O senador Marcos do Val (Podemos-ES) disse em uma transmissão ao vivo nas suas redes sociais que o então presidente Jair Bolsonaro (PL) tentou coagi-lo a participar de um golpe de Estado.
Em entrevista à revista Veja, o parlamentar detalhou que Bolsonaro o procurou em 9 de dezembro do ano passado propondo uma forma de tentar impedir a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e se manter no poder.
A ideia de Bolsonaro, segundo contou o senador, era que Do Val gravasse uma conversa sua com o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moares, com o objetivo de descredibilizar o ministro. Isso seria o pretexto para executar o golpe.
"A ideia era que eu gravasse o ministro falando sobre as decisões dele, tentar fazer ele confidenciar que agia sem observar necessariamente a Constituição. Com essa gravação, o presidente iria derrubar a eleição, dizer que ela foi fraudada, prender o Alexandre de Moraes, impedir a posse do Lula e seguir presidente da República. Fiquei muito assustado com o que ouvi", contou à Veja.
O parlamentar disse à revista que tem uma boa relação com Moraes, iniciada quando o ministro ainda era secretário de Segurança Pública de São Paulo, no governo do hoje vice-presidente, Geraldo Alckmin.
Naquela época, Do Val ainda não era senador e foi contratado para oferecer um treinamento para a polícia paulista. Ex-militar do Exército Brasileiro, o senador fundou o Centro Avançado em Técnicas de Imobilizações (CATI), que realiza esse tipo de serviço.
O senador disse à revista que denunciou a proposta de golpe ao próprio Moraes.
"Não somos íntimos, mas temos um excelente relacionamento. Por isso — e também por dever cívico e de consciência —, relatei a ele o que estava acontecendo. Era a coisa certa a ser feita", afirmou.
Em entrevistas posteriores, às emissoras GloboNews e CNN Brasil, Do Val mudou detalhes de sua versão, afirmando que o presidente apenas escutou a ideia, mas não o coagiu a participar. O plano teria sido apresentado, no encontro, pelo então deputado federal Daniel Silveira.
Ainda segundo o senador, Bolsonaro teria assentido com a cabeça e, ao final, dito apenas que esperaria por uma resposta de Do Val sobre sua possível participação.
"Sou um democrata, sempre vou lutar para que a democracia permaneça inabalável. Uma operação como a que estava sendo articulado colocaria o Brasil em isolamento mundial, provocaria uma grave crise econômica, traria mais miséria e pobreza. As consequências seriam imprevisíveis", disse também.
Segundo o relato do parlamentar, o então deputado Daniel Silveira (PTB-RJ) participou do encontro sobre o golpe. Na sua avaliação. Bolsonaro teria sido instigado por ele a fazer essa proposta.
"Sei que o Daniel troca muita informação com o presidente, e talvez isso tenha influenciado de alguma maneira o que aconteceu. O Daniel disse que eu ia salvar o Brasil e o presidente repetiu", contou ainda Do Val.
Silveira foi preso nesta quinta-feira (02/02) por determinação de Moraes, mas a decisão não cita fatos relacionados à denúncia de Do Val.
O motivo da prisão é que o ex-deputado, cujo mandato parlamentar acaba de se encerrar, descumpriu as condições impostas para que pudesse estar em liberdade, ao voltar a ameaçar ministros do STF, danificar a tornozeleira eletrônica e continuar levantando dúvidas sobre as urnas eletrônicas.
Moraes preside inquéritos no STF que, desde 2019, investigam aliados e filhos de Bolsonaro, além do próprio ex-presidente, por possíveis ataques ao Supremo e envolvimento em movimentos antidemocráticos como a invasão das sedes dos três Poderes no dia 8 de janeiro. Por isso, é visto como um inimigo por bolsonaristas.
Até a publicação dessa reportagem, Bolsonaro ainda não tinha se pronunciado sobre as acusações do seu antigo aliado. O presidente está vivendo na Flórida.
Já Do Val anunciou na madrugada desta quinta-feira que pretende deixar seu mandato e voltar a viver nos Estados Unidos.
"Após quatro anos de dedicação exclusiva como senador pelo Espírito Santo, chegando a sofrer um princípio de infarto, venho através desta, comunicar a todos os capixabas a minha saída definitivamente da política", escreveu em suas redes sociais.
"Perdi a convivência com a minha família em especial com minha filha. Não adianta ser transparente, honesto e lutar por um Brasil melhor, sem os ataques e as ofensas que seguem da mesma forma. Nos próximos dias, darei entrada no pedido de afastamento do senado e voltarei para a minha carreira nos EUA", disse ainda no comunicado.
Também sobre o assunto, Do Val recuou ao longo do dia, dizendo que teria desistido de renunciar.
No início da tarde, a Polícia Federal solicitou ao STF autorização para interrogar Do Val a respeito das declarações. O ministro Alexandre de Moraes autorizou a oitiva.