'Algum grau de afinidade não põe em risco a democracia', diz Barroso sobre indicação de Zanin por Lula

Em entrevista à BBC News Brasil, ministro do STF disse que escolha do presidente para a Corte não fere o princípio da impessoalidade da administração pública

16 jun 2023 - 20h09
Luís Roberto Barroso
Luís Roberto Barroso
Foto: BBC News Brasil

Para o ministro do Supremo Tribunal Federal Luís Roberto Barroso, a indicação de Cristiano Zanin pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para a vaga aberta na Corte é uma "escolha pessoal legítima" e não representa conflito, risco ético ou democrático.

A escolha do advogado tem sido tema de controvérsia por conta de sua proximidade com o presidente.

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Zanin atuou na defesa de Lula desde 2013 e participou dos processos decorrentes da Operação Lava Jato e no próprio Supremo.

Mas segundo Barroso, a indicação não fere o princípio da impessoalidade da administração pública ou coloca a democracia em risco.

"Algum grau de afinidade entre o presidente e a pessoa nomeada, a meu ver, não oferece nenhum problema ético ou risco democrático", afirmou à BBC News Brasil nesta sexta-feira (16/6).

"O que é importante é que seja uma pessoa íntegra, com competência técnica e que se disponha a servir o Brasil - é muito trabalho", afirmou o ministro, que está na Inglaterra para participar do Brasil Forum UK, evento organizado por estudantes brasileiros no Reino Unido e que tem como tema neste ano Inovando caminhos, transformando futuros.

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Em seu Artigo 12, a Constituição Federal determina que os ministros do Supremo devem ser escolhidos entre "cidadãos com mais de 35 e menos de 70 anos", de "notável saber jurídico" e "reputação ilibada".

"Cristiano Zanin é um advogado que preenche os requisitos previstos na Constituição e desempenhou um papel extremamente qualificado na defesa do presidente em outros casos", diz. "Essa é uma escolha pessoal legítima do presidente e acho que no normal da vida o Senado deve ratificar o nome dele."

Barroso afirmou que, no passado, outros presidentes já indicaram nomes de pessoas próximas ou que haviam trabalhado em sua defesa em algum momento e que isso nunca foi um problema.

Cristiano e Valeska Zanin em foto ao lado de Lula
Foto: REPRODUÇÃO/ INSTAGRAM LULAOFICIAL / BBC News Brasil

O ministro também tratou durante a entrevista dos ataques à democracia e da invasão e depredação dos prédios do Congresso, Planalto e STF em 8 de janeiro.

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"Em um país que se polarizou, nós precisamos pensar em uma agenda comum capaz de agregar as pessoas em torno de objetivos mínimos, independentemente das posições."

Sobre os ataques que recebeu do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e seus apoiadores durante o período eleitoral, o ministro afirmou que só costuma respondê-los quando envolvem questões institucionais.

Bolsonaristas invadiram o Congresso, o Palácio do Planalto e a sede do STF no dia 8 de janeiro
Foto: Reuters / BBC News Brasil

Leia a seguir os principais trechos da entrevista do ministro Luís Roberto Barroso à BBC News Brasil, editada por concisão e clareza:

BBC News Brasil - Gostaria de começar pela indicação do advogado Cristiano Zanin pelo presidente Lula para a vaga deixada pelo ministro Ricardo Lewandowski. Muito tem se falado sobre um conflito ético ou moral nessa indicação, por se tratar de uma pessoa bastante próxima ao presidente e que atuou como advogado pessoal dele em um caso muito importante. O senhor já disse que não vê conflito nesta situação. Por quê?

Luís Roberto Barroso - Cristiano Zanin é um advogado que preenche os requisitos previstos na Constituição e desempenhou um papel extremamente qualificado na defesa do presidente em outros casos. Essa é uma escolha pessoal legítima do presidente e no normal da vida o Senado deve ratificar o nome dele. Não vejo nenhum tipo de conflito.

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BBC News Brasil - Mas ainda que a Constituição não especifique nada sobre isso no Artigo 12, a indicação não fere o princípio da impessoalidade da administração pública e pode ser vista como um gesto controverso nesse momento delicado da democracia brasileira?

Barroso - Não acho. Juscelino [Kubitschek] indicou Victor Nunes Leal. O presidente Fernando Henrique [Cardoso] indicou o ministro Gilmar [Mendes]. O próprio presidente Lula já havia indicado o ministro [José Antonio Dias] Toffoli.

Algum grau de afinidade entre o presidente e a pessoa nomeada, a meu ver, não oferece nenhum problema ético ou risco democrático. O que é importante é que seja uma pessoa íntegra, com competência técnica e que se disponha a servir o Brasil - é muito trabalho.

BBC News Brasil - O sistema de indicação de ministros ao STF no Brasil abre espaço para a politização do Supremo?

Barroso - Não, pelo contrário. Não há um sistema ideal de indicação de ministros do Supremo. Os países adotam modelos diferentes. Na Alemanha são as casas legislativas que indicam e lá funciona bem - mas sempre tem queixas.

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Em Israel existe um comitê que faz uma lista prévia que depois é submetida ao Executivo - também há muitas queixas. No Brasil nós adotamos o sistema americano, que é uma indicação pessoal do presidente com aprovação do Senado.

Para o Brasil é o que funciona e tem funcionado melhor, porque você sempre será capaz de reconduzir a responsabilidade do presidente àquela escolha. Esse ônus e essa preocupação fazem com que o presidente tenha critérios republicanos que ele possa defender no espaço público.

Quando a indicação é feita pelo Legislativo, a responsabilidade se dilui um pouco. De modo que eu acho um bom ter um protagonista neste processo que possa ser elogiado ou criticado e que leve isso em conta na sua escolha. Tal como a democracia, não é perfeito, mas é o melhor modelo que se encontrou até agora.

Plenário do STF durante julgamento
Foto: CARLOS MOURA/SCO/STF / BBC News Brasil

BBC News Brasil - Outro tema que tem gerado discussão é o dos poderes dos magistrados do STF, em especial do ministro Alexandre de Moraes. Por conta do inquérito das Fake News, várias investigações, pedidos de prisões, suspensão de redes sociais etc., há críticas sobre acúmulo de poder, desrespeito a garantias e ao sistema democrático. Na sua visão, essa concentração dos casos com um único ministro traz riscos?

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Barroso - Esse assunto não está na minha agenda [de visita ao Reino Unido por ocasião do fórum]. Mas eu só registraria que o Brasil viveu o momento muito excepcional que desaguou no 8 de janeiro.

E, portanto, situações dramáticas e excepcionais às vezes exigem soluções extraordinárias. Mas eu penso que progressivamente estamos voltando à plena normalidade e aos poucos essas questões vão se esvair no ar.

BBC News Brasil - Sobre o episódio de 8 janeiro, o que é preciso para que isso não se repita?

Barroso - O Brasil viveu nos últimos anos um conjunto de dificuldades que envolveram questões de civilidade com agressões e ofensas. O Brasil viveu riscos institucionais com a volta do fantasma golpista que nós achávamos que já tinha ido embora. E nós vivemos um problema ético com a naturalização da mentira como estratégia de atuação política.

Vamos ter que reconstruir muitas coisas do ponto de vista da civilidade, do ponto de vista institucional e do ponto de vista ético - e é preciso preparar o clima para isso.

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Em um país que se polarizou, nós precisamos pensar em uma agenda comum capaz de agregar as pessoas em torno de objetivos mínimos, independentemente das posições.

Uma agenda que eu acho que pode agregar as pessoas no Brasil inclui o combate à pobreza, a volta do crescimento econômico, a prioridade à educação básica, uma agenda ambiental em que o Brasil assuma uma posição de liderança mundial, investimento em ciência e tecnologias e o fim do preconceito que ainda existe no Brasil contra a livre iniciativa e o empreendedorismo.

Nós precisamos de uma reforma tributária urgente, porque esse modelo que nós temos, além de ser o mais complexo do mundo, é concentrador de renda. Nós precisamos também investir na integridade e na elevação da ética pública e privada no Brasil.

Luís Roberto Barroso durante edição de 2022 do evento Brasil Forum UK, em Oxford
Foto: BRAZIL FORUM / BBC News Brasil

BBC News Brasil - Há quem aponte e critique a existência de um certo ativismo judicial ou de uma forma de arbitrar adotada pelo senhor que leva a interpretação constitucional um pouco além da literalidade, especialmente em prol de causas mais progressistas. Como o senhor responde a essas críticas?

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Barroso - Acho que elas vêm um pouco mais da desinformação do que de uma posição fundamentada. O Supremo absolutamente não é ativista, o que o Supremo tem no contexto brasileiro é um grande protagonismo.

Por qual razão? Porque a judicialização se tornou um fenômeno corrente na vida brasileira, produto de arranjos institucionais que têm os seguintes elementos que eu vou te descrever: uma Constituição extremamente abrangente que cuida de temas que em outras partes do mundo são deixados para a política (...); a grande quantidade de ações diretas que permitem chegar diretamente ao Supremo e de atores institucionais que podem propor essas ações diretas; uma competência criminal que expõe excessivamente o Supremo; e o fato de que julgamos na TV aberta e, portanto, isso traz grande exposição pública.

O ativismo judicial, no sentido técnico e não pejorativo, é uma espécie de criação judicial do direito em que se leva um princípio constitucional para reger uma situação que não foi especificamente tratada pela lei ou pelo legislador. Isso é raríssimo.

Um exemplo: uniões homoafetivas. Realmente foi uma decisão de criação judicial do direito. Mas qual era o problema? Existem as relações homoafetivas e você precisa saber se tem direito a pensão, se tem direito a sucessão, se pode ser dependente no plano de saúde… Os problemas surgiram, mas não havia legislação e era preciso criar uma norma.

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O Supremo decidiu tratar igual se trata as uniões estáveis tradicionais e acho que fez muito bem, mas sou suspeito para falar porque fui advogado da causa.

Mas a verdade é que essa é uma das raras exceções em que o Supremo foi ativista. As queixas se baseiam mais em uma retórica do que propriamente em uma crítica procedente.

BBC News Brasil - O que muitos críticos apontam é que essas decisões que envolvem o ativismo judicial acabam sendo mais progressistas…

Barroso - As pessoas às vezes repetem alguns chavões que, na verdade, não correspondem aos fatos. [Se perguntarmos] qual foi a decisão "progressista" do Supremo, não saberiam dizer. (...)

A Constituição brasileira é uma constituição iluminista, no sentido de tratar as pessoas com respeito e consideração sem discriminá-las por um fator que não seja legítimo nem razoável. De modo que se criou a lenda de que o Supremo representa as elites, de que o Supremo dificulta a governabilidade. O Supremo cumpre a Constituição no geral.

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Eu nem acho que o Suprema acerte 100%, porque nada que é humano tem 100% de acerto. No enfrentamento da corrupção, por exemplo, eu votei vencido em diversos casos. Acho que o Supremo talvez deveria ter tido um papel mais firme, mas a maioria entendeu diferente e a gente na vida não deve se achar o dono da verdade.

Sede do STF em Brasília
Foto: FELLIPE SAMPAIO/SCO/STF / BBC News Brasil

BBC News Brasil - Falando agora sobre a operação Lava Jato. Recentemente a operação passou por alguns reveses, como afastamento de juízes, anulação de processos e desarticulação de forças-tarefas. Na sua opinião, qual a herança deixada pela operação até agora?

Barroso - A compreensão do quadro geral vai exigir um certo distanciamento crítico histórico. Mas em sua face positiva, ela ajudou a revelar um país de corrupção estrutural sistêmica institucionalizada que nós precisamos enfrentar.

Na parte negativa houve erros que, com mais ou menos razão, levaram à nulidade de processos. A situação de alguns dos seus protagonistas terem passado para a política legitimou o discurso, certo ou errado, de que haveria uma motivação política por trás de toda aquela atuação.

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BBC News Brasil - Esses erros cometidos abriram às portas para a impunidade?

Barroso - Essa é uma questão que exige uma reflexão mais profunda. A impunidade historicamente é uma característica do sistema punitivo brasileiro em relação à criminalidade do colarinho branco. Portanto, esse é um problema que independentemente da Lava Jato continuamos precisando equacionar.

Bolsonaro ao deixar sua casa após sofrer operação da Polícia Federal
Foto: Reuters / BBC News Brasil

BBC News Brasil - Voltando ao ex-presidente Jair Bolsonaro, o senhor foi vítima de comentários dele e de muitos ataques de apoiadores do bolsonarismo, especialmente durante o período eleitoral. Vimos um episódio em que o senhor respondeu a um manifestante de forma um pouco mais exaltada no ano passado. Queria saber se o senhor acredita que essa é a melhor forma de lidar com os ataques, seja de cidadãos comuns ou até de autoridades, ou se existe uma forma melhor, mais ideal?

Barroso - Eu só respondi ao longo do tempo desses ataques quando envolvia uma questão institucional. Na questão pessoal não fazia muita diferença para mim o que o presidente pensava de mim. Eu verdadeiramente vivo em um plano espiritual diferente.

O episódio do "perdeu, mané, não amola" aconteceu depois de três dias sendo seguido pelas ruas e xingado de todos os nomes que você possa imaginar. Num determinado momento eu perdi um pouquinho a paciência. Foi quase para demonstrar que eu sou humano.

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Mas esta frase, no contexto das barbaridades que se gritavam, até que foi bastante polida. Nem faz parte da minha linguagem, é da linguagem deles. Mas eu considero um incidente da vida, assim como tropeçar em uma pedra na calçada. Virou um meme, mas eu não daria muita importância para isso.

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