Menos de dois meses depois de ser declarado inelegível por abuso de poder político e uso indevido de meios de comunicação, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) viu se abrirem, nesta semana, novas crises ligadas a duas grandes investigações que o citam como figura central.
Na primeira investigação, a Polícia Federal apura um suposto "esquema", nas palavras do Supremo Tribunal Federal (STF), de venda ilegal de joias dadas como presentes ao governo brasileiro.
De acordo com o Tribunal de Contas da União (TCU), estes presentes deveriam ser encaminhados ao acervo da União, e não negociados para enriquecimento pessoal do ex-presidente ou pessoas próximas.
Na segunda investigação, a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que apura os atos de 8 de janeiro a favor de Bolsonaro debateu nos últimos dias o suposto envolvimento direto do ex-presidente em propostas de acobertamento de crimes, sabotagem de urnas e do sistema eleitoral brasileiro.
Ao longo desta semana, a situação jurídica de Bolsonaro se agravou, na avaliação de professores de Direito ouvidos pela reportagem, com novas operações judiciais, depoimentos e confissões de rivais e aliados próximos.
Para Flaviane Barros, professora de Direito Penal da PUC-Minas, "a situação do ex-presidente como investigado em termos de fatos penais teve mudança considerável" após as revelações desta semana.
Na avaliação do professor de Direito Penal da UERJ (Universidade do Estado do Rio de Janeiro) Davi Tangerino, "os elementos de prática de delito por ele (Jair Bolsonaro) vão se avolumando".
Quinta-feira: confissão, acusação e quebra de sigilo
A quinta-feira (17/8), até agora, foi o dia mais duro contra Bolsonaro.
O ex-presidente estaria prestes a ser apontado nominalmente como mandante e beneficiário da venda ilegal de jóias dadas de presente ao governo brasileiro, declarou Cezar Bittencourt, advogado do ex-ajudante de ordens e braço direito de Bolsonaro, Mauro Cid, na principal crise inaugurada nesta quinta.
Segundo Bittencourt afirmou à revista Veja, o tenente-coronel Cid vai confessar ao Supremo Tribunal Federal que entregou a Bolsonaro centenas de milhares de reais conseguidos com a suposta venda ilegal de relógios nos Estados Unidos.
O ex-presidente nega todas as acusações.
À TV Band, após a publicação da reportagem da Veja, Bolsonaro descreveu a estratégia do advogado de Cid como "camicase", afirmou que não recebeu valores em espécie de Cid e que não pediu pra que bens fosses vendidos.
Bolsonaro também disse que "Cid está preso há muito tempo e, por isso, é capaz de falar qualquer coisa pra sair da cadeia", segundo o jornalista Tulio Amansio.
Na sexta-feira, o advogado recuou e negou ter afirmado à revista que o militar confessaria algo relativo às joias. A Veja, então, respondeu publicando os áudios da entrevista e mostrando que o advogado realmente disse o que foi originalmente publicado.
À BBC News Brasil, criminalistas apontam entre os possíveis crimes de Bolsonaro no caso, se declarado culpado, peculato (pelo desvio das joias), lavagem de dinheiro (pela ocultação do proveito do crime) e descaminho (caso os bens sejam reconhedos como dele).
As declarações desta quarta indicam mudança significativa na postura de Cid, preso desde maio e até então descrito como leal ao ex-presidente.
Bittencourt, que assumiu a defesa de Cid há três dias, é o terceiro advogado do caso desde que ele foi preso, em maio, por supostas fraudes no cartão de vacinação de sua família, do ex-presidente Bolsonaro, e de pessoas ligadas a ele.
As trocas recorrentes, avaliam advogados ouvidos em anonimato pela reportagem, sugerem "dificuldade" e "conflitos de interesse" na linha de defesa do tenente-coronel, cuja carreira militar em ascensão foi duramente interrompida.
Na mesma quinta-feira, uma segunda crise estourou quando o hacker Walter Delgatti disse à CPI dos Atos Golpistas que Bolsonaro o contratou para fraudar urnas e o processo eleitoral, ofertou um indulto em caso de condenação por crimes e pediu que ele assumisse a autoria de suposto grampo contra o ministro Alexandre de Moraes.
A defesa de Bolsonaro descreveu as falas de Delgatti como falsas e desprovidas de prova em nota enviada ao Jornal Nacional. O time do ex-presidente apontou que as declarações contêm, em tese, o crime de calúnia e que adotará as medidas judiciais cabíveis.
No fim da mesma quinta-feira, dando início à terceira crise do dia, Alexandre de Moraes determinou a quebra dos sigilos bancário e fiscal do ex-presidente e da ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro, além de autorizar um pedido de cooperação internacional com autoridades do Estados Unidos.
Pelo Instagram, a primeira-dama reagiu: "Pra que quebrar meu sigilo bancário e fiscal? Bastava me pedir! Quem não deve, não teme!"
"Fica cada vez mais claro que essa perseguição política, cheia de malabarismo e inflamada pela mídia, tem como objetivo manchar o nome da minha família e tentar me fazer desistir. Não conseguirão! Estou em paz!", continuou.
Prisão preventiva improvável
As duas investigações envolvem membros do núcleo íntimo do ex-presidente, caso da ex-primeira-dama e do ex-ajudante de ordens, mas também do ex-advogado Frederick Wassef, do amigo e colega nas turmas de cadetes da Academia Militar general Mauro Cesar Lourena Cid, dos ex-ministros Bento Albuquerque e Fabio Wajngarten, além da deputada e fiel escudeira Carla Zambelli.
Todos negam ter cometido qualquer crime.
Leia mais sobre o caso das joias aqui e as declarações do hacker à CPI aqui.
"(A situação do ex-presidente) piorou bem", avalia o professor de direito penal Tangerino em entrevista à BBC News Brasil.
"Mas não a ponto de ele ser preso preventivamente a curto prazo."
Para o especialista, uma prisão preventiva "requereria algum fato contemporâneo", como coação contra testemunhas, destruição de provas ou fuga.
"Sem um desses elementos, acho pouco provável", ele diz.
A professora de direito da PUC-Minas concorda.
"Entendo que seria necessário algum elemento ou atuação para impedir obtenção de provas, como a ameaça a coautores e a testemunhas, e destruição de provas documentais e digitais", ela explica.
Domingo a quarta-feira: compra de relógio e celulares apreendidos
A semana já começou tensa para o ex-presidente por conta de uma série de episodios evolvendo seu ex-advogado, membro de seu círculo íntimo e auto-proclamado "anjo" da família Frederick Wassef.
Na madrugada de domingo (13/8), frente a especulações sobre sua participação na suposta negociação ilegal de presentes de Estado, Wassef enviou nota à imprensa afirmando que "jamais soube da existência de joias ou quaisquer outros presentes recebidos".
"Nunca vendi nenhuma joia, ofereci ou tive posse. Nunca participei de nenhuma tratativa, e nem auxiliei nenhuma venda, nem de forma direta ou indireta", prosseguiu
No texto, o aliado do ex-presidente dizia ser vítima de "campanha de fake news e mentiras de todos os tipos, além de informações contraditórias e fora de contexto".
"Jamais participei ou ajudei de qualquer forma qualquer pessoa a realizar nenhuma negociação ou venda", afirmou Wassef.
Na terça-feira (15/8), no entanto, Wassef aprofundou a crise para o ex-presidente ao convocar a imprensa e assumir ter recomprado nos Estados Unidos um relógio Rolex que havia sido dado pelo governo da Arábia Saudita ao governo brasileiro.
"Comprei o relógio, a decisão foi minha, usei meus recursos, eu tenho a origem lícita e legal dos meus recursos", afirmou.
Na entrevista, ele afirmou que o objetivo da compra era "devolvê-lo à União, ao governo federal do Brasil, à Presidência da República, e isso inclusive por decisão do Tribunal de Contas da União".
Segundo o advogado, o pedido de compra não partiu de Bolsonaro ou de Cid. Ele se recusou a informar para quem entregou o relógio.
Leia mais sobre quem é Frederick Wassef aqui.
O Rolex foi dado de presente por autoridades da Arábia Saudita em 2019, durante visita do ex-presidente ao país.
O relógio teria sido vendido ilegalmente pelo então ajudante de ordens de Bolsonaro Mauro Cid, segundo a polícia.
Depois que o Tribunal de Contas da União começou a suspeitar da venda ilícita de presentes, Wassef teria sido, segundo a investigação, escalado para viajar aos Estados Unidos para comprá-lo e trazê-lo de volta
Após devolver a joia, membros do entorno de Bolsonaro teriam dado início a uma operação para resgatar o relógio vendido nos EUA.
Segundo a PF, os investigados são suspeitos de usar a estrutura do governo "para desviar bens de alto valor patrimonial, entregues por autoridades estrangeiras em missões oficiais a representantes do Estado brasileiro, por meio da venda desses itens no exterior".
Uma nova crise começaria na noite quarta-feira, dia seguinte às declarações dadas por Wassef à imprensa.
Enquanto jantava em uma churrascaria, num shopping center de São Paulo, Wassef foi bordado por agentes do setor de inteligência da Polícia Federal encontraram Frederick Wassef
Alvo de busca pessoal autorizada pela Justiça, o braço direito do ex-presidente Jair Bolsonaro teve 4 aparelhos de celular apreendidos e o carro revistado.
Um dos celulares agora em poder da polícia seria usado, segundo o Jornal Nacional, exclusivamenete para conversas com Bolsonaro.