Em meio a pressões de última hora e após um vaivém nas negociações, o clima em torno da reforma da Previdência deu uma volta de 180 graus e há chances reais de a proposta ter sua votação iniciada ainda nesta quarta-feira na comissão especial que a analisa.
A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) já estava tecnicamente pronta para ser votada na comissão, mas pairava em estado de dormência, enquanto deputados tiravam da cartola demandas na reta final de discussão, que envolveu até o presidente Jair Bolsonaro, que vinha se mantendo distante das negociações sobre a reforma.
Mas após reunião na residência oficial da Presidência da Câmara dos Deputados, o que parecia embolado aparentemente destravou. Segundo o presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ), não houve acordo sobre os pontos polêmicos do parecer, relacionados principalmente à inclusão de Estados e municípios na proposta e também à regras previdenciárias para policiais.
Ainda que o relator tivesse sinalizado pouca disposição em flexibilizar o texto nesse âmbito, representantes das polícias renovaram a pressão por concessões à categoria e o assunto ganhou um grande reforço com a entrada do próprio presidente da República, fortemente ligado ao setor de segurança.
Segundo o porta-voz da Presidência, Bolsonaro pediu ao ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, que se encontrasse com Maia, para levar suas percepções sobre as categorias.
"Em relação aos policiais, não teve acordo", disse Maia. "Eu não acredito que o governo esteja trabalhando, já que não houve acordo, não vai trabalhar, para o destaque (sobre policiais) ser aprovado, quer dizer, derrubar as categorias do texto", explicou Maia, argumentando que se uma categoria cai da reforma, podem cair todas.
Depois de todas negociações durante o dia, o presidente da Câmara disse que a reforma seguiria finalmente em frente na comissão.
"Vai encerrar hoje a obstrução e amanhã a gente continua. Se não conseguir chegar no mérito hoje, chega amanhã", disse Maia, acrescentando ter convocado sessão da Câmara para a tarde da quinta-feira, de forma a forçar a presença dos deputados na Casa.
O presidente da comissão, Marcelo Ramos (PL-AM), por seu lado, disse também à noite que fará todo o esforço para chegar ao mérito da proposta ainda nesta quarta.
Questionado sobre o que mudou e provocou a reviravolta no ambiente de horas antes para a votação, Maia afirmou perceber um "ambiente muito favorável" e que sente um "movimento individual dos deputados pedindo para votar a matéria, para votar na comissão até amanhã, para que na próxima semana a gente possa começar a votação no plenário".
O governo já vinha se movimentando e prometeu a liberação de 20 milhões de reais em emendas a cada deputado que votar a favor da reforma da Previdência, mas lideranças ouvidas pela Reuters vinham encarando com cautela a promessa.
Neste cenário, o ministro da Casa Civil se dirigiu à residência oficial da Presidência da Câmara, onde líderes reuniam-se com Maia, para, oficialmente, levar a posição de Bolsonaro sobre as demandas dos policiais.
STANDBY
Marcada originalmente para as 13h desta quarta, a reunião da comissão teve início quase sete horas após o previsto. Ela havia sido convocada para que o relator, deputado Samuel Moreira (PSDB-SP), pudesse fazer uma segunda complementação ao voto apresentado em 13 de junho à comissão.
Relatório, aliás, que contou com uma coletiva de imprensa no dia anterior à sua divulgação, em que líderes de partidos do chamado campo do centro político declararam apoio público e argumentaram que o texto refletia a vontade da maioria.
Ainda assim, foi necessário que Moreira apresentasse na terça-feira desta semana um voto complementar, com ajustes ao seu parecer. Com essa apresentação, alimentou-se a expectativa de que a votação poderia ser agilizada.
A comissão, no entanto, mal terminava de conhecer um novo texto e já havia novas reuniões e negociações marcadas para esta quarta-feira, na tentativa de ainda discutir mudanças para produzir uma terceira versão do texto do relator.
Ramos, de seu lado, convocou uma reunião de coordenadores de bancada para a manhã desta quarta-feira para definir os próximos passos. Ficou decidida a convocação da reunião para as 13h, mas o relator pediu mais tempo e a comissão permaneceu em standby durante toda a tarde enquanto ocorriam as conversas.
Na segunda-feira desta semana, Ramos disse que trabalharia pela votação da proposta nesta semana na comissão, mas já alertava que "sempre" há o risco de adiamento.
E mesmo a leitura da primeira complementação de voto na noite da terça-feira já ocorreu após um adiamento. Inicialmente, ela estava prevista para quinta-feira da semana passada, mas foi adiada após o ressurgimento de uma discussão que já era tida como praticamente encerrada: a possibilidade de reinclusão de Estados e município no escopo das novas regras previdenciárias.
O resgate do tema, caro aos governadores que penam para equilibrar suas contas, mas polêmico para parlamentares que não querem se ver associados à reforma, trouxe novas rodadas de intensas negociações.
Procurando mostrar otimismo, se a etapa da comissão for vencida até quinta, o presidente disse esperar um quórum elevado na próxima semana no plenário da Câmara, na faixa de 495 dos 513 deputados presentes para trazer uma segurança e um "conforto" e evitar que a proposta sofra uma derrota.