Sob ameaça da CPI da Covid, o presidente Jair Bolsonaro tenta se aproximar de ministros do Tribunal de Contas da União (TCU). No mesmo dia em que a CPI foi instalada, na terça-feira, 27, e senadores da oposição avisaram que pedirão informações sobre a atuação do governo na pandemia a vários órgãos de controle, Bolsonaro se reuniu com integrantes do tribunal. O encontro ocorreu depois que a área técnica do TCU apontou uma série de falhas do governo no enfrentamento da covid-19 e logo após a equipe econômica mostrar preocupação com a possibilidade de Bolsonaro ser responsabilizado por irregularidades no Orçamento deste ano.
"Salientei (no encontro com Bolsonaro) que o fundamental agora é a gente estabelecer um diálogo para recuperar a economia do País. Temos que evitar um confronto e que as instituições todas têm que se unir para defender a sociedade brasileira e combater especialmente a morte que está acontecendo", disse ao Estadão o ministro Augusto Nardes, um dos que foram recebidos com um café-da-manhã no Palácio da Alvorada.
Dos nove ministros titulares do TCU, seis participaram - três deles de forma virtual. Augusto Sherman, ministro substituto, também foi ao Alvorada. A presidente do tribunal, Ana Arraes, porém, foi uma das ausentes. Questionada sobre o motivo de ter recusado o convite, ela não deu qualquer justificativa e informou apenas que designou Nardes para representá-la.
Bolsonaro levou à reunião os ministros Marcelo Queiroga, da Saúde, e Paulo Guedes, da Economia. Os dois ministérios viraram foco de problemas para o governo e passaram a ser foco do tribunal. A pasta comandada por Guedes travou uma queda de braço com o Congresso por causa do espaço destinado às verbas parlamentares no Orçamento de 2021. Já a área chefiada por Queiroga está sob o escrutínio da CPI da Covid, que apura erros e omissões do governo no combate à pandemia.
"O governo acha que consegue vacinar no segundo semestre todos os brasileiros. O Guedes fez uma avaliação do aspecto econômico, dizendo que o Brasil está em uma posição de vantagem em relação a outros países, elencou uma série de números, que supera o Japão, supera várias nações. Mas esses números cabe ao governo fazer a sua defesa, não a mim", afirmou Nardes.
De acordo com relatos de outros participantes do evento, Bolsonaro falou superficialmente sobre o combate ao coronavírus e de vacinas e focou nas medidas econômicas do governo durante a pandemia, como o auxílio emergencial e o programa de redução de jornadas e salários em empresas privadas.
Para o presidente, é importante ter uma boa relação com o TCU porque cabe ao tribunal analisar se há irregularidades orçamentárias por parte do Executivo. Em tempos de pandemia, quando as contas do governo precisam acomodar diversos gastos emergenciais com auxílio social e ajuda às empresas, a preocupação aumenta. Foi com base em um relatório da corte de contas que apontava "pedaladas fiscais" que o Congresso determinou o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, em 2016.
Antes do café desta terça, a última reunião ampla de Bolsonaro com ministros do TCU aconteceu em agosto de 2019, ainda sob a presidência de José Múcio Monteiro, que se aposentou no ano passado. Em seu lugar, o presidente nomeou Jorge Oliveira, seu ex-ministro da Secretaria-Geral da Presidência e amigo da família.
O encontro aconteceu menos de duas semanas depois de uma tentativa mal sucedida de alterar a composição do TCU. O governo queria antecipar a aposentadoria do ministro Raimundo Carreiro e escolhê-lo para ser embaixador do Brasil em Portugal.
Carreiro é distante do Planalto e foi indicado pelo ex-presidente José Sarney (MDB-MA) e pelo senador Renan Calheiros (MDB-AL). A ideia seria diminuir a influência emedebista e nomear o senador Antonio Anastasia (PSD-MG), aliado do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG). O movimento também agradaria ao PSD de Gilberto Kassab, partido do Centrão que é aliado do governo na Câmara, mas no Senado adota uma postura independente. O suplente de Anastasia é Alexandre Silveira, presidente do PSD-MG.
A operação foi divulgada pelo senador Renan Calheiros e acabou suspensa. A senadora Kátia Abreu (Progressistas-TO), presidente da Comissão de Relações Exteriores, afirmou que barraria qualquer indicação de Carreiro para uma embaixada. "Subiu no telhado", afirmou a senadora ao Estadão sobre a ideia articulada por Bolsonaro e Pacheco.
Antes da negativa de Kátia Abreu, que preside a comissão responsável por autorizar nomeações para embaixadas, o Planalto já tinha deixado pronto o agreement, aval que permite indicação para embaixada. Por meio de suas assessorias, Pacheco e Anastasia negaram ter agido para mudar a composição do TCU. O governo federal não se manifestou.
Atritos entre o governo Bolsonaro e TCU:
Omissão de Braga Netto na pandemia
A área técnica do TCU recomendou, há duas semanas, aos membros da tribunal a abertura de um processo para averiguar a conduta do ministro da Defesa, general Braga Netto, no combate à covid-19 no período em que comandou a Casa Civil e coordenou o Comitê de Crise do governo. O documento elaborado pela área técnica, ao qual o Estadão teve acesso, aponta "graves omissões" do general. Entre elas, "não ter contribuído da forma que seria esperada para a preservação de vidas".
TCU sugere punição a Pazuello
Relator da ação sobre a conduta do Ministério da Saúde durante a crise sanitária, o ministro Benjamin Zymler disse, há duas semanas, que a pasta evitou assumir a liderança do combate ao novo coronavírus no País. Segundo o relator, uma das ações da gestão de Eduardo Pazuello foi mudar o plano de contingência do órgão na pandemia, com a finalidade de retirar responsabilidades do governo federal sobre o gerenciamento de estoques de medicamentos, insumos e testes.
Risco de 'pedalada' no Orçamento de 2021
O projeto que permitiu um acordo para destravar o Orçamento de 2021 pode elevar o risco de órgãos recorrerem a "pedaladas de fim de ano" para honrar suas obrigações e manter a máquina funcionando, segundo técnicos ouvidos pelo Estadão. Caberá ao TCU analisar a questão ao analisar as contas do governo de Bolsonaro.
Afastamento de Wajngarten
O subprocurador-geral Lucas Furtado pediu ao Tribunal de Contas da União (TCU) pediu, em julho de 2020, o afastamento de Fábio Wajngarten da chefia da Secretaria de Comunicação da Presidência (Secom). A solicitação não prosperou. Wajngarten foi demitido por Bolsonaro em março deste ano. O pedido enviado ao então presidente do TCU, José Mucio Monteiro, foi por denúncias de que a Secom vinha descumprindo determinação da Controladoria-Geral da União (CGU) e mantendo em segredo dados sobre gastos com publicidade na internet.
Propagandas do Banco do Brasil em sites de fake news
Os ministros do TCU determinaram, em maio de 2020, a suspensão imediata de qualquer veiculação de publicidade do Banco do Brasil em sites, blogs, portais e redes sociais acusados de espalhar fake news. Pela decisão, ficam excluídos da suspensão da propaganda os portais, sites, blogs e redes sociais vinculados a empresas concessionárias de serviços de radiodifusão. Também estão fora da decisão os veículos vinculados a jornais e revistas que existam há mais de dez anos.
Cortes no meio ambiente
O Ministério Público Federal junto ao Tribunal de Contas da União (MPF-TCU) enviou, na semana passada, uma representação à presidência da corte, com pedido para que seja vetado qualquer corte de orçamento destinado à área do meio ambiente. Em sua representação, o subprocurador-geral Lucas Furtado solicita ainda que a determinação seja encaminhada à Casa Civil da Presidência da República, até que o tribunal decida sobre o mérito da questão.