Bolsonaro contraria Mandetta e insiste na cloroquina

7 abr 2020 - 19h58
(atualizado às 20h37)

Em disputa aberta com o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, sobre o uso da cloroquina para tratar infecções por coronavírus, o presidente Jair Bolsonaro pediu a dois médicos que desenvolvam um protocolo para uso do medicamento mesmo em casos leves da doença, contrariando a posição do ministério, disseram à Reuters fontes que acompanharam a discussão.

Bolsonaro e Mandetta deixam local após entrevista coletiva em março
20/03/2020
REUTERS/Ueslei Marcelino
Bolsonaro e Mandetta deixam local após entrevista coletiva em março 20/03/2020 REUTERS/Ueslei Marcelino
Foto: Reuters

O uso da cloroquina tem sido um dos pontos usados por Bolsonaro contra Mandetta, a quem já ameaçou demitir mais de uma vez nas últimas semanas. Na segunda-feira, Bolsonaro chegou ao Planalto decidido a demitir o ministro, segundo uma fonte, irritado com o protagonismo de Mandetta e o fato de ele não seguir suas orientações.

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No mesmo dia, antes da reunião ministerial que chamou de última hora para tentar enquadrar Mandetta, Bolsonaro almoçou com a imunologista e oncologista Nise Yamagushi, do Instituto Avanços em Medicina, e o anestesiologista Luciano Dias Azevedo, ligado ao um grupo de docentes universitários bolsonaristas, o Docentes pela Liberdade.

"O presidente perguntou a eles como a cloroquina poderia ser usada em pacientes positivos para coronavírus", disse uma fonte.

Os médicos se comprometeram a preparar um protocolo sobre esse uso, e foram levados a uma reunião com o ministro da Casa Civil, Walter Braga Netto.

Aficcionado pelo uso de cloroquina, que também é defendida pelo presidente norte-americano, Donald Trump, Bolsonaro cobrou na reunião ministerial que o Ministério da Saúde adotasse um protocolo sobre o amplo uso do medicamento, em uma tentativa de reafirmar sua autoridade, disse uma fonte. Até o momento, a decisão do ministério é recomendar o uso da cloroquina apenas para pacientes hospitalizados.

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Depois de ameaçar demitir Mandetta, Bolsonaro foi convencido por outros ministros, entre militares e civis, a voltar atrás. Apesar da reunião tensa, desistiu e não chegou a falar em demissão.

Ainda assim, Mandetta foi chamado para se reunir com Yamagushi e Azevedo depois da reunião ministerial para tratar de um protocolo de uso generalizado da cloroquina.

"Me levaram, depois da reunião lá, para uma sala com dois médicos que queriam fazer protocolo de hidroxicloroquina por decreto. Eu disse a eles que é super bem-vindo, os estudos são ótimos. É um anestesiologista e uma imunologista que lá estavam", disse o ministro em entrevista depois da reunião.

"(Eu disse) que eles devem se reportar a você (secretário de Ciência e Tecnologia do ministério) Denizar Vianna, e que eles devem, nas sociedades brasileiras de imunologia e anestesia, fazer o debate entre os seus pares. Chegando a um consenso entre seu pares, o Conselho Federal de Medicina e nós aqui do Ministério da Saúde, a gente entra. A gente tem feito isso constantemente."

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Yamagushi tem recebido elogios dos bolsonaristas nas redes sociais por defender o uso de cloroquina em estágios iniciais da infecção e também o chamado isolamento vertical, em que apenas pessoas mais vulneráveis à doença devem ficar em casa.

Em entrevista à CNN Brasil, a médica explicou que tem feito o uso da hidroxicloroquina, associada a azitromicina e o sulfato de zinco.

"Estamos falando de um uso por cinco dias de uma dose muito aceitável, que está na bula, da hidroxicloroquina, juntamente com a azitromicina", disse.

Nesta terça-feira, o Ministério da Economia zerou os impostos dos três medicamentos usados no protocolo de Yamagushi. No entanto, outros que estão sendo testados com resultados promissores não entraram na lista por enquanto.

A médica defende que o medicamento possa ser dado a pessoas no início da doença, no segundo dia após manifestar os sintomas, para impedir o desenvolvimento de um processo inflamatório.

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EVIDÊNCIA CIENTÍFICA

Em entrevista nesta terça, Mandetta lembrou que o medicamento tem protocolo para usos em casos moderados e graves e não há impedimentos para ser receitado pelos médicos, mas ressaltou que o ministério precisa de mais comprovações científicas antes de adotar um uso ampliado.

"Precisamos de um pouco mais de evidência científica para isso. Agora, se o médico, da impressão que ele tem, da pouca literatura que existe, mas se ele na sua crença médica quiser, pode fazer da sua responsabilidade individual, pode fazer até um termo de consentimento para o paciente", disse o ministro, que sempre lembra os efeitos colaterais da cloroquina.

"Agora, o ministério, para adotar como medida horizontal, que é a proposta que ouvi ontem, quem deve analisar é o pessoal que está medindo, eles que têm que dar mais certeza ao Ministério da Saúde", acrescentou.

A cloroquina está sendo usada em protocolos de pesquisa para tratamento da Covid-19, assim como outros vários medicamentos, de antirretrovirais com interferon e azitromicina. Segundo Mandetta, mais de 5 mil pessoas estão participando desses estudos e os primeiros resultados devem sair até o final deste mês.

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Nesta terça-feira, a Fundação Osvaldo Cruz divulgou um estudo prévio com o antirretroviral atazanavir, que teria sido capaz de inibir a replicação do vírus e também reduzir a produção de proteínas que estão ligadas ao processo inflamatório nos pulmões e ao agravamento do quadro clínico dos pacientes.

A mesma pesquisa comparou os resultados com o uso da cloroquina. "Neste caso os resultados obtidos apenas com o atazanavir e em associação com o ritonavir foram melhores que os observados com a cloroquina o que motiva a equipe a avançar nestes estudos", disse a FioCruz.

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