O presidente Jair Bolsonaro está entre a cruz das ameaças de impeachment e a espada do apoio público declinante enquanto escândalos de corrupção envolvendo acordos de compra de vacinas contra covid-19 rondam seu governo.
Por um lado, se denunciar aliados do Congresso ligados a supostas tentativas de lucrar com encomendas de vacinas, Bolsonaro arrisca perder o apoio do grupo volúvel de partidos do Centrão aos quais se aliou para garantir que as iniciativas de impeachment naufraguem.
Por outro, se escolher proteger políticos atingidos por escândalos e seus partidos, Bolsonaro pode ficar maculado por acusações de corrupção antes da eleição presidencial do ano que vem - e já está em baixa nas pesquisas.
O escândalo envolvendo a vacina indiana Covaxin, no qual aliados de Bolsonaro são acusados de fazer pressão indevida em autoridades do Ministério da Saúde para acelerarem a compra do imunizante, torna-se um pesadelo para o presidente, em parte porque ele supostamente envolve o líder do governo na Câmara dos Deputados, Ricardo Barros (PP-PR). Bolsonaro e Barros negam qualquer irregularidade.
As acusações dão aos oponentes de Bolsonaro ampla munição para atacá-lo, e a dependência do presidente das siglas de Centrão, das quais vários líderes enfrentam investigações de corrupção, desmente a promessa de campanha de limpar a política brasileira que o elegeu em 2018.
"Bolsonaro caminha para um processo contínuo de enfraquecimento. É difícil ainda dizer se isso pode possibilitar a abertura de um processo de impeachment, mas tende a fragilizá-lo na disputa eleitoral", disse Claudio Couto, cientista político da Fundação Getulio Vargas.
Mais de meio milhão de brasileiros já morreram de covid-19, e mesmo assim o Brasil está atrás de muitos outros países na vacinação - só 11,8% de sua população está totalmente imunizada (ou seja, com as duas doses de vacina aplicadas), o que torna as alegações de corrupção a respeito de encomendas de vacinas particularmente prejudiciais para o presidente.
Caso Covaxin
A CPI da Covid do Senado descobriu uma suposta corrupção envolvendo elementos do Ministério da Saúde e parlamentares pró-Bolsonaro acusados de tentar pagar a mais pela Covaxin.
Nesta sexta-feira, 2, após pedido de três senadores da oposição, a Procuradoria-Geral da República (PGR) pediu a investigação de Bolsonaro por prevaricação. Os parlamentares argumentam que o presidente não tomou providências após ser alertado sobre supostas irregularidades envolvendo a Covaxin.
É improvável que o inquérito derrube Bolsonaro, mas produz manchetes diárias que aumentam as percepções públicas de incompetência e suspeitas de corrupção no governo.
Suposto pedido de propina
Na quarta-feira, 30, o Ministério da Saúde anunciou a exoneração do cargo do então diretor de Logística da pasta, Roberto Dias, após ele ser acusado de pedir propina para fechar um outro acordo de compra de vacinas contra a covid-19.
Também na quarta, parlamentares de todo o espectro político, grupos sociais e advogados apresentaram um "superpedido" de impeachment coletivo, combinando dezenas de pedidos anteriores que o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), outro aliado de Bolsonaro, ignorou.
Alguns políticos começam a desertar o Centrão que blinda Bolsonaro. Gilberto Kassab, ex-prefeito de São Paulo e presidente do PSD, o fez no mês passado, cogitando apresentar um candidato presidencial próprio no ano que vem.
Uma pesquisa publicada na semana passada pelo instituto Ipec mostrou que a desaprovação ao governo Bolsonaro subiu para 49%, mais do que o dobro da taxa de aprovação de 24%. O Ipec confirmou outras sondagens que mostram que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva derrotaria Bolsonaro facilmente se a eleição presidencial do ano que vem acontecesse agora.
"Agora, com a popularidade declinante e com os recursos também minguantes do governo cada vez menores, pode ser que o Centrão mais na frente o abandone, porque já fez isso no passado", opinou Carlos Melo professor e cientista político do Insper.
Os casos anteriores de impeachment no Brasil são Fernando Collor, que renunciou para evitá-lo em 1992, e Dilma Rousseff, do PT, afastada do cargo em 2016.
Melo diz que Bolsonaro buscou blindagem com o Centrão no momento em que Fabrício Queiroz - ex-assessor do senador Flávio Bolsonaro, filho do presidente - foi preso o ano passado e ele estava pressionado.
"Bolsonaro é mais dependente do Centrão que o Centrão dele. É um jogo de interesses. Enquanto Bolsonaro tiver algo a dar - cargos, recursos - isso tende a continuar. Quando não ha mais nada a dar do ponto de vista fisiológico, e quando esse projeto de poder parece entrar em perigo, o Centrão muda de barco, e adere rapidamente a outro projeto de poder. Não seria a primeira vez".