"As manifestações pacíficas sempre são bem-vindas, mas os nossos métodos não podem ser os da esquerda, que sempre prejudicaram a população. Como invasão de propriedade, destruição de patrimônio e cerceamento do direito de ir e vir", disse Jair Bolsonaro na terça-feira (1/11).
Mesmo após a fala do presidente, bloqueios de rodovias por manifestantes contrários ao resultado das eleições continuam sendo registrados em ao menos 15 Estados do país, segundo levantamento da Polícia Rodoviária Federal (PRF) publicado no fim da manhã desta quarta-feira (2/11).
Um dado no levantamento da PRF chama atenção: os locais com maior número de bloqueios em rodovias federais são atualmente Santa Catarina (com 36 pontos de bloqueio), Mato Grosso (30) e Paraná (20), Estados que deram maioria dos votos a Bolsonaro na eleição e que são potências do agronegócio nacional.
Santa Catarina é o maior Estado produtor de carne suína do país e o segundo maior de carne de frango.
O Mato Grosso é o maior no abate bovino e o Paraná lidera no abate de aves — todas atividades que dependem do transporte diário de animais vivos e da carne processada.
Assim, o "cerceamento do direito de ir e vir" citado por Bolsonaro está afetando mais justamente Estados com maior percentual de eleitores do presidente e o setor da economia que mais apoiou o capitão reformado na sua tentativa frustrada de reeleição.
Levantamento da empresa BBM Logística que considera também rodovias estaduais mostra um quadro semelhante.
Segundo a operadora logística, às 8h da manhã desta quarta eram registrados 233 bloqueios em todo o Brasil, sendo os Estados mais afetados: Santa Catarina (69), São Paulo (26), Minas Gerais (24), Mato Grosso (21) e Goiás (10) — desses cinco Estados, apenas Minas Gerais deu vitória a Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Agronegócio sofre com bloqueios
O setor do agronegócio já sofre os efeitos econômicos dos bloqueios.
Na terça-feira, representante do setor de frigoríficos do Mato Grosso relatou à BBC News Brasil que a indústria de carne bovina do Estado está parcialmente parada, devido à dificuldade de transporte de animais vivos para abate.
"A gente tem abates diários e dependemos de transporte diário para a produção. Desde segunda-feira não conseguimos transitar, então a indústria está literalmente parada neste momento", disse o presidente de uma associação setorial que pediu para não ser identificado por temor de represálias.
O Estado do Mato Grosso é responsável por 16% do abate nacional de bovinos, seguido por Mato Grosso do Sul (11,3%) e São Paulo (11%), segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
No Estado, Bolsonaro teve 65% dos votos, contra 35% de Lula.
🚧 Atualização sobre os pontos de interdição nas rodovias federais do MT 🚧 pic.twitter.com/76WU3qmc1t
— prf_mt (@prf191mt) November 2, 2022
"[Os frigoríficos] estão todos parcialmente parados, com pelo menos uns 50% da produção comprometida, no mínimo", afirmou o porta-voz.
"Você tem empresas com custos fixos menores, porque são muito pequenas, até as maiores. Então, por unidade de produção, um dia parado pode representar despesas de R$ 20 mil a R$ 200 mil", estimou representante do setor, sobre o impacto econômico da parada de produção.
O setor de laticínios também já sofre com os bloqueios. Os maiores Estados produtores de leite são: Minas Gerais, com 9,7 bilhões de litros produzidos em 2020, segundo o IBGE, seguido pelo Paraná (4,6 bilhões), Rio Grande do Sul (4,3 bilhões), Goiás (3,18 bilhões) e Santa Catarina (3,13 bilhões).
Gustavo Beduschi, diretor executivo da Viva Lácteos (Associação Brasileira de Laticínios), explica que o setor é sempre um dos primeiros a serem afetados quando ocorrem paralisações das estradas, pois a coleta de matéria-prima junto aos produtores é feita de forma diária.
"Temos que rodar diariamente para coletar leite. E o derivado, mesmo sendo processado na indústria, dependendo do produto, não tem um tempo de prateleira grande. Por isso é necessário escoar logo a produção, se fica parado, vai complicando", disse em entrevista à BBC News Brasil na terça-feira (1/11).
"Há relatos de problemas de distribuição por causa das rodovias bloqueadas e começa a haver relatos de problemas de suprimento. Mas esperamos que, dentro em breve, com as ações que estão acontecendo, a gente consiga ter uma solução disso da melhor maneira possível."
Supermercados desabastecidos em Estados bolsonaristas
O presidente da Associação Brasileira de Supermercados (Abras), João Galassi, informou ao fim da tarde de terça-feira que o varejo de alimentos também começa a enfrentar dificuldades de abastecimento diante dos bloqueios de estradas promovidos por manifestantes bolsonaristas.
"Até o momento, estão mais afetadas em relação ao abastecimento Santa Catarina, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, a região norte do Pará, Rio de Janeiro, São Paulo, Distrito Federal, entre outras cidades", informou Galassi.
O placar eleitoral no segundo turno onde segundo a Associação Brasileira de Supermercados a população está ficando sem alimentos frescos nas lojas foi o seguinte:
- Santa Catarina: Bolsonaro 69%, Lula 31%
- Mato Grosso: Bolsonaro 65%, Lula 35%
- Mato Grosso do Sul: Bolsonaro 59%, Lula 41%
- Minas Gerais: Lula 50,2%, Bolsonaro, 49,8%
- Pará: Lula 55%, Bolsonaro 45%
- Rio de Janeiro: Bolsonaro 57%, Lula 43%
- São Paulo: Bolsonaro 55%, Lula 45%
- Distrito Federal: Bolsonaro 59%, Lula 41%
- Este teto foi publicado originalmente em https://www.bbc.com/portuguese/brasil-63489757