O Tribunal Regional Federal (TRF) determinou que seja recebida e julgada pela Justiça Federal em São Paulo a ação contra o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra e o delegado Alcides Singillo pelo crime de ocultação de cadáver do então estudante de medicina Hirohaki Torigoe, morto em 1972. A ação foi proposta pelo Ministério Público Federal (MPF).
A decisão do tribunal foi tomada na segunda e divulgada ontem. Por maioria dos votos, os desembargadores da 5ª Turma reformaram sentença da primeira instância que tinha rejeitado a denúncia sob a alegação de que o crime havia prescrito.
O MPF defendeu em sua tese que o crime de ocultação de cadáver é crime permanente e contra a humanidade sendo, portanto, imprescritível. Além disso, destacava que a Lei de Anistia não poderia beneficiar agentes do estado que cometeram crimes que envolvem graves violações aos direitos humanos. O texto dos votos dos desembargadores ainda não foi publicado.
Torigoe, então com 27 anos, foi morto no dia 5 de janeiro de 1972. O estudante era membro da Ação Libertadora Nacional (ALN) e do Movimento de Libertação Popular, organizações de resistência à ditadura. A versão oficial do crime – divulgada à imprensa duas semanas após o desaparecimento do estudante – dizia que Torigoe foi morto na Rua Albuquerque Lins, no bairro de Higienópolis, na zona oeste de São Paulo, em um tiroteio com a polícia. Segundo as fontes oficiais da época, a demora na divulgação da morte ocorreu porque a vítima usava documentos falsos, com o nome de Massahiro Nakamura.
No entanto, o MPF contesta a versão oficial com base no depoimento de duas testemunhas: André Tsutomu Ota e Francisco Carlos de Andrade, presos na mesma data. De acordo com os depoimentos, Torigoe foi ferido e levado ainda com vida ao Destacamento de Operações de Informações - Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi), no bairro do Ibirapuera, onde foi interrogado e submetido à tortura.
As testemunhas disseram que os agentes responsáveis pela prisão de Torigoe tinham pleno conhecimento da verdadeira identidade do detido. Apesar disso, de acordo com o MPF, todos os documentos a respeito da morte da vítima, inclusive o laudo de necropsia, a certidão de óbito e o registro no cemitério foram elaborados em nome de Massahiro Nakamura.
Para o MPF, além de usarem o nome falso nos documentos de óbito e de sepultarem clandestinamente o estudante no Cemitério de Perus, em São Paulo, os subordinados de Ustra negaram aos pais do estudante informações a respeito do filho desaparecido. Desde 2006, um inquérito civil público busca localizar os restos mortais de Torigoe.