O pastor Silas Malafaia, uma das lideranças evangélicas mais influentes do país, classificou como uma "vergonha" a possibilidade de o comando do Ministério da Educação ser entregue a um indicado do Centrão.
"Se o presidente fizesse isso, ia ser uma vergonha. Estaria indo contra aquilo tudo que ele falou", afirmou Malafaia em entrevista à BBC News Brasil.
A entrevista foi concedida na segunda-feira (28/03), horas depois de outro pastor, Milton Ribeiro, ter sido exonerado do cargo em meio ao agravamento da crise gerada após a publicação de reportagens sobre a atuação de dois pastores que estariam cobrando propina de prefeitos em troca de acesso ao agora ex-ministro e liberação de verbas da Educação.
Segundo as reportagens veiculadas pelos jornais "O Estado de S. Paulo" e "Folha de S. Paulo", dois pastores estariam cobrando até R$ 15 mil para garantir a liberação de verbas. Um áudio divulgado na semana passada mostra Milton Ribeiro afirmando que, entre suas prioridades, estaria atender pessoas próximas a um dos pastores que faziam parte de uma espécie de "gabinete paralelo" do MEC.
Em sua defesa, Milton Ribeiro negou qualquer irregularidade e disse que pediu, ainda no ano passado, que a Controladoria-Geral da União (CGU) investigasse o caso. O pedido foi confirmado pelo órgão.
Na quinta-feira (24/03), o presidente Jair Bolsonaro (PL) demonstrou apoio a Ribeiro afirmando que colocaria sua "cara no fogo" pelo ministro, mas na segunda-feira o presidente assinou a exoneração de Milton Ribeiro, que havia pedido o seu desligamento da pasta em uma carta.
Nos últimos dias, Malafaia criticou Ribeiro e chegou a pedir a sua exoneração ao mesmo tempo em que defendia o presidente Jair Bolsonaro, de quem é aliado.
À BBC News Brasil, Malafaia disse que o caso não afetará o mundo evangélico, que Bolsonaro deverá obter pelo menos 60% dos votos evangélicos nestas eleições e que a bancada religiosa irá aumentar em relação a 2018. Malafaia disse, ainda, acreditar na honestidade de Bolsonaro, mas questionado sobre se colocaria a "mão no fogo" pelo presidente, hesitou.
"Eu não posso colocar a mão no fogo nem por filho meu. Já disse para você: eu não tenho atributos da onisciência e onipresença. Mas eu acredito no presidente", afirmou.
Confira os principais trechos da entrevista:
BBC News Brasil - Quão prejudicial o caso envolvendo o agora ex-ministro Milton Ribeiro é para a comunidade evangélica?
Silas Malafaia - Seria prejudicial se nós encobríssemos ou protegêssemos o ministro e os pastores envolvidos. Se a gente se omite e se cala, quem cala consente. Quem fica quieto é permissivo. Mas dentro do momento, nós nos posicionamos. Queremos uma investigação total. Somos mais de 200 mil pastores e não vamos receber pecha de corrupto por causa de dois caras. Num primeiro momento, nós somos questionados. A instituição "pastor" é questionada, mas nós tivemos uma voz muito forte. Queremos uma investigação. Gente ruim e corrupta tem em todo lugar e nós não somos isentos nesse negócio.
BBC News Brasil - O senhor acha que o presidente Jair Bolsonaro demorou para decidir pela exoneração de Milton Ribeiro?
Malafaia - Eu acho que no primeiro momento, quando o caso veio à tona, acho que o presidente precisava se posicionar e dar uma palavra. Convocar a imprensa e dizer: 'Recomendar alguém para um ministro atender não significa que o ministro tem que fazer o que esse alguém está pedindo'. Isso é republicano. Eu não acho que o problema é o presidente mandar o ministro receber alguém. Eu só acho que o presidente podia rapidamente esclarecer e afastar o ministro.
BBC News Brasil - Na quinta-feira (24/03), o presidente Bolsonaro disse que colocaria a cara dele no fogo pelo ministro Milton Ribeiro. O senhor acha que ele errou nessa declaração?
Malafaia - De zero a dez, eu dou oito para acreditar que o ministro não esteja envolvido em nada. Eu não dou dez que eu não boto a mão no fogo nem por filho, porque o ser humano é de uma complexidade enorme e eu não tenho atributos divinos de onipresença e onisciência.
Essa força de expressão é pra dizer que acredita na inocência dele. Eu também acredito. Não vou dizer que acredito 100%, porque eu não sei, mas vou dizer que, na dúvida, eu dou credibilidade a ele. Mas queremos uma investigação profunda - seja sobre ele, seja sobre os pastores. Eu não acho que você 'botar a mão no fogo' por alguém o isenta de alguma coisa. Essa força de expressão do presidente, de dizer que confia no Milton, é uma força de expressão exagerada porque ele poderia dizer: 'Olha, por enquanto eu confio no Milton, até que me provem o contrário'.
BBC News Brasil- Aproveitando essa figura de linguagem, o senhor coloca sua mão no fogo pelo presidente Jair Bolsonaro?
Malafaia - Eu não posso colocar a mão no fogo nem por filho meu. Já disse para você: eu não tenho atributos da divindade de onisciência e onipresença. Eu acredito no presidente. Pelo histórico dele. Por que o presidente iria se sujar com um negócio de dois pastores? Isso aí não tem cabimento. Isso é tentativa do PT de jogar lama no presidente. Não tem cabimento.
BBC News Brasil- O áudio do agora ex-ministro Milton Ribeiro é muito claro. Ele diz o seguinte: Minha prioridade é atender os municípios que mais precisam e em segundo lugar os amigos do pastor Gilmar porque esse foi um pedido do presidente. Aí não há nenhuma menção a uma simples apresentação (dos pastores ao ministro). Ele diz que a priorização seria um pedido do presidente...
Malafaia - Entre a fala do ministro e a fala do presidente tem uma distância daqui para a China. Entre o que o ministro está falando e o que o presidente falou... o camarada quer chegar na frente do outro para poder fazer graça... [...] O presidente eu conheço como é. Eu duvido que ele tenha dito: 'Olha, dá prioridade aí para o que o Gilmar quer'. Se o presidente disse isso, eu mudo de nome.
BBC News Brasil- Considerando a proximidade que ocorre neste governo entre o governo e a comunidade evangélica, o senhor acha que essa aproximação se deu da forma adequada? O senhor acha adequado que haja pastores formando a agenda para ministros de Estado?
Malafaia - Eu não acho nada demais. O pastor é um cidadão como qualquer outro. Assim como o governo Lula recebia sindicalista de tudo que é lugar porque era o segmento mais afeito a eles. Eu não acho nada demais. O que eu acho demais é pastor ser lobista. Isso é que é demais. O pastor deixou de ser cidadão porque é pastor? Claro que não. Agora, pastor se usar disso para fazer lobby é uma vergonha.
BBC News Brasil- A pesquisa mais recente do Datafolha indica que o eleitorado evangélico está dividido: 37% por cento com Bolsonaro e 34% por cento com Lula. Por que, na sua avaliação, o eleitorado evangélico está dividido entre esses dois candidatos?
Malafaia - Para mim, a pesquisa é mentirosa e eu vou provar. A revista Exame mostrou Bolsonaro com 53% e Lula com 30% e alguma coisinha. [Nota: os dados exatos da pesquisa Exame/IDEA sobre eleitorado evangélico são: 54% para Bolsonaro e 21% para Lula]. Eu posso não entender de outros segmentos, mas de mundo evangélico eu entendo. Eu mudo de nome: 'Bolsonaro tem no mínimo 60% do povo evangélico' [...] Eu conheço os 100 maiores líderes evangélicos desse país. Eu quero saber qual deles está dando apoio a Lula. Não conheço nenhum.
BBC News Brasil- Para o senhor, sempre fica muito claro que é quase incompatível para um evangélico ser de esquerda ou votar na esquerda. Por quê?
Malafaia - Bem. Existe uma coisa que são os fundamentos do Evangelho e isso é inegociável. Por exemplo: aborto, casamento com pessoas do mesmo sexo. É princípio. É fundamento. Deus fez macho e fêmea. Como é que eu posso apoiar alguém que defende o aborto?
BBC News Brasil- Mas as discussões em torno do aborto e em torno dos direitos às minorias como LGBT sempre estiveram presentes dentro do PT e mesmo assim em 2002 e 2006 o senhor apoiou o candidato o então candidato Lula...
Malafaia - O PT nunca mostrou isso bem claro lá atrás. Isso começou nos debates a partir de 2006, no Congresso Nacional. Foi lá que o PT mostrou. Eu apoiei Lula e nunca escondi isso. Eu acreditava que Lula podia resgatar o país, porque ele veio de um lugar de gente pobre, ele veio do Nordeste. Eu acreditava nisso, amigo. Apoiei ele em 2002, em 2006, não. [Nota: em seu próprio perfil no Twitter, Malafaia admite que apoiou o petista em 2006]. Participei do conselho de Lula e, quando eu vi a diferença entre o discurso e a prática, eu pedi pra sair. Então o PT botou as unhas de fora sobre essas questões a partir de 2006. Antigamente, estavam calados. Não falavam de aborto e nem diziam nada sobre casamento gay. Então essa conversa não me pega. Quando eu descobri a diferença entre discurso e prática, eu caí fora. Porque, meu amigo: apoiar alguém não é problema. Se manter no erro é que é problema.
BBC News Brasil- Mas como é possível acreditar que esse apoio que o senhor e outras lideranças do mundo evangélico dão para o presidente Bolsonaro apoio genuíno quando consideramos que no ano passado, com o aval do presidente, o governo anistiou R$ 1,4 bilhão em dívidas de igrejas, muitas delas evangélicas?
Malafaia - Nós temos direito constitucional de imunidade tributária. O governo não fez favor nenhum para a gente. Lula nunca teve nenhuma atitude em relação à Igreja, à religião. O governo Dilma teve um secretário da Receita que começou a colocar pegadinhas para tentar nos ferrar.
BBC News Brasil- De qualquer forma, o que ocorreu é que no ano passado, com aval do presidente, houve essa anistia...
Malafaia - Anistia porcaria nenhuma. Direito que vocês da imprensa não investigam para mostrar isso com transparência [...] E outra... não saiu do presidente (a anistia). Foi no Congresso Nacional. O Congresso Nacional reconhece a imunidade tributária da instituição.
BBC News Brasil- Agora que o ministro Milton Ribeiro está fora, o senhor acredita que esse cargo tem que ser preenchido por alguém ligado à comunidade evangélica? O senhor teme que o Centrão ocupe esse cargo?
Malafaia - Na minha opinião seria uma falta de ética monstruosa se algum líder evangélico viesse a indicar outro ministro. Em primeiro lugar, Milton não foi indicado por nenhum de nós. Milton não é indicação da bancada evangélica nem de liderança evangélica. Quero deixar isso aqui bem claro. E nós não estamos indicando ninguém. Isso é uma questão do presidente. E se algum líder evangélico abrir a boca, com todo o respeito: é uma vergonha. Nem que o presidente me perguntasse, eu diria: 'Eu não tenho nenhum nome para ajudar'
BBC News Brasil- Mas em relação à possibilidade de o Centrão ocupar esse cargo. Como o senhor vê isso?
Malafaia - Me diz uma estatal que o Centrão nomeou... Quem? Dos ministérios de verbas bilionárias, quem é que está lá do Centrão?
BBC News Brasil- O FNDE está com Centrão. O FNDE tem um orçamento de R$ 64 bilhões...[Nota: o presidente do Fundo Nacional do Desenvolvimento da Educação é Marcelo Lopes da Ponte, ex-chefe de gabinete de Ciro Nogueira, um dos líderes do Centrão].
Malafaia - Com todo o respeito, não foi entregue nada agora. É só ver a nomeação dos caras. Então, essa não vale.
BBC News Brasil- Mas como o senhor avaliaria se esse cargo fosse entregue a um indicado do Centrão?
Malafaia - Não acredito que o presidente vai fazer isso, mas já que você quer uma conjectura: se o presidente fizer isso, ia ser uma vergonha. Estaria indo contra aquilo tudo que ele falou [...] Se o presidente entregar o MEC ao Centrão, aí você pode dizer que o presidente se rendeu a eles.
BBC News Brasil- O senhor teme que esse caso no Ministério da Educação tenha o mesmo impacto que o caso da Máfia das Sanguessugas, em 2006, que resultou em uma redução de 50% na bancada evangélica no Congresso na época? [Nota: a Máfia das Sanguessugas foi um caso de corrupção que veio à tona em 2006 e que consistia no direcionamento de licitações para a compra de ambulâncias com dinheiro repassado por emendas parlamentares. Entre os condenados, havia pastores evangélicos].
Malafaia - Em primeiro lugar, estamos falando de dois pastores que não estão nem entre os 100 maiores líderes evangélicos desse país. Isso não diz nada. O mundo evangélico sabe quem é quem no nosso meio. Você está falando da Máfia das Sanguessugas, mas tinha um monte de gente envolvida e eu queria informar para você que no governo Dilma também tinha evangélicos próximos. Então, não vão ser dois pastores que vão jogar na lama mais de 200 mil. A bancada evangélica vai aumentar. Isso não é motivo para diminuir a bancada. Não tem deputado evangélico envolvido nesse negócio até aqui. E se tiver, que venha à tona, por favor, para o nosso povo não eleger esses caras.