Brasil chega dividido à votação do impeachment de Dilma

17 abr 2016 - 08h08
(atualizado às 10h43)

A votação do pedido de impeachment da presidente Dilma Rousseff no plenário da Câmara dos Deputados neste domingo é o ápice da mais grave crise política nas últimas décadas, que levou o País a um clima de Fla-Flu poucas vezes visto na sua história.

Os dois lados têm afirmado nos últimos dias que possuem os votos necessários: o governo para barrar o impeachment e a oposição para aprovar o pedido de abertura de processo de impedimento.

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Foto: Reuters

A situação do governo se agravou na última semana, com a debandada de parlamentares da base aliada, como os do PP e do PSD, depois do desembarque no fim de março do PMDB, até então maior partido da coalizão governista.

O clima no Congresso parecia amplamente favorável à oposição até quinta-feira, mas entre sexta e sábado surgiram sinais de que o governo estaria conseguindo reverter alguns votos a seu favor e mesmo atraindo alguns indecisos para seu lado, tornando o desfecho da votação no domingo ainda mais incerto.

Para o impeachment ser aprovado, são necessários os votos de 342 deputados, ou dois terços da Câmara dos Deputados.

Caso a Câmara autorize a instauração de processo de impedimento de Dilma, o Senado terá de decidir se referenda a decisão dos deputados. Se o fizer, a petista será afastada temporariamente da Presidência até a conclusão de seu julgamento e será substituída pelo vice-presidente Michel Temer (PMDB).

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Se o caso chegar a ser julgado pelo Senado e Dilma condenada, ela será a primeira presidente a perder o cargo desde o impeachment do ex-presidente Fernando Collor de Mello, em 1992.

Processo contra Dilma aprofunda divisão do Brasil
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Sem vida fácil

Reeleita em outubro de 2014 pela margem mais estreita desde a redemocratização do país, Dilma não teve vida fácil desde o início do atual mandato, nas searas política e econômica.

Ao contrário das eleições anteriores, quando o candidato derrotado no segundo turno das eleições assumia uma oposição moderada ao novo governo, tanto o senador Aécio Neves (PSDB-MG) como muitos de seus eleitores decidiram não dar trégua a Dilma.

Pouco depois das eleições, o PSDB entrou com recurso pedindo a recontagem dos votos e com ações na Justiça Eleitoral demandando a cassação da chapa vencedora.

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A isso se somou um crescente descontentamento dentro da base parlamentar governista, cultivado ao longo dos quatro anos do primeiro mandato devido ao tratamento dado pelo Palácio do Planalto a parlamentares aliados, muito diferente dos tempos do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Um fator decisivo na relação do governo com o Congresso foi a eleição à presidência da Câmara do deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), no início de fevereiro de 2015.

Apoiado em grande parte justamente no descontentamento da base com o governo, Cunha foi eleito com folga e assumiu uma postura muito mais independente --e algumas vezes até de hostilidade-- em relação ao Executivo do que qualquer outro presidente da Câmara, num relacionamento que foi se deteriorando rapidamente até levar ao rompimento do deputado com o governo em julho do ano passado.

Antes disso, grandes manifestações em todo o país em março e abril de 2015 começavam a direcionar o descontentamento de parcela relevante da população mais diretamente ao governo federal e a Dilma do que havia ocorrido nos protestos de junho de 2013, iniciados contra o aumento das tarifas de ônibus nas grandes capitais.

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Ao mesmo tempo, a economia brasileira entrava em uma das recessões mais profundas da história do país, em meio a forte desequilíbrio fiscal, inflação elevada e desemprego cada vez maior.

Para tentar reorganizar as contas públicas, Dilma e o então ministro da Fazenda, Joaquim Levy, adotaram um ajuste fiscal que contrariava em grande medida o discurso da campanha eleitoral que reelegeu a presidente.

A acentuada piora na economia levou a popularidade de Dilma a quedas recordes consecutivas, e não demorou muito para a palavra impeachment começar a ser mencionada aqui e ali.

Para tentar reverter a fragilidade no Congresso, Dilma recorreu a Temer para que ele assumisse a coordenação política do governo.

Mas a relação de Temer com a equipe próxima a Dilma nunca engrenou e foi piorando com o passar do tempo, azedando de vez quando o vice fez um pronunciamento à imprensa afirmando que era preciso alguém para unificar o país, no que governistas viram como uma declaração em que ele apontava para si mesmo como capaz de realizar essa tarefa.

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Lava Jato

Novas fases da operação Lava Jato, que investiga um esquema bilionário de corrupção, envolviam cada vez mais políticos do PT e aproximavam o escândalo do governo com prisões e seguidas delações premiadas.

Mas não só o governo. O próprio Cunha é alvo de inquéritos, assim como o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), e a preocupação com o andamento das investigações é muito grande entre parlamentares.

Também no foro policial, Lula se tornou alvo de uma série de denúncias, que levariam finalmente a uma condução coercitiva em março para depoimento na Lava Jato e a um pedido de prisão preventiva pelo Ministério Público de São Paulo, por acusações de ocultação de patrimônio e supostas ligações com empreiteiras investigadas na operação.

O contágio de Dilma ao cerco investigativo contra Lula se deu no imbróglio da nomeação de seu antecessor como ministro-chefe da Casa Civil, suspensa por decisão liminar do Supremo Tribunal Federal (STF), e no vazamento de um áudio entre os dois que foi interpretado como uma tentativa de interferência na Justiça.

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Antes mesmo disso, um dos inúmeros pedidos de impeachment apresentados contra Dilma fora finalmente aceito por Cunha em dezembro do ano passado. Embalada pelas decisões do Tribunal de Contas da União (TCU) contra as chamadas pedaladas fiscais --atrasos nos repasses do Tesouro a bancos públicos para o pagamento de programas do governo-- nas contas de 2014, a oposição buscava formular um pedido de impeachment que fosse aceito por Cunha.

Com o entendimento de que atos anteriores ao atual mandato não poderiam ser objeto de denúncia, Cunha finalmente aceitou um pedido que aponta atrasos de repasses do Tesouro ao Banco do Brasil por conta do Plano Safra e a edição de decretos com créditos suplementares sem autorização do Congresso, ambos ocorridos em 2015.

Apresentado pelos juristas Miguel Reale Jr. e Hélio Bicudo e pela advogada Janaína Paschoal, o pedido original apresenta várias outras acusações, mas Cunha restringiu a denúncia aceita a esses dois pontos.

Batendo na tecla que nada no pedido de impeachment representa crime de responsabilidade, de modo que não há base para o impedimento, Dilma passou a repetir cada vez mais que é alvo de uma tentativa de golpe.

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Os que defendem o impeachment dizem que as pedaladas fiscais são as principais responsáveis pela desorganização das contas públicas, que levaram à inflação e ao desemprego.

No meio disso tudo, o acirramento político no país, não apenas dentro do Congresso Nacional, mas especialmente nas ruas, foi formando um ambiente de profundas radicalização.

Nesse cenário, o impedimento de Dilma poderia ser o primeiro passo numa tentativa de superar a crise político-econômica do Brasil, mas pode também servir para aprofundar ainda mais as divisões existentes.

"O impeachment é uma janela de oportunidade para interrupção do impasse político", disse o cientista político Rafael Cortez, da consultoria Tendências, num possível cenário positivo para um processo traumático como é o do impeachment, embora avalie que o impedimento por si só não garantirá o fim da crise.

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Numa avaliação mais pessimista, o cientista político Carlos Melo, do Insper, lembra o afastamento de Collor e garante que são há comparação entre as duas situações.

"O impeachment do Collor unificou o país, foi uma comemoração cívica. Esse impeachment não vai unificar o país", afirmou Melo.

Nem, tampouco, o país deve voltar a se unir se o impeachment for derrotado.

Congresso marcado por corrupção decide futuro de Dilma
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