A política ambiental do presidente Jair Bolsonaro, destaque nas manchetes globais devido a polêmicos embates com governos europeus e à ampla repercussão de focos de incêndios na Amazônia, pode resultar em futuros problemas comerciais para o Brasil com a Europa.
É o que indicam deputados de centro-direita, centro-esquerda e esquerda do Parlamento alemão ouvidos pela BBC News Brasil em Berlim ao longo da última semana - alguns chegaram a usar os termos "infantil" e "valentão" para descrever o líder brasileiro.
Ao mesmo tempo em que governos de França, Finlândia e Irlanda levantaram, entre quinta e sexta-feira (22 e 23/8), a possibilidade de retaliar o Brasil e o Mercosul no âmbito comercial, parlamentares do Partido Verde (uma força emergente na política alemã), do Partido Social-Democrata (SPD, de centro-esquerda, da coligação governista) e do Partido Democrático Liberal (FDP, de centro-direita e da oposição) também demonstraram preocupação, em diferentes níveis, com o acordo de livre comércio entre a União Europeia e o Mercosul.
Enquanto membros dos verdes e do SPD dizem que o acordo pode estar em risco - os verdes até mencionam uma restrição europeia a produtos brasileiros ligados aos desmatamento da Amazônia -, os deputados do FDP são mais moderados.
Pró-comércio, os liberais-democratas defendem o acordo, mas consideram haver riscos para o pacto caso o Brasil não cumpra seu compromisso de desenvolvimento sustentável e de respeitar o Acordo Climático de Paris.
Embora nem sempre o façam explicitamente, os parlamentares do FDP não descartam a possibilidade de eventuais restrições ao Brasil.
Contudo, apoiam medidas nesse sentido apenas dentro dos mecanismos de monitoramento previstos no acordo UE-Mercosul. Os verdes, por outro lado, alegam que esse sistema não tem poder para impor punições a quem violar o tratado.
"Se o Brasil não prestar atenção à sustentabilidade de seus produtos, eles não terão chance no mercado europeu. Com ou sem acordo com o Mercosul", afirma a deputada Yasmin Fahimi (SPD), presidente do Grupo Parlamentar Teuto-Brasileiro.
"Creio que possa haver medidas temporárias para colocar pressão no governo brasileiro, mas definitivamente precisamos do acordo UE-Mercosul também porque ele oferece uma plataforma e legitimidade a esse diálogo", argumenta a deputada Sandra Weeser (FDP), integrante do Comitê de Relações Exteriores do Parlamento alemão.
Weeser, entretanto, preferiria não implementar "novas barreiras ao comércio".
Brigas com a maior economia da Europa
Brasília e Berlim têm trocado farpas sobre temas ambientais nos últimos meses.
Em junho, durante a reunião do G20 que selou o princípio de acordo UE-Mercosul, Bolsonaro ficou irritado com um comentário de Angela Merkel, no qual a chanceler (premiê) alemã demonstrava preocupação com a proteção ao meio ambiente no Brasil.
Em agosto, o Ministério do Meio Ambiente da Alemanha, em meio aos expressivos níveis de desmatamento na Amazônia, bloqueou R$ 156 milhões para projetos de conservação na região e questionou o comprometimento brasileiro em combater o problema.
A maior economia europeia também indicou que a ratificação do acordo com o Mercosul estava em risco caso o Brasil não cumprisse as obrigações ambientais.
Bolsonaro, contudo, debochou da suspensão da verba. O presidente disse que o Brasil "não precisa disso (dinheiro)" e mandou Merkel pegar "essa grana" e "reflorestar a Alemanha" porque "lá está precisando muito mais do que aqui".
O tom da resposta não agradou na Alemanha. Deputados ouvidos pela reportagem repudiaram a falta de diplomacia do presidente e disseram que Bolsonaro "joga contra o próprio interesse", além de chamá-lo de "valentão" e "infantil" pela forma como lidou com a pressão de Berlim.
Membros dos verdes começam a questionar se a estratégia alemã de enviar recados simbólicos terá algum efeito e passam a aventar medidas mais agressivas, como a restrição na Europa à soja e carne bovina brasileiras.
"A linguagem que ele entende é o comércio. É, portanto, necessário deixar de importar produtos que destruam a floresta tropical e bloquear a conclusão do acordo comercial UE-Mercosul", diz Katharina Dröge, do Partido Verde, legenda que já aparece como a maior força política na Alemanha à frente da União Democrata-Cristã (CDU) de Merkel.
Para Uwe Kekeritz, os comentários de Bolsonaro ilustram sua falta de interesse em questões ambientais. "Em vez de congelar fundos para a conservação do clima e da floresta, é necessário parar de importar produtos que destruam a floresta tropical."
Andreas Nick, deputado da CDU e membro do Comitê de Relações Exteriores do Parlamento alemão, também alerta para a necessidade de o Brasil buscar a sustentabilidade. "O Brasil é depositário da floresta tropical como um dos tesouros globais da humanidade. Isso faz com que seja necessário equilibrar o direito de desenvolvimento econômico com as responsabilidades pelo ecossistema global. O governo da Alemanha está disposto a apoiar o Brasil neste desafio."
Como as políticas e regras de comércio dos países da UE são definidas pelo bloco, os deputados alemães não poderiam impor sozinhos restrições a produtos brasileiros na Alemanha ou na Europa. Contudo, eles teriam como influenciar o governo alemão, deputados do Parlamento europeu e a Comissão Europeia a adotarem tal medida em toda a UE.
Como fica o acordo UE-Mercosul?
Os parlamentos nacionais dos países-membros da UE devem ter um papel crucial no destino do acordo com o Mercosul, uma vez que têm o poder de vetá-lo.
Segundo a Comissão Europeia, apesar de a ratificação dos tratados comerciais do bloco variar, pactos semelhantes ao do Mercosul precisaram ser validados pelos parlamentos nacionais de todos os integrantes da UE, além do Parlamento Europeu e do Conselho de Ministros da UE.
Nesse contexto, os deputados verdes e da SPD sugeriram que a retórica de Bolsonaro sobre o meio ambiente, aliada à impaciência do presidente para críticas no tema, pode impactar a ratificação do acordo com o Mercosul no Parlamento alemão.
Os parlamentares do FDP admitem que as ações de Bolsonaro representam um risco para o acordo, mas acreditam que a sua ratificação ainda é a melhor saída para os interesses comerciais de Brasil e Alemanha. Eles reforçam que o acordo implica no cumprimento da Acordo de Paris, o que ajudaria a conter o desmatamento no Brasil.
"O acordo UE-Mercosul é o melhor veículo para estabelecer padrões internacionais de sustentabilidade. Isso também significa que se um lado não respeitar as disposições, o outro lado pode sancioná-lo. Isso nos ajudará a cuidar para que o governo brasileiro comece a combater o desmatamento e não o encoraje mais", diz Weeser.
Segundo Bijan Djir-Sarai, porta-voz do FDP no Comitê de Relações Exteriores, a "retórica parcialmente ofensiva" de Bolsonaro em relação à Alemanha não é um perigo para o acordo, mas a violação dos princípios fundamentais em que o acordo se baseia. "Suas ações causam mais danos do que suas palavras", diz.
Bolsonaro, prossegue o deputado, "espezinha o Acordo Climático de Paris". Logo, a Alemanha "deve examinar criticamente a parceria com o Brasil, se o país violar o capítulo de desenvolvimento sustentável do acordo com o Mercosul".
A deputada Renata Alt (FDP), integrante do mesmo comitê, se refere ao presidente brasileiro como "o responsável pela destruição da Floresta Amazônica". "A Alemanha deveria repensar o relacionamento bilateral enquanto Bolsonaro continuar nesse caminho", defende.
Alt acredita que o acordo "é um símbolo importante contra o protecionismo", mas respeitar o Acordo de Paris "é uma parte importante do acordo UE-Mercosul". "Consequentemente, não é apenas a retórica agressiva de Bolsonaro, mas suas ações que colocam o acordo em risco", alerta.
Dúvidas no ar
Preocupados com os efeitos do desmatamento na Amazônia, Fahimi, Dröge e Kekeritz duvidam que Brasília esteja disposta a cumprir as regras de sustentabilidade do acordo.
"Creio que Bolsonaro e seu governo terão que decidir se querem ter um acordo comercial entre a UE e o Mercosul ou não. Na minha opinião, Bolsonaro faria bem ao levar em conta todo o cenário e não apenas o interesse do lobby agrícola", diz Fahimi.
Para Dröge, as ações do presidente brasileiro "mostram claramente" que o acordo com o Mercosul "é insuficiente" para enfrentar os desafios da mudança climática. "Estou convencida de que, se Bolsonaro continuar nesse caminho, o apoio ao acordo irá encolher maciçamente entre a população alemã e também no Parlamento."
Kekeritz, por outro lado, acredita que a Alemanha colocará os interesses comerciais em primeiro lugar. O deputado espera, contudo, que o acordo seja barrado nos parlamentos nacionais de outros países. "O governo pode ficar irritado com os comentários de Bolsonaro, mas não prejudicará os interesses das empresas alemãs."
Ataques à chanceler e sátira na TV
Após o último embate do presidente com Merkel, Bolsonaro foi amplamente ridicularizado em horário nobre por um programa humorístico da ARD, a principal rede de televisão pública da Alemanha.
No episódio, o presidente é associado ao filme de terror O Massacre da Serra Elétrica e aparece em uma fotomontagem com uma sunga amarela característica do personagem Borat. Bolsonaro ainda foi chamado de "o boçal de Ipanema", "o Trump do samba" e "bobo da corte do agronegócio".
A sugestão de Bolsonaro para que Merkel use o dinheiro bloqueado ao Brasil para reflorestar a Alemanha foi considerada "infantil" por Fahimi. "A verdade é que Bolsonaro quer apenas encobrir seus interesses econômicos radicais."
Bolsonaro, destaca Dröge, "certamente sabe que" a "floresta tropical brasileira tem uma função central para o clima mundial e uma biodiversidade única, que não pode ser substituída pelo plantio de árvores na Alemanha".
Para Kekeritz, o presidente brasileiro "escolhe ficar do lado errado da história" ao "desafiar uma estratégia conjunta quando se trata da solução de questões globais vitais". "A proteção das florestas brasileiras é fundamental para vencer a luta contra as mudanças climáticas. Ao fazer isso, ele está prestes a destruir não apenas o sustento da população brasileira, mas de todo o planeta e das gerações futuras."