Bolsonaro se defende sobre ida a embaixada da Hungria: 'Não há preocupação com prisão preventiva'

Analistas ouvidos pela BBC News Brasil se dividem sobre a possibilidade de ida à representação diplomática húngara embasar um pedido de prisão preventiva do ex-presidente

26 mar 2024 - 18h28
(atualizado em 27/3/2024 às 21h45)
Bolsonaro passou dois dias na embaixada da Hungria
Bolsonaro passou dois dias na embaixada da Hungria
Foto: Reuters / BBC News Brasil

Nesta quarta-feira (27/03), a defesa de Jair Bolsonaro (PL) enviou ao Supremo Tribunal Federal (STF) uma petição afirmando que o ex-presidente não está preocupado com a possibilidade de prisão preventiva, portanto "seria ilógico supor" que ele tinha interesse em "alguma espécie de asilo diplomático" na Hungria.

As suspeitas de que Bolsonaro havia pedido asilo ao país europeu surgiram nesta semana, quando o jornal americano The New York Times (NYT) revelou que ele se hospedou na embaixada da Hungria, país governado por seu aliado Viktor Orbán, entre 12 e 14 de fevereiro.

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Dias antes de sua estadia na embaixada, a Polícia Federal havia feito uma operação contra várias pessoas ligadas a Bolsonaro, prendido quatro assessores próximos e apreendido o passaporte do ex-presidente. O ex-presidente é suspeito de ter participado de uma tentativa de golpe para permanecer no poder após as eleições de 2022. O ex-presidente nega e diz que sempre agiu nos limites da Constituição.

A revelação do NYT e a suspeita de que Bolsonaro tenha pedido asilo levou a Polícia Federal a investigar as circunstâncias dessa estadia na embaixada, de acordo com uma fonte da PF ouvida pela BBC News Brasil.

Também motivou o ministro Alexandre de Moraes, relator no STF do inquérito sobre o golpe, a dar 48h para que Bolsonaro se explicasse.

Em resposta à intimação do STF, os advogados de Bolsonaro enviaram uma petição afirmando que o ex-presidente não tem a intenção de fugir da Justiça e que se hospedou na embaixada para manter contato com o governo húngaro.

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Eles citam a proximidade de Bolsonaro com Orbán e afirmam que ele "tem uma agenda de compromissos políticos extremamente ativa", incluindo o contato com "lideranças estrangeiras alinhadas com o perfil conservador".

"Nesse contexto, o Peticionário [Bolsonaro] mantém a agenda política com o governo da Hungria, com quem tem notório alinhamento, razão por que sempre manteve interlocução próxima com as autoridades daquele país, tratando de assuntos estratégicos de política internacional de interesse do setor conservador", diz o documento.

Bolsonaro já havia confirmado publicamente que esteve na embaixada.

O ministro Alexandre de Moraes enviou as informações prestadas pela defesa do ex-presidente para a Procuradoria-Geral da República (PGR) dar seu parecer, com prazo de cinco dias. Somente depois do parecer, o ministro vai analisar o caso.

Embaixadas estrangeiras são "invioláveis" segundo o direito internacional, ou seja, autoridades brasileiras não poderiam entrar no local sem o consentimento daquele país.

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Assim, nos dias em que esteve na embaixada da Hungria, Bolsonaro poderia estar fora do alcance de eventuais medidas da Justiça contra ele.

Moraes já afirmou em uma decisão anterior que pedidos de asilo político podem configurar uma tentativa de evitar a aplicação da lei e justificar uma prisão preventiva.

Mas especialistas ouvidos pela BBC News Brasil divergem se a estadia de Bolsonaro na embaixada húngara pode levar a uma prisão preventiva do ex-presidente.

O que diz Bolsonaro

Os advogados do ex-presidente afirmam que ele "jamais deixou de comparecer a qualquer ato para o qual foi intimado" e que tanto seu endereço residencial quanto o seu endereço comercial em Brasília são conhecidos.

A defesa afirma que Bolsonaro avisou a Justiça na sua última viagem - para a posse do presidente Argentino Javier Milei - e pediu autorização ao STF para aceitar o convite do primeiro ministro Benjamin Netanyahu para ir à Israel. O Supremo ainda não respondeu ao pedido, feito neste mês.

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A autorização seria necessária porque o ex-presidente está proibido de viajar para fora do país e não pode manter qualquer tipo de comunicação com os outros investigados do inquérito sobre o golpe, incluindo por meio de seus advogados.

Os advogados argumentam ainda que o fato de Moraes ter determinado essas proibições seria um indício de que a decretação de uma medida mais severa, como prisão preventiva, não seria iminente.

"Diante da ausência de preocupação com a prisão preventiva, é ilógico sugerir que a visita do peticionário [Bolsonaro] à embaixada de um país estrangeiro fosse um pedido de asilo ou uma tentativa de fuga", dizem os advogados.

"A própria imposição das recentes medidas cautelares tornava essa suposição altamente improvável e infundada."

"Não há, portanto, razões mínimas e nem mesmo cenário jurídico a justificar que se suponha algum tipo de movimento voltado a obter asilo em uma embaixada estrangeira ou que indiquem uma intenção de evadir-se das autoridades legais ou obstruir, de qualquer forma, a aplicação da lei penal", dizem os advogados.

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O que é prisão preventiva?

A prisão preventiva é uma medida temporária que pode ser tomada durante um processo penal se alguns requisitos forem cumpridos.

Ela é possível, por exemplo, se Bolsonaro violar ou tentar violar alguma restrição imposta pelo STF em meio à investigação da tentativa de golpe.

O descumprimento das determinações do STF poderia justificar um pedido de prisão preventiva, explica a criminalista Beatriz Alaia Colin, do escritório Wilton Gomes, mas isso não aconteceria de forma automática.

O pedido deve ser feito pela PGR e autorizado pelo ministro Alexandre de Moraes.

Deputados federais pediram a prisão preventiva de Bolsonaro à PGR e ao STF na segunda-feira (25/3).

Mas a ida de Bolsonaro para a embaixada não configura uma saída do território nacional, explica o advogado Thiago Amparo, professor de direito da Fundação Getulio Vargas (FGV).

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Isso porque a inviolabilidade das embaixadas, prevista na Convenção de Viena, não significa que elas sejam consideradas um território estrangeiro dentro de um país, afirma Amparo.

"É uma confusão bem comum", diz o advogado.

Os advogados do ex-presidente também incluiram essa informação em sua argumentação.

Uma prisão preventiva também poderia ser decretada caso a Justiça entenda que a medida é necessária para a "conveniência da instrução criminal", quando o suspeito ameaça testemunhas, por exemplo, ou se está forjando ou destruindo provas, explica o criminalista Raul Abramo.

Ou para a "garantia de futura aplicação da lei penal", ou seja, se houver provas de que o acusado está prestes a fugir para não cumprir a pena de uma eventual condenação.

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"No caso de Bolsonaro se evadir para um país - especialmente um que não tem acordo de extradição com o Brasil [como é o caso da Hungria] - ele ficaria inatingível pelo Estado brasileiro, o que entraria em 'garantia de aplicação da pena'", diz Abramo.

Mas a simples estadia na embaixada não seria prova de que há risco de Bolsonaro fugir do país, avalia o criminalista.

Pedido de asilo poderia levar a prisão preventiva?

O asilo político é regido pelo direito internacional, e cada país tem procedimentos específicos para isso e a prerrogativa de atender ou não um pedido.

As regras da União Europeia, da qual a Hungria faz parte, preveem que o solicitante deve ser vítima de uma perseguição ou deve haver um risco real de essa pessoa sofrer danos graves.

No entanto, em última instância os Estados podem conceder ou não um asilo de forma bastante livre.

Um suposto pedido de asilo de Bolsonaro poderia ser levado em consideração pela Hungria de Orbán, segundo analistas, porque os dois são aliados próximos - o ex-presidente brasileiro foi chamado de herói pelo premiê húngaro.

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Dawisson Belém Lopes, professor de política internacional e comparativa na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), diz que os dois compartilham "uma visão de mundo lastreada por autoritarismo e religiosidade".

Belém Lopes diz que não acredita que a estadia do ex-presidente na embaixada não esteja relacionada a um pedido de asilo.

"A ideia de que Bolsonaro pernoitou na embaixada da Hungria em Brasília - cidade onde mantém residência - para manter contatos de trabalho, em pleno Carnaval, logo após o juiz Alexandre de Moraes ter confiscado seu passaporte, é absurda, para não dizer risível", diz ele.

O criminalista Raul Abramo diz ser discutível se um pedido de asilo, caso tenha de fato ocorrido, seria evidência de que Bolsonaro teria tentado se blindar de medidas judiciais contra ele.

"Minha interpretação é de que não seria suficiente. Não representa uma tentativa de fuga expressa, porque, mesmo na embaixada, ele está dentro do território brasileiro", afirma Abramo.

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"Mesmo que conseguisse asilo e proteção na embaixada, ele passaria por um filtro do Estado para sair do país. O Brasil ainda poderia impedir sua saída, porque tem soberania sobre suas fronteiras. Mas é algo que pode ser analisado de forma diferente pela Justiça."

Já o especialista em direito criminal Miguel Pereira Neto acredita que o pedido de asilo poderia, sim, embasar a decretação de uma prisão preventiva.

"Pedir asilo em uma embaixada, quando uma série de medidas cautelares estavam sendo cumpridas, é um grande indício para frustrar a aplicação da lei e tumultuar a instrução criminal, além de caracterizar preparação para fuga", afirma Pereira Neto, que é conselheiro do Instituto dos Advogados de São Paulo (IASP).

A criminalista Beatriz Alaia Colin diz que, em sua interpretação, o pedido de asilo não configuraria uma tentativa de fuga, porque não há um mandado de prisão expedido para o ex-presidente.

No entanto, é possível que a Justiça entenda que "um pedido de asilo impediria, de certa forma, a aplicação da lei penal brasileira, o que, junto a outros fundamentos, poderia embasar um pedido de prisão preventiva", diz Colin.

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Analistas políticos têm apontado, no entanto, que no caso de Bolsonaro, o ministro Alexandre de Moraes tem evitado tomar medidas drásticas para evitar acusações de parcialidade.

Bolsonaro tem afinidade política com o premiê húngaro, o político de extrema direita Viktor Orbán
Foto: EPA / BBC News Brasil

Entenda o caso da embaixada

A revelação sobre a estadia de Jair Bolsonaro por dois dias na embaixada húngara foi feita pelo The New York Times a partir de vídeos de câmeras de segurança que mostram o ex-presidente circulando pelo local.

O jornal disse que houve na ocasião uma "aparente tentativa de pedir asilo político".

O caso teve repercussão internacional. As reportagens de jornais de outros países chamaram atenção para os laços entre Bolsonaro e Orbán e as investigações em curso que envolvem o ex-presidente.

O episódio também levou o governo brasileiro a chamar o embaixador da Hungria, Miklos Halmai, para pedir explicações.

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Halmai manteve-se em silêncio na reunião com a chefe do Itamaraty para Europa, Maria Luisa Escorel, que durou apenas 20 minutos, de acordo com o jornalista Jamil Chade, do portal UOL.

A defesa do ex-presidente disse que ele esteve na embaixada para "manter contatos com autoridades do país amigo".

"Nos dias em que esteve hospedado na embaixada magiar [húngara], a convite, o ex-presidente brasileiro conversou com inúmeras autoridades do país amigo atualizando os cenários políticos das duas nações", diz a nota, assinada por seus advogados.

"Quaisquer outras interpretações que extrapolem as informações aqui repassadas se constituem em evidente obra ficcional, sem relação com a realidade dos fatos."

Bolsonaro, por sua vez, disse ao portal Metrópoles que mantém "um círculo de amizade com alguns chefes de Estado pelo mundo".

"Estão preocupados. Eu converso com eles assuntos do interesse do nosso país. E ponto-final. O resto é especulação", afirmou à Bolsonaro.

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Depois, na saída de um evento em São Paulo, Bolsonaro afirmou a jornalistas: "Dormir na embaixada, conversar com embaixador, tem algum crime nisso?".

*Com reportagem de Leandro Prazeres e Letícia Mori, da BBC News Brasil em Brasília e São Paulo.

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