O governo conseguiu, com sufoco, aprovar na Câmara dos Deputados a medida provisória que modifica estrutura do governo federal e reduz o número de ministérios, mas o clima no Congresso só tende a acirrar e pode comprometer a reforma da Previdência, avaliou uma liderança parlamentar nesta quinta-feira.
Segundo disse essa fonte à Reuters, a postura do governo de tentar colar no Congresso a pecha da velha política, de responsabilizar a classe política pela crise no país e, num episódio mais recente, a atuação parlamentar de governistas pautada pela aprovação em redes sociais, levou deputados, principalmente de partidos de centro, ao limite da paciência.
A irritação ficou evidente na quarta-feira, quando a Câmara votou a MP dos ministérios e decidiu manter o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) no Ministério da Economia, apesar da pressão do governo para transferi-lo para a pasta da Justiça.
A estratégia de fazer uma votação nominal para decidir o tema na tentativa de constranger os parlamentares e a pressão via redes sociais adicionaram ainda mais lenha na fogueira, chegando ao ponto de o líder do DEM na Casa, Elmar Nascimento (BA), fazer um desabafo em plenário, aplaudido por colegas, na noite de quarta-feira, levando a sessão a ser suspensa.
"Não dá para ignorar o que aconteceu ontem", disse a liderança, acrescentando que o PSL deve ficar cada vez mais isolado na Casa.
E no caso da Previdência, um tema polêmico que traz desgaste aos parlamentares em suas bases, a situação é ainda pior. Segundo essa liderança, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que altera as regras previdenciárias não conta com mais de 70 votos atualmente.
O presidente da comissão especial que discute a matéria, deputado Marcelo Ramos (PR-AM), adiantou na última semana que será apresentado um texto substitutivo para a proposta, em linha com a postura de protagonismo e descolamento do governo que a Casa vem adotando.
Segundo ele, o texto alternativo não irá interferir nem no cronograma e nem no impacto fiscal pretendido pelo governo, de 1 trilhão de reais em dez anos. A expectativa é que o parecer da proposta seja apresentado até meados de junho, para que ela esteja pronta para ir a plenário em julho.
Já a liderança, que preferiu a condição de anonimato, avalia que a PEC pode não ser aprovada pela Câmara no primeiro semestre e que a tramitação na comissão especial pode sofrer um "esvaziamento". Também não descarta a apresentação de um outro texto alternativo ao do relator da proposta, deputado Samuel Moreira (PSDB-SP).
"A Previdência hoje tem 50 votos, 70 estourando", afirmou.
A possibilidade de rejeição de um texto de Moreira pode ocorrer como reflexo, explica, da postura do PSDB na discussão sobre a MP dos ministérios e a alocação do Coaf. O partido teria acertado com demais legendas determinada posição, mas teria agido diferente publicamente, durante a votação.
A fonte pondera ainda que apesar de o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), ser um forte defensor da reforma, tem atuação limitada e não pode, sozinho, garantir sua aprovação. Lembra, ainda, que o deputado tenta articular a votação da proposta, mas não pode se afastar do grupo político que o sustenta, atualmente resistente à matéria.
Os parlamentares estariam, segundo essa fonte, acuados pelos eleitores em suas bases, críticos à reforma, ao mesmo tempo em que o governo não oferece uma compensação para eles —como obras e ações nos Estados—, o que dificulta seu posicionamento a favor da reforma.
"A Previdência é uma coisa difícil. Ela tem um ônus político sem que o governo tenha ações nos Estados para compensar."
De acordo com essa liderança, o mal-estar não envolve apenas a Câmara e já teria contaminado senadores, inclusive o presidente da Casa, Davi Alcolumbre (DEM-AP). A conturbada MP dos ministérios, aliás, deve ser votada pelo Senado na próxima semana.