Depois de três semanas de fritura, o presidente Jair Bolsonaro anunciou nesta quinta-feira a demissão de Luiz Henrique Mandetta e a nomeação do oncologista Nelson Teich para o Ministério da Saúde, mudando o comando do enfrentamento à pandemia de coronavírus e com uma cobrança por maior atenção ao aspecto econômico da crise.
Ao apresentar Teich no Palácio do Planalto como novo ministro, Bolsonaro afirmou que começa agora uma transição que gradualmente vai servir para "redirecionar a posição" não apenas do presidente, mas dos 22 ministros que integram o governo, com relação ao novo coronavírus.
"O que eu conversei ao longo desse tempo com o oncologista doutor Nelson, ao meu lado, foi fazer com que ele entendesse a situação como um todo, sem abandonar, obviamente, o principal interesse, a manutenção da vida, mas sem esquecer que ao lado disso tínhamos outros problemas", disse Bolsonaro.
"Esse outro é a questão do desemprego, que cada vez mais nós vemos que está claro em nosso país. Junto como o vírus veio uma verdadeira máquina de moer empregos. As pessoas mais humildes começaram a sentir primeiro o problema, essas não podem ficar em casa por muito tempo", acrescentou o presidente, em pronunciamento.
Bolsonaro deixou claro que a troca dos ministros vinha se desenhando há bastante tempo e que a função de Teich será encerrar, ainda que aos poucos, o isolamento social no país, adotado na maior parte dos Estados por ordem dos governadores com o apoio de Mandetta, apesar da contrariedade do presidente.
Para Bolsonaro, somente os integrantes do grupo de risco deveriam ficar isolados, enquanto Mandetta publicamente recomendava à população que seguisse as orientações dos governadores -- que também são defendidas pela Organização Mundial da Saúde (OMS).
"Sei, repito, que a vida não tem preço. Mas a economia, o emprego, tem de voltar à normalidade. Não o mais rápido possível, como conversado com o doutor Nelson, mas tem que começar a ser flexibilizado para que não viemos a sofrer mais com isso", disse Bolsonaro.
"DIVÓRCIO AMIGÁVEL"
O presidente teve uma reunião na manhã desta quinta-feira com Teich, o primeiro dos indicados a substituir Mandetta, e havia planejado encontros com pelo menos outro médico, Claudio Lottemberg, para sexta-feira.
No entanto, de acordo com uma fonte, Bolsonaro ficou muito bem impressionado com a apresentação do médico e o convidou no início da tarde para assumir o cargo.
Mandetta, que mantivera agenda normal durante o dia, participando de duas videoconferências --uma, pela manhã, com o setor médico, e outra, à tarde, com investidores-- avisou nas duas conversas que seria demitido ainda nesta quinta ou, no máximo, na sexta-feira.
O ministro foi chamado ao Planalto pouco depois das 15h para um encontro privado, que durou cerca de meia hora. Pouco depois, o próprio Mandetta informou no Twitter que havia sido demitido. Bolsonaro disse que ambos decidiram em comum acordo.
"Agora há pouco terminei uma reunião com o ministro Mandetta e discutimos a situação atual do ministério, bem como da pandemia. Uma conversa bastante produtiva, muito cordial, onde nós selamos um ciclo no ministério da Saúde", disse Bolsonaro. "E, em comum acordo, mas o termo técnico não é esse, eu o exonero do ministério nas próximas horas."
A demissão ocorreu após três semanas de ameaças em entrevistas, discussões ásperas em reuniões e algumas tentativas de trégua que não resolveram a crise. Na última terça-feira, depois de uma reunião ministerial em que ouviu calado o presidente deixar claro que era ele quem mandava no governo, Mandetta avisou seus principais auxiliares que seria demitido até o final da semana,
Inicialmente defendido pelos ministros militares e por alguns civis, além de ter um alto apoio na sociedade, Mandetta conseguiu se segurar por mais uns dias no cargo. Mas, depois da entrevista à TV Globo no domingo, em que afirmou haver uma dubiedade no governo e que as pessoas não sabiam se deviam ouvir o presidente ou ele, o apoio dos ministros acabou.
Em seu pronunciamento ao lado de Teich, Bolsonaro admitiu que as divergências entre ele e Mandetta vinham se avolumando, mas afirmou que a situação terminou em um "divórcio amigável".
"Não condeno, não recrimino e não critico o ministro Mandetta. Ele fez aquilo que, como médico, ele achava que devia fazer", afirmou. "Ao longo desse tempo, a separação cada vez mais se tornava uma realidade, mas nós não podemos tomar decisões de forma que o trabalho feito por ele até o momento fosse perdido."
Apesar de ter defendido o oposto de Mandetta nas últimas semanas, Bolsonaro evitou criticar seu ex-ministro que, nas últimas pesquisas, conseguiu uma aprovação no combate à epidemia de mais de 70%, maior que a do próprio presidente, que ficou em 33%.
"É direito do ainda ministro (Mandetta) defender seu ponto de vista como médico, e a questão de entender a questão do emprego não foi da forma que eu, como chefe do Executivo, achava que deveria ser tratada", disse o presidente.
Mesmo com os cuidados de não ofender seu ex-ministro, o pronunciamento de Bolsonaro atraiu panelaços em várias cidades do Brasil. No Rio de Janeiro, em Brasília e em São Paulo foram registrados protestos contra o presidente e gritos de "fica, Mandetta".
NOVO MINISTRO
Em sua primeira declaração pública após a indicação para o cargo, Teich rejeitou a polarização entre economia e saúde no combate ao coronavírus, afirmando ao lado de Bolsonaro que as duas áreas caminham juntas, e se disse completamente alinhado com o presidente
Apesar de ter sido encarregado de buscar formas de permitir a retomada gradual da economia, o oncologista defendeu recentemente medidas para conter a epidemia de coronavírus semelhantes às que o ministério vem adotando atualmente.
Em um artigo publicado na rede LinkedIn, ele destaca a necessidade de "reduzir o volume de entrada simultânea" no Sistema Único de Saúde —o chamado achatamento da curva— e do isolamento horizontal.
Teich disse que, em um primeiro momento, não vai haver qualquer "definição brusca" sobre o isolamento social, mas afirmou que vai trabalhar para que sociedade retome de forma cada vez mais rápida a vida normal.
O novo ministro anunciou que uma de suas medidas será ampliar o programa de testes de Covid-19 do ministério, envolvendo tanto o Sistema Único de Saúde (SUS) como a saúde complementar, de forma a entender melhor a doença.
"Temos que entender mais da doença para administrar o momento, planejar o futuro e sair dessa política de isolamento", afirmou.
(Edição de Pedro Fonseca)