As conquistas políticas do ex-presidente Jair Bolsonaro há muito tempo reflete a de seu aliado ideológico Donald Trump -- mas seus destinos agora parecem ter divergido drasticamente.
Enquanto Trump se prepara para mais quatro anos na Casa Branca, Bolsonaro está impedido de ocupar cargos públicos e pode ser julgado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no próximo ano, depois que a polícia o acusou na semana passada de planejar um golpe de Estado.
Durante anos, Bolsonaro seguiu os rastros de Trump, primeiro imitando seu estilo político para ganhar a Presidência do Brasil com uma campanha anti-establishment em 2018. Quando perdeu uma candidatura à reeleição quatro anos depois, ele adotou novamente o manual de Trump, espalhando falsidades sobre a legitimidade dos resultados.
A reação dos apoiadores de Bolsonaro foi assustadoramente semelhante à de Trump, com milhares deles vandalizando prédios dos Três Poderes em Brasília, em 8 de janeiro de 2023, na esperança de anular os resultados da eleição que Bolsonaro perdeu para Luiz Inácio Lula da Silva.
No entanto, Trump agora está de volta ao topo em Washington, sem ser incomodado por vários processos judiciais, enquanto Bolsonaro está afastado das próximas eleições e possivelmente encurralado por três investigações criminais.
Bolsonaro negou qualquer irregularidade e acusou os investigadores de serem "criativos" nas investigações contra ele.
O contraste entre os destinos dos dois ex-presidentes depende, em parte, das ferramentas totalmente diferentes que cada país tem para responsabilizar os políticos, disse Omar Encarnación, professor de política do Bard College que estudou os dois casos.
"Eles realmente são noite e dia", acrescentou.
Enquanto no Brasil, as eleições são supervisionadas pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que agiu rapidamente no ano passado para impedir que Bolsonaro concorresse ao cargo até 2030 devido a seus ataques infundados à confiabilidade do sistema de votação eletrônica do Brasil.
Não existe um tribunal desse tipo nos EUA, onde as eleições são realizadas por autoridades estaduais e locais sob uma colcha de retalhos de regras.
Mesmo que Bolsonaro encontrasse uma maneira de reverter os efeitos da decisão do TSE, como seus aliados tentam, uma condenação criminal confirmada em segunda instância também o impediria de concorrer à Presidência de acordo com a Lei da Ficha Limpa.
Nos Estados Unidos, um presidente perde o direito de concorrer novamente ao cargo se sofrer impeachment e for condenado pelo Congresso. A Constituição dos EUA também estabelece que qualquer pessoa que seja eleita duas vezes como presidente não pode concorrer a um terceiro mandato na Casa Branca.
"O alcance das imunidades conferidas aos presidentes no Brasil é muito menor do que o conferido nos EUA", disse Eloísa Machado, professora que estuda o STF na faculdade de direito da FGV em São Paulo.
SISTEMA BIPARTIDÁRIO
O controle de Trump sobre um dos dois principais partidos políticos dos EUA também o protegeu de sofrer consequências maiores. Trump passou por dois processos de impeachment por uma Câmara dos Deputados dos EUA controlada pelos democratas, mas seus aliados republicanos no Senado tinham assentos suficientes para absolvê-lo.
"É um partido entre apenas dois, que garante uma enorme cobertura para Trump, bem ao contrário de Bolsonaro", disse Encarnación.
Embora o PL, partido de Bolsonaro, tenha o maior número de assentos entre todos os partidos no Congresso, ele é um dos mais de uma dúzia de partidos representados no Legislativo. Os legisladores do Partido Liberal propuseram uma lei para reverter a proibição eleitoral de Bolsonaro, mas muitos duvidam das chances de sucesso.
As composições dos tribunais superiores no Brasil e nos EUA também pesaram no destino dos ex-presidentes.
Uma maioria de juízes nomeados pelos republicanos na Suprema Corte dos EUA decidiu este ano que muitas das ações de Trump como presidente são imunes a processos.
Por outro lado, o STF tem se posicionado amplamente a favor do ministro Alexandre de Moraes, relator dos casos contra Bolsonaro na corte e que foi indicado pelo ex-presidente conservador Michel Temer, antecessor imediato de Bolsonaro na Presidência.
Ivar Hartmann, professor associado de Direito no Insper em São Paulo, disse que a variedade de partidos políticos no Brasil torna a fidelidade dos juízes da Suprema Corte "mais complexa" e menos previsível do que nos EUA.
Ainda assim, muitos dos aliados de Bolsonaro difamaram Moraes e questionaram a base para o juiz abrir e supervisionar investigações de movimentos de extrema direita em vez de esperar pelos procuradores.
Mesmo quando o próprio Moraes foi alvo de ameaças e ataques on-line, ele não se recusou a supervisionar a investigação daqueles que supostamente o assediaram. A Polícia Federal que trabalha sob a direção de Moraes nesses inquéritos diz ter encontrado evidências de conspirações de partidários de Bolsonaro para matar ou prender o juiz como parte de planos para anular a eleição de 2022.
Embora o sistema jurídico brasileiro tenha permitido que Moraes conduzisse investigações rigorosas sobre Bolsonaro e seus aliados, sua abordagem agressiva poderia eventualmente abrir casos para contestações se os ventos políticos mudarem -- como já aconteceu antes no Brasil.
Lula foi condenado por corrupção e impedido pelos tribunais de concorrer contra Bolsonaro em 2018.
No entanto, em poucos anos, quando o clima em Brasília mudou e cresceram as dúvidas sobre a imparcialidade de Sérgio Moro, juiz que condenou Lula em primeira instância, o STF rejeitou o processo contra o petista, apontando a suspeição de Moro, que é atualmente senador.
Essa decisão permitiu que Lula concorresse ao seu terceiro mandato presidencial não consecutivo na eleição de 2022.