A morte de um adolescente de 16 anos nessa segunda-feira (24), em Curitiba, é mais um ingrediente no caldeirão de pressões enfrentadas pelos estudantes da chamada "primavera secundarista". O movimento, que já ocupa 1.072 escolas no Brasil, sendo 90% delas no Paraná, surgiu no início de outubro, após o governo do presidente Michel Temer apresentar uma proposta de reforma do ensino médio via medida provisória, com flexibilização de currículo. A ocupação das escolas se intensificou nos últimos dias, quando também se fortaleceram grupos contrários ao protesto.
A morte gerou comoção em alunos, professores, familiares e representantes das várias esferas do governo estadual. De acordo com a Secretaria da Segurança Pública, o jovem foi esfaqueado por um colega após ambos terem usado drogas sintéticas e se desentendido. Eles seriam alunos do Colégio Santa Felicidade, um dos 847 ocupados no estado, conforme a União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes). Depois do episódio, os demais estudantes deixaram as dependências da escola.
O governador Beto Richa emitiu nota responsabilizando os manifestantes. "Peço que os estudantes encerrem esse movimento. A ocupação de escolas no Paraná ultrapassou os limites do bom senso e não encontra amparo na razão, pois o diálogo sobre a reforma do ensino médio está aberto."
A União Nacional dos Estudantes (UNE), a Ubes e a Associação Nacional dos Pós-graduandos (ANPG) divulgaram um posicionamento conjunto, destacando que as ocupações são pacíficas e abertas ao diálogo. "Sobre a fatalidade de Curitiba em especial, acompanhamos as investigações e vamos exigir das autoridades competentes toda a atenção e cuidado para que o esclarecimento desse caso seja feito com urgência. As entidades lamentam, ainda, a tentativa de utilizar tal acontecimento trágico como forma de criminalização dos movimentos sociais."
Ocupação de escolas
Esta não é a primeira vez que secundaristas ocupam escolas como forma de protesto. Em 2015, alunos de São Paulo se mobilizaram contra o projeto de reorganização escolar do governo Geraldo Alckmin, que previa o fechamento de 93 unidades e transferência de mais de 300 mil estudantes para outras instituições. A ação, que na época atingiu cerca de 200 colégios, derrubou o secretário da Educação e levou Alckmin a revogar o decreto. O movimento também acabou se estendendo para outros estados, como o Rio de Janeiro, onde quase 70 escolas foram ocupadas entre março e junho.
Segundo balanço da Ubes, das 1.072 instituições de ensino ocupadas no Brasil, 995 são escolas e institutos federais, 73 são universidades e três são núcleos regionais de educação. Há ações em pelo menos 21 estados e no Distrito Federal. Além da reforma no ensino médio, os alunos se voltam contra a proposta de emenda constitucional (PEC) 241, que congela investimentos públicos pelos próximos 20 anos, podendo afetar as áreas de saúde e educação.
Atos de repúdio às medidas têm acontecido em várias cidades brasileiras. Nesta segunda-feira houve passeatas em Vitória, João Pessoa, Rio de Janeiro, Brasília, Cuiabá e Porto Velho. Já em São Paulo, um protesto está previsto para esta terça-feira.
"Desocupa" ganha força
Capitaneado principalmente pelo Movimento Brasil Livre (MBL), que se notabilizou por encabeçar as manifestações a favor do impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, o esforço contrário às ocupações também ganhou força nas últimas semanas. No Paraná, integrantes do MBL, acompanhados de alguns pais e professores, chegaram a se reunir com o governador para pedir apoio.
Segundo relatos de participantes das ocupações, o grupo contrário tenta "retomar" escolas na periferia de Curitiba. Em uma delas, a Guido Arzua, no bairro Sítio Cercado, os integrantes do "Desocupa" conseguiram entrar no colégio nesta segunda-feira, com auxílio de docentes contrários às reivindicações dos estudantes.
Enem e eleições
O Ministério da Educação (MEC) anunciou que pode adiar o Enem em 181 escolas, sendo 145 no Paraná, caso o movimento continue até 31 de outubro. De acordo com o MEC, 95 mil dos 8,6 milhões de inscritos seriam prejudicados. As provas estão marcadas para os dias 5 e 6 de novembro.
A "primavera secundarista" acontece em meio às eleições municipais no Brasil, que sempre utilizam a estrutura das escolas. Em virtude do movimento, a Justiça Eleitoral alterou 205 locais de votação no Paraná. As mudanças atingem 700 mil eleitores das cidades de Curitiba, Ponta Grossa e Maringá, onde haverá segundo turno em 30 de outubro. A adequação deve provocar um custo adicional de R$ 3 milhões para os pleitos, que tinham previsão de gastar R$ 22,2 milhões.
Para a presidente da Ubes, Camila Lanes, o movimento é uma forma de responder às iniciativas do governo federal. "Ele [Temer] quer colocar uma MP para resolver todos os problemas da educação pública do país, o que não é possível. Estamos apoiando e nos solidarizando politicamente, com estrutura, para que essa medida seja retirada de pauta." A entidade garante que as ações são pacíficas. Os estudantes se organizam, votam em assembleias e se dividem em grupos de trabalho para fazer a limpeza dentro das instituições.
Assim como há um ano, quando protestaram contra a reorganização escolar, os jovens reclamam da falta de diálogo por parte do governo. O MEC, por outro lado, argumenta que as propostas são fruto de um amplo debate acumulado nas últimas décadas. "Entre as principais mudanças está a possibilidade de o aluno escolher a área em que vai querer atuar profissionalmente, como acontece nos principais países do mundo." Ainda conforme a pasta, "trata-se de uma mudança fundamental, que deixará o currículo flexível e articulado com o ensino técnico-profissionalizante e a qualificação".