Brasil seria 'lugar perfeito' para Snowden, mas custo pode ser alto

20 fev 2014 - 16h29
(atualizado às 17h21)
<p>Bandeira de Snowden em frente ao Reichstag, câmara dos deputados da Alemanha (imagem de arquivo)</p>
Bandeira de Snowden em frente ao Reichstag, câmara dos deputados da Alemanha (imagem de arquivo)
Foto: Tobias Schwarz / Reuters

O Brasil seria "o lugar perfeito" para abrigar Edward Snowden, pivô dos escândalos que abalaram a comunidade de espionagem americana, na opinião do autor de um livro sobre a saga do ex-prestador de serviços da Agência de Segurança Nacional (NSA, na sigla em inglês).

Luke Harding, jornalista do diário britânico The Guardian, traz à tona detalhes intrigantes sobre Snowden, como as suas referências na direita americana, em particular as ideias consideradas ultraliberais do senador republicano Ron Paul.

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Para o repórter do jornal onde apareceram as primeiras reportagens sobre o tema, o Brasil é "perfeito" para abrigar o informante mais procurado do mundo, hoje asilado na Rússia. Harding lembra que o Brasil é um país "grande, importante, democrático", onde Snowden tem amigos. Por outro lado, o próprio Harding reconhece que "para qualquer país ocidental democrático, dar asilo a Snowden implicaria uma grande conta a pagar na relação com os EUA".

"Basicamente, seria uma grande bomba transatlântica explodindo", disse Harding à BBC Brasil. "Nenhum líder, seja Dilma Rousseff do Brasil ou Angela Merkel da Alemanha, está disposto a suportar tamanho prejuízo bilateral. Quase por default, Snowden está preso em Moscou."

O jornalista é autor de Os Arquivos Snowden - Os Bastidores da História do Homem Mais Procurado do Mundo, que chega às livrarias brasileiras distribuído pela editora LeYa. No livro, ele recapitula a história com detalhes de quem a viu por dentro: Harding fazia parte da equipe londrina do Guardian que analisou os arquivos vazados por Snowden relativos ao serviço secreto de inteligência, GCHQ.

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"Vimos que se tratava de um momento histórico importante, e alguém precisava escrever essa história", afirmou o jornalista.

'Patriota' e de 'direita'

As ações de Snowden o transformaram, aos olhos de muitos, em mártir da liberdade de expressão. Nesta semana, o informante foi escolhido com folga como líder honorário do grêmio estudantil da Universidade de Glasgow, na Escócia.

Em janeiro, Snowden foi incluído no conselho diretor da Fundação para a Liberdade de Imprensa (Freedom of the Press Foundation). A organização foi fundada por Daniel Ellsberg, que antes da era WikiLeaks e da NSA mantinha a reputação de informante mais proeminente dos Estados Unidos (ele vazou os chamados Documentos do Pentágono nos anos 1970).

Brasileiros erguem placas pedindo para que o Brasil abrigue Edward Snowden
Foto: Reuters

A celebração em torno de Snowden está possivelmente ligada à ideologia do homem que se enxerga, na descrição de Harding, como um patriota americano. Snowden era um admirador do republicano libertário Ron Paul, um analista de inteligência que mantinha uma cópia da Constituição americana em sua escrivaninha no Havaí.

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"Quando juntamos os pedaços da história, o mais interessante é perceber que ele (Snowden) não vem da esquerda; vem da direita", afirma Harding. "Fundamentalmente, ele é um patriota e um idealista que fez estas coisas extraordinárias não por vaidade ou porque quisesse acabar com o sistema, mas porque queria reformar o sistema."

Harding sustenta que a finalidade de Snowden não era necessariamente desmantelar a rede de inteligência americana, mas fortalecê-la através de um debate público sobre o seu funcionamento e alcance.

"Ele achava que os programas (de monitoramento) tinham de operar com a concordância do público, e não em segredo, autorizados por um grupo de autoridades não eleitas pelo povo", disse o jornalista. Segundo o autor, Snowden crê que as operações da NSA "subvertem a lógica da internet" e "desrespeitam a Constituição americana".

Edward Snowden, em imagem divulgada por ocasião das primeiras denúncias, ainda no ano passado
Foto: AP

'Prisioneiro' russo

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A decisão de um juiz federal de Washington, que em dezembro passado descreveu os programas de espionagem como ilegais, reforça o argumento de que Snowden alcançou os objetivos que perseguia com os vazamentos.

Mas o informante sabia que ironicamente o escândalo doméstico, assim como o abalo nas relações diplomáticas americanas com o resto do mundo, alimentariam acusações de que ele é "antiamericano".

Com o acesso a países ocidentais ou aliados dos EUA - como o Brasil - impossibilitado pelo intenso lobby diplomático americano para apanhá-lo, o informante se viu diante de poucas escolhas de asilo quando decidiu deixar a ilha de Hong Kong, de onde poderia ser extraditado para os EUA após as primeiras revelações. O próprio presidente russo, Vladimir Putin, qualificou-o como um "presente indesejado" antes de lhe conceder asilo.

Harding, que viveu quatro anos na Rússia como jornalista, e descreve no livro táticas controversas da espionagem russa para manter um olho em seus alvos, acredita que por força do destino Snowden acabou se convertendo em um "prisioneiro" de um regime altamente interessado em seus segredos.

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Os envolvidos na história creem que Snowden, um especialista de primeira linha em temas de segurança virtual, tratou de inviabilizar os dados para que não caíssem nas mãos do inimigo. "Hong Kong foi missão cumprida para ele. O plano dele era distribuir esse material com jornalistas, que por sua vez usariam o seu julgamento editorial para publicar o que achassem relevante. Não havia mais razão lógica para levar esse material com ele para a Rússia", diz Harding.

Manifestação pró-Snowden: o ex-funcionário da NSA não solicitou formalmente asilo ao Brasil
Foto: David Ayronn/Divulgação Avaaz / Divulgação

Abalo diplomático

Sem sinal visível de clemência por parte da Casa Branca, que ameaça enquadrá-lo na Lei de Espionagem se prendê-lo, a novela pessoal de Snowden permanece incerta - indício de que o livro de Harding é o primeiro, mas provavelmente não o último sobre o assunto.

Até lá, o governo americano tentará reconquistar a confiança de seus cidadãos e de líderes estrangeiros, abalada pelos escândalos de espionagem. Entre os chefes de Estado, Dilma e Merkel foram as que mais fortemente expressaram seu ultraje com a arapongagem.

Porém, publicamente, o governo de Merkel respondeu intensificando a relação com os EUA, enquanto Dilma postergou, sem nova data, uma visita de Estado a Washington que deveria ter ocorrido no ano passado. Outro alvo, o presidente francês François Hollande, foi recebido em Washington nesta semana com pompas.

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Harding se esquiva de emitir uma opinião sobre o melhor momento para uma reaproximação Brasil-EUA, avaliando que "é uma questão interna para o Brasil".

Meses de escândalos sucessivos revelaram "poderosos sistemas de espionagem" que não serão modificados da noite para o dia, ele sublinha. "Essa capacidade (de coletar informações em massa) é nova e precisamos discuti-la", reflete o jornalista.

Por outro lado, em um viés positivo, ele acredita que os cidadãos estão mais "capacitados" para lidar com o problema da espionagem após as revelações de Snowden . "Hoje, já sabemos que o iPhone é um aparelho de espionagem poderoso. Antes, era só um aparelho bacana para se mostrar."

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