Com a reforma do sistema de aposentadorias, o Brasil alcançou algo hoje pouco provável na maioria das democracias do mundo. Mas rota de colisão do clã Bolsonaro com o Congresso deve frear planos de reformas do governo.Está feito. Depois de oito meses, o governo do presidente Jair Bolsonaro conseguiu a aprovação da contestada reforma da Previdência na Câmara dos Deputados e no Senado. Uma tarefa hercúlea assumida e concluída pelo governo: atualmente, uma reforma desse calibre não teria chance em quase nenhum outro país democrático do mundo.
O enxugamento dos gastos com aposentadorias no orçamento federal é um pré-requisito importante para a recuperação econômica do Brasil, após cinco anos de recessão e estagnação - cerca de um ponto percentual a menos de déficit no orçamento primário deve trazer esse alívio ao Estado, excluindo juros.
Parece abstrato, mas é relevante: somente se os gastos excessivamente altos do Estado brasileiro apontarem uma tendência de queda, o país estará em condições de reduzir seu déficit, que atualmente equivale a cerca de 8% do Produto Interno Bruto (PIB).
Serviços públicos como segurança, educação, saúde e infraestrutura são tão catastróficos no Brasil porque o Estado mal consegue investir devido aos altos gastos e ao endividamento excessivo.
Com o apoio da opinião pública, o governo e o Congresso conseguiram agora reduzir uma gama de privilégios e, ao mesmo tempo, elevar as receitas do sistema de aposentadorias. A maioria dos brasileiros se aposentará mais tarde, terá que contribuir por períodos mais longos e, caso tenha uma remuneração acima da média, também terá um percentual maior de sua renda recolhido pela Previdência.
No entanto, o Brasil apenas criou condições semelhantes às vigentes na Europa: as mulheres agora se aposentam a partir dos 62 anos de idade, e os homens, a partir dos 65 anos.
Um fator decisivo para a aplicabilidade política da reforma foi a equiparação entre funcionários públicos e trabalhadores do setor privado. Servidores públicos, como juízes, mas também políticos e militares aposentados ou da reserva, gozam atualmente de altos privilégios. Como resultado, os cerca de três milhões de pensionistas públicos recebem juntos quase a mesma soma do fundo de aposentadoria quanto a dos 30 milhões de aposentados do setor privado.
No entanto, ainda existem exceções às regras: professores e agentes da Polícia Federal (PF) podem continuar se aposentando mais cedo. Além disso, a reforma previdenciária dos militares segue em negociação. É provável que quase nenhum de seus privilégios seja podado, tendo em vista a forte influência de que os militares gozam no governo do capitão reformado Bolsonaro.
Também grupos influentes de servidores, como os do Judiciário, podem posteriormente criar brechas regulatórias para preservar seus privilégios - e o mesmo se aplica à classe política.
A questão agora é: como seguirá adiante o programa de reformas? Será que o governo ainda tem fôlego para enfrentar outras reformas ambiciosas?
O ministro da Economia, Paulo Guedes, quer impulsionar várias emendas constitucionais audaciosas. Com elas, Guedes quer economizar por meio de cortes na burocracia ineficiente, criar uma nova equalização financeira e redistribuir a receita tributária entre o governo federal, estados e prefeituras.
A ideia é que o governo federal e o Legislativo voltem a ter mais influência sobre os gastos orçamentários. Com a ajuda da elevada receita que o governo espera arrecadar dentro de poucos dias com o megaleilão do pré-sal, Guedes busca convencer os deputados de seu projeto. Ele também planeja uma reforma abrangente do ineficiente e caótico sistema tributário.
Guedes tem razão ao afirmar que essas reformas são urgentemente necessárias para colocar o aparato estatal e a economia do Brasil numa base mais estável e saudável. As perspectivas econômicas estão melhorando, mas lentamente.
Ainda assim, parece ilusório que o governo concretize esses planos de reforma altamente complexos por meio do Congresso. Porque, assim como para a reforma da Previdência, as emendas constitucionais precisarão do consenso de três quintos dos deputados e senadores. Com Bolsonaro e seu clã em rota de colisão com o Congresso, não parece que os planos de reforma tenham qualquer chance no momento.
Além disso, aproximam-se as eleições municipais de outubro de 2020. Será ainda mais difícil para os congressistas votarem a favor de propostas controversas se eles ou seus aliados tiverem que se posicionar perante os eleitores.
Portanto, ao que tudo indica, o entusiasmo reformista do governo Bolsonaro está com os dias contados. A reforma da Previdência pode acabar sendo a única reforma bem-sucedida de seu mandato.
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