Advogada acusa grupo xamânico por uso de veneno de sapo proibido no Brasil sem aviso

Mulher relata que tem crises de pânico, de ansiedade e surtos psicóticos até hoje após uso de substância; caso é apurado pela Polícia Civil

23 mai 2023 - 13h29
(atualizado às 13h57)
"Bufo" é extraído do Bufo alvarius, também conhecido como Incilius alvarius
"Bufo" é extraído do Bufo alvarius, também conhecido como Incilius alvarius
Foto: Por Holger Krisp/CC BY 3.0/Wikimedia Commons

A advogada Gabriela Augusta Silva, de Goiânia (GO), denuncia o Instituto Xamanismo Sete Raios, grupo religioso que se define como xamânico, localizado em São Paulo, de administrar uma substância psicodélica a participantes de rituais espirituais sem avisar aos envolvidos que a droga é proibida no Brasil. Trata-se da 5-MeO-DMT, proveniente do veneno do sapo Bufo alvarius. A droga está na lista de substâncias proscritas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

Ao Terra, o grupo xamânico afirmou que usou veneno de sapo em situação 'eventual', sendo que à época dos eventos, os representantes do Instituto não tinham conhecimento da discussão acerca legalidade do Bufo Alvarius no Brasil.  Após esses encontros e o aprofundamento do estudo sobre a substância, o Instituto afirma que não teve mais qualquer associação a rituais como esses. Confira o posicionamento na íntegra mais abaixo. 

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Em entrevista ao programa Encontro, da TV Globo, Gabriela relatou que procurou o instituto em 2021 para tentar vencer o luto de um irmão que perdeu. "A verdade é que eu fui buscando uma conexão com Deus, um encontro, uma cura espiritual e emocional diante do luto que eu vivo há muitos anos", disse. 

Gabriela durante entrevista ao programa Encontro
Foto: Reprodução/TV Globo

A advogada afirmou que acabou encontrando o grupo xamânico na internet e por meio das postagens "com promessas de curas espirituais" entrou em contato: "Eu não vi algo que estava diante dos meus olhos, porque toda e qualquer pessoa, de qualquer nível social, busca um sentido para vida. E foi exatamente nessa narrativa que fui pega. Nessa ânsia de buscar um sentido para vida acabei acreditando em falsas promessas de curas espirituais, de salvação, de encontro com Deus. Então por isso acho que é tão importante o combate a desinformação."

Ao programa, Gabriela também relatou ter crises de ansiedade e de pânico até hoje devido ao uso da substância. "Eu sou de Goiânia e fui para São Paulo [localidade do grupo xamânico]. Aí eles aplicaram, em um ritual, a substância em mim. E no momento da ministração dessa substância eu tive a perda da consciência, nem lembro. Mas pessoas que estavam relataram que eu convulsionei, tive surtos psicóticos", afirmou. 

Segundo ela, as sequelas emocionais já foram sentidas no dia seguinte ao uso da substância e depois ela precisou até ser internada e passar por acompanhamento psiquiátrico. "Eu não sabia da proibição dessa substância. Eles [grupo] não falam em momento nenhum isso [sobre a proibição]."

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Em nota, a Polícia Civil informou ao Terra que inquérito instaurado pelo Departamento Estadual de Prevenção e Repressão ao Narcotráfico (Denarc) segue em andamento. A autoridade policial continua realizando diligências visando ao esclarecimento dos fatos. Já o inquérito do Departamento de Polícia de Proteção à Cidadania (DPPC), que apurava possível crime de curandeirismo, foi arquivado pela Justiça em abril deste ano.

O que alega o grupo xamânico

Confira o que alega na íntegra o grupo xamânico. O posicionamento foi enviado à reportagem por meio das advogadas Gabriela Arima e Cecília Galício, que representam o instituto:

"O Instituto de Vivências Xamânicas Xamanismo Sete Raios, fundado em São Paulo, é uma associação religiosa, legalmente constituída e em respeito a Resolução n.5 de 2004, do Conselho Nacional de Políticas Sobre Drogas.

Idealizado e fundado pelo Terapeuta Holístico Felipe Rocha (CRTH 4074), o Instituto já realizou dezenas de encontros em contexto religioso e ritualístico, nos quais a cultura dos povos originários e as práticas tradicionais de autoconhecimento são enaltecidas dentro do ambiente urbano. A instituição jamais teve ou tem como objetivo incentivar ou promover o uso social ou terapêutico de substâncias ou, ainda, a substituição de práticas de saúde, tratando-se exclusividade de abordagem de caráter ritualística e religiosa, com finalidades espirituais.

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A título de esclarecimento, no final do ano de 2019, o Instituto recebeu a visita de um líder espiritual mexicano que trouxe a substância 5-MeO-DMT, extraída do sapo Bufo Alvarius, utilizada tradicionalmente em rituais religioso naquele país e sendo uma substância também presente na Ayahuasca, cuja prática ritualística e religiosa é devidamente reconhecida pelo Estado brasileiro. O referido líder espiritual conduziu então dois rituais com a substância mencionada com a presença de membros do Instituto, sendo que à época dos eventos, os representantes do Instituto não tinham conhecimento da discussão acerca legalidade do Bufo Alvarius no Brasil. Após esses encontros e o aprofundamento do estudo sobre a substância, o Instituto não teve mais qualquer associação a rituais como esses.

É fundamental esclarecer que alguns membros do Instituto, de forma independente, deram continuidade aos estudos e rituais individuais com o Bufo Alvarius, cujos efeitos terapêuticos vêm sendo amplamente estudados pela comunidade científica, no Brasil e no mundo. Esses rituais não tinham vinculação com as atividades do Instituto Xamanismo Sete Raios, tampouco com suas práticas religiosas.

Na sua posição de estudioso das substâncias psicodélicas e do seu reconhecido potencial terapêutico, o dirigente do Instituto se utiliza do termo “Medicina” para se referir às substâncias naturais utilizadas em contexto ritualístico. Inclusive, o termo “medicinas da floresta” é o termo largamente utilizado pela comunidade indígena e seus estudiosos e por grupos religiosos ligados ao Xamanismo.

O Instituto está ciente das descabidas alegações feitas por um grupo específico de pessoas, que, vale mencionar, possuem todos vínculos amorosos e/ou familiares e que participaram ativamente e voluntariamente não só nos rituais mencionados, como em outros e nas próprias atividades do Instituto. Inclusive, as pessoas citadas já haviam participado de rituais com Ayahuasca anteriormente à relação com o Instituto, sendo descabidas as alegações de desconhecimento.

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A pessoa de Gabriela Silva, que agora pretende se apresentar como vítima, era cliente do dirigente do Instituto, na sua condição de terapeuta integrativo devidamente 2 credenciado e habilitado. Por esta razão, após a alegada experiência da denunciante com o Bufo Alvarius, Felipe entrou pessoalmente em contato com ela para orientá-la, postura que foi validada e agradecida pela advogada. Vale ressaltar que qualquer argumentação de desconhecimento da Lei por parte dela deve ser rechaçada, uma vez que, como mencionado, é advogada, devidamente habilitada pela OAB/GO, com especialização na renomada Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, e diante de sua profissão e especialização, jamais poderia alegar desconhecimento da Lei. Seu companheiro, Rafael Verçosa, foi membro e facilitador de rituais, inclusive, sendo fato que conheceu Gabriela durante um dos rituais e foi a pessoa que a incentivou a participar da prática religiosa com o Bufo Alvarius.

O Instituto afirma que as pessoas mencionadas deram início a uma lamentável perseguição religiosa contra as práticas de fé do Xamanismo Sete Raios, e que essa atitude criminosa será oportunamente denunciada à Justiça. Há provas de que tanto a Gabriela quanto seu companheiro, Rafael Verçosa, aderiram a um conservadorismo religioso feroz, que culminou com uma série de acusações inverídicas contra o Instituto e suas práticas religiosas. Além disso, há indícios também de uma tentativa de concorrência empresarial - que vale dizer, é inexistente, tendo em vista a diferença entre a natureza jurídica das organizações -, uma vez que o casal possui uma empresa - com fins lucrativos - que explora vivências na Amazônia, com povos originários, denominada “Retiros com Propósito”. Nesse sentido, eles também procuraram um dos membros do Instituto para levar o Bufo Alvarius para essas vivências, em Goiás, tudo conforme provas produzidas e que serão oportunamente apresentadas à Justiça.

O Xamanismo Sete Raios é uma fundação religiosa que reverencia e apoia diretamente a cultura originária e os povos da Amazônia, num trabalho de fortalecimento da sabedoria ancestral - há séculos perseguida e vilipendiada pelo conservadorismo religioso. A denunciante claramente está utilizando a estrutura judiciária e os veículos de mídia para empreender uma cruzada pessoal contra uma instituição religiosa, motivada por questões de ordem pessoal e por restrições de crença. No mais, toda e qualquer falsa acusação será tratada devidamente perante à Justiça."

Fonte: Redação Terra
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