Acuado pelas críticas à atuação errática no combate à pandemia de coronavírus, o Palácio do Planalto encontrou outro culpado pela explosão de casos e mortes nas últimas semanas: a nova variante do vírus surgida inicialmente em Manaus, e não a falta de apoio a normas de distanciamento ou o atraso na aquisição de vacinas.
A variante de Manaus apareceu como culpada no pronunciamento do presidente Jair Bolsonaro, na noite de terça-feira, na fala depois da reunião entre os Três Poderes na manhã desta quarta, e em falas do líder do governo na Câmara, deputado Ricardo Barros (PP-PR).
Em seu pronunciamento, Bolsonaro abriu sua fala afirmando que "estamos no momento de uma nova variante do coronavírus que infelizmente tem tirado a vida de muitos brasileiros". Na manhã desta quarta, voltou a dizer que "uma nova cepa do vírus apareceu".
Outros membros do governo também passaram a usar a nova variante como justificativa para o colapso da saúde. Em suas redes sociais, Ricardo Barros destacou uma fala sua afirmando que "a nova cepa do coronavírus é muito grave e requer medidas muito duras".
"O governo capitulou, é óbvio. Cedeu. Não houve recuo, houve capitulação. Viu que estava errado, que estava protagonizando uma série de equívocos políticos e técnicos", disse o deputado Fábio Trad (PSD-MS). "Agora tenta corrigir erros através de um discurso mais leve, mais compatível com a normalidade. Mas temos que ver que esse governo que capitulou é o mesmo que lá atrás duvidava da vacina, da máscara, do vírus."
Nos últimos dias, a comunicação do Palácio do Planalto e o próprio presidente passaram a tentar convencer a população, também, que não houve desdém ou erro em relação à aquisição das vacinas. Em postagens em redes sociais e em falas de membros do governo, o Planalto passou a tentar vender que Bolsonaro sempre investiu em vacinas, apesar dos dados mostrarem o contrário.
O governo brasileiro se recusou a negociar com o laboratório Pfizer em meados do ano passado, o próprio presidente chegou a proibir, inicialmente, a compra da vacina chinesa CoronaVac, a mais utilizada na vacinação brasileira até agora, comemorando inclusive quando houve uma suspensão temporária de testes clínicos do imunizante no Brasil.
Bolsonaro ainda duvidou por mais de uma vez da eficácia das vacinas, destacou possíveis efeitos colaterais desconhecidos e no início do ano afirmou, sem estar baseado em dados, que, pelo que sabia, "menos da metade da população vai tomar a vacina".
O discurso agora é uma tentativa de redução de danos, que busca vender uma imagem de Bolsonaro que até hoje o presidente não cumpriu e encontrar justificativas para um caos que levou a quase 300 mil mortos, com recorde de 3.251 óbitos em único dia registrado na terça-feira.
Certamente mais contagiosa, a variante de Manaus pode sim ter parte da culpa pela velocidade da transmissibilidade, mas especialistas ouvidos pela Reuters creditam a essas mutações no vírus apenas uma pequena parte do caos que o Brasil enfrenta nas últimas semanas.
"Parte do descontrole é porque tem uma variante nova circulante que é mais transmíssivel e que está conseguindo infectar de forma muito rápida grupos grandes. Mas tentar colocar a variante como principal responsável é desconhecer a história da pandemia no Brasil", disse o epidemiologista Pedro Hallal, que coordenou uma pesquisa nacional sobre a Covid.
"A combinação de uma variante mais transmissível com desrespeito a regras de distanciamento, não implementação de lockdown, desestímulo a uso de máscara, desestímulo a vacinação e a atitude criminosa de não priorizar compra de vacinas no ano passado contribuem tanto ou muito mais", afirmou.
Rivaldo Venâncio, coordenador de Vigilância em Saúde e Laboratórios de Referência da Fiocruz, é mais enfático.
"Não há elementos que possam garantir que essa drástica elevação no número de mortos seja consequência da variante P.1", diz.
Venâncio afirma que há indícios de que a variante possa estar colaborando para o aumento de casos, mas que não é possível esquecer que o país passou pelo período de festas de final de ano, férias e Carnaval com grandes aglomeração, sem qualquer distanciamento social e restrições de circulação como se a pandemia tivesse acabado.
"Observamos também uma desorganização das redes de atenção em alguma localidades achando que o problema já tivesse acontecido. Eu diria que é um somatório de fatores que estão determinando a alta mortalidade nesse momento", afirmou.