Pabllo Vittar, a cantora drag queen mais famosa do Brasil, está cansada. Dos voos longos de madrugada, de subir ao palco a cada três dias, das feridas causadas pelo coturno que compõe seu 'look', de chorar com ameaças de morte e ataques de ódio.
"Antes eu sofria muito, mas hoje acredito que quem me ataca queria ter a força que tenho, a garra que eu tenho para viver a minha vida do jeito que quero. Acabei aprendendo a filtrar. Hoje, leio um comentário falando 'morre, seu viado'. Antes, eu ia para o meu quarto chorar. Hoje (penso): mais um doido, mais uma pessoa sem noção jogando hate (ódio) na internet", diz em entrevista à BBC News Brasil em Londres, onde se apresentou na famosa (e lotada) casa noturna gay Heaven.
Mas ela prefere não processar ninguém. "Acredito no ditado: que falem mal, mas falem de mim. E não vou perder meu tempo processando essas pessoas porque tenho certeza que muitas delas não terão nem dinheiro pra me pagar. Então, continuem falando, me dando ibope e botando meu nome nos Trending Topics do Twitter e do Google." Ela tem 8,4 milhões de seguidores no Instagram.
Os ataques ganharam força em agosto de 2017, quando Pabllo teve seu canal no YouTube invadido por hackers. O clipe da canção K.O, que hoje tem 334,4 milhões de visualizações, foi tirado do ar e em seu lugar foi exibida uma foto do então deputado federal Jair Bolsonaro (PSL).
Hoje, ela debocha da recente declaração do agora presidente Bolsonaro, que disse que o Brasil "não pode ficar conhecido como paraíso do mundo gay".
"O atual presidente disse que não quer que o Brasil vire um paraíso gay, mas, baby, ele chegou atrasado, porque o Brasil é paraíso gay muito antes de eu nascer."
Carreira internacional
"Às vezes eu me sinto tão bonita que não quero tirar a maquiagem." Vestida com calça esportiva, camiseta, gorro e tênis, sem nada de maquiagem, a maranhense criada no Pará acabara de chegar de Dublin, onde havia se apresentado na noite anterior.
No último mês, Pabllo fez outras apresentações também esgotadas na Argentina, no Chile, no México e em Portugal. Nesse período, passou rapidamente por Los Angeles, onde posou para a capa da revista Gay Times Magazine e participou do show do produtor e DJ norte-americano Diplo em um dos principais festivais de música do mundo, o Coachella.
Em 2019, também pela primeira vez, Pabllo se apresentará nas principais paradas gay nos Estados Unidos e no Canadá. Ela estará cantando nas ruas de Nova York, São Francisco, Los Angeles, Chicago, Boston, Miami e Toronto.
Ela busca uma carreira internacional sem abandonar o português. "É uma vontade gravar em inglês e espanhol. Mas não me vejo lançando um álbum inteiro em inglês jamais."
O show em Londres seria o último antes que ela pudesse voltar para sua casa em Uberlândia (MG) e comer seu prato favorito: frango frito feito pela mãe, Veronica Rodrigues.
Falar da mãe remete, segundo a cantora, a uma fase difícil da infância, quando morava em Santa Izabel do Pará. "Eu chegava em casa, minha mãe me abraçava e dizia que eu era incrível", fala. "Eu tenho mais uma irmã que é gay. Nunca soube o que é passar preconceito familiar dentro de casa. Minha mãe sempre fez um ambiente em casa para a gente ser quem a gente é."
Assim, pouco importa se falam dela como "a" ou "o" Pabllo. "Deus te deu um corpo e livre arbítrio. Quando tô montada, quero que me chame no feminino, mas não importo com masculino ou feminino. Para mim é só um artigo, sabe? O gênero vai muito mais além disso."
Sua irmã Pollyana se mantém ao seu lado na rotina de apresentações. Em Londres, é ela que ajuda a cantora a vestir o figurino, um macacão transparente com tatuagens desenhadas, e acessórios de couro por cima. A maquiagem fica a cargo da própria artista, que cola a longa peruca loira com ajuda de esparadrapos.
Em suas músicas, prefere continuar falando de festas, paqueras, amor, em vez de aderir a canções políticas, como fez nos últimos anos uma de suas musas, Beyoncé.
"Antes da Beyoncé fazer essas músicas politizadas, ela lançou muito álbum 'farofada' (divertido, pop) para as gatas. Por enquanto, eu quero diversão. E meu ato político é estar no palco sendo drag, resistindo, sendo afeminada no país que mais mata LGBTQs no mundo. Isso é um ato político."