou vítima sem seu consentimento com o intuito de constranger a pessoa. Para parlamentares, o texto abre brecha para criminalizar o agente público que permitir que um preso seja fotografado. "Temos de garantir que o policial tenha segurança na hora de cumprir o seu dever", disse o deputado Capitão Augusto (PL-SP), coordenador da bancada da bala.
Ao ser questionado sobre o assunto nesta quinta-feira, 15, Bolsonaro disse que ainda vai analisar possíveis vetos, mas defendeu a necessidade de se punir abusos. "Existe abuso, somos seres humanos. Logicamente, não se pode cercear os trabalhos das instituições, mas a pessoa tem de ter responsabilidade quando faz algo e fazer baseado na lei", afirmou.
"Eu sou réu por apologia ao estupro. Alguém me viu dizendo que tinha que estuprar alguém no Brasil?", questionou. Em 2015, o presidente foi condenado por ter afirmado, quando ainda era deputado federal, que a deputada Maria do Rosário (PT-RS) não merecia ser estuprada porque a considerava "muito feia" e não fazia o "tipo" dele. A condenação foi mantida pelo Supremo Tribunal Federal em 2017. Em fevereiro deste ano, o ministro Marco Aurélio Mello determinou que Bolsonaro pague a indenização de R$ 10 mil à deputada.
Um grupo de 20 parlamentares de ao menos quatro partidos - PP, DEM, PRB e Solidariedade - têm encontro marcado com Bolsonaro na terça-feira para tratar do assunto. O prazo para sanção do projeto é de 15 dias.
Jantar
Contrário à proposta, Moro acompanhou a votação em um jantar com parlamentares no apartamento do deputado federal João Roma (PRB-PE), conforme revelou a Coluna do Estadão.
Aos presentes, o ministro afirmou que a redação de alguns artigos deixava o texto dúbio e poderia inviabilizar o trabalho policial. O encontro contou com a presença, entre outros, do presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), e do presidente do DEM e prefeito de Salvador, ACM Neto.
Em nota divulgada nesta quinta-feira, 15, Moro disse que o projeto será "bem analisado" para verificar se a proposta não pode "prejudicar a atuação regular" da Justiça e das forças policiais e de investigação. "Ninguém é a favor de abusos, mas o projeto precisa ser bem analisado para verificar se não pode prejudicar a atuação regular de juízes, procuradores e policiais. O exame ainda será feito com o cuidado e o respeito necessários ao Congresso."
Também em notas, integrantes do Ministério Público Federal disseram ver ameaça a investigações caso a lei seja sancionada da forma como passou na Câmara. "O projeto intimida a atuação combativa dos agentes públicos, ao permitir que investigados e réus os acusem por crimes indefinidos, o que enfraquece a independência das instituições e, assim, o combate à corrupção e à criminalidade", diz texto assinado pela força-tarefa da Lava Jato em Curitiba.
Para a Frente Associativa da Magistratura e do Ministério Público, que reúne nove entidades e representa cerca de 40 mil profissionais, o texto aprovado "contém uma série de falhas e impropriedades", provocando, em última instância, "o avanço da impunidade".
'Excessos'
Parlamentares favoráveis às medidas defenderam o projeto. "A lei que pune o abuso de autoridade coíbe ação de agentes públicos que usam o cargo de acordo com suas posições pessoais, políticas ou partidárias", disse a presidente do PT, Gleisi Hoffmann (PR). Segundo o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), o objetivo da medida é evitar que agentes públicos "passem de suas responsabilidades".
Para o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, a lei de abuso representa um "remédio". "Quem exerce o poder tende a dele abusar e é por isso que precisa ter remédio desse tipo." / COLABORARAM JULIA LINDNER e MATEUS VARGAS