'Busco passar borracha no passado': o ato de Bolsonaro na Paulista, teste de força política em meio a investigações

Manifestação na avenida Paulista está marcada para este domingo, em meio ao avanço das investigações da Polícia Federal sobre suposto plano de golpe de Estado.

25 fev 2024 - 07h47
(atualizado em 26/2/2024 às 00h31)
Em discurso, Bolsonaro pediu 'pacificação'
Em discurso, Bolsonaro pediu 'pacificação'
Foto: Reuters / BBC News Brasil

Jair Bolsonaro (PL) negou que tenha tentado dar um golpe de Estado e disse que agiu dentro dos limites da Constituição em protesto em São Paulo no domingo (25/2).

O ex-presidente também afirmou estar em busca de "pacificação" do país e que deseja "passar uma borracha no passado".

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O ato, que reuniu milhares de apoiadores de Bolsonaro na avenida Paulista, foi convocado pelo ex-presidente em meio ao avanço das investigações da Polícia Federal (PF) sobre um suposto plano de golpe de Estado.

De acordo com a PF, há indícios de envolvimento de Bolsonaro e de alguns de seus então auxiliares para reverter o resultado das eleições que levaram Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ao Planalto.

A manifestação estava marcada para às 15h. Desde a manhã de domingo, pessoas começaram a se concentrar na Paulista levando bandeiras do Brasil e camisetas da seleção brasileira.

Bolsonaro chegou ao local por volta das 14h40 ao lado do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos).

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Em seu discurso de pouco mais de 22 minutos, Bolsonaro afirmou que agiu dentro dos limites da Constituição.

"Continuam me acusando de um golpe, porque tem uma minuta de um decreto de estado de defesa. Golpe usando a constituição? Tenha santa paciência", disse.

Segundo ele, um decreto como esse dependeria da aprovação do Congresso. "Querem entubar a todos nós um golpe, usando dispositivo da Constituição cuja palavra final quem dá é o parlamento brasileiro."

Bolsonaro também pediu ao Congresso um projeto de lei que anistie seus apoiadores que estão presos em Brasília por conta da participação na depredação de prédios públicos em Brasília em 8 de janeiro de 2023.

"[Queremos] Anistia para aqueles pobres coitados que estão presos em Brasília. Nós não queremos mais que seus filhos sejam órfãos de pais vivos. Agora, nós pedimos a todos os 513 deputados e 81 senadores um projeto de anistia para que seja feita a Justiça em nosso Brasil", disse Bolsonaro.

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"E quem porventura depredou o patrimônio, nós não concordamos com isso. Que paguem, mas que essas penas não fujam ao mínimo da razoabilidade."

Para o cientista político Geraldo Tadeu Monteiro, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), a manifestação de domingo "é uma grande aposta" de Bolsonaro para "mostrar força" e tentar tornar as investigações e decisões da justiça mais "custosas" .

A manifestação ocorre numa semana marcada pelo comparecimento de Bolsonaro à PF, onde foi intimado a depor mas permaneceu em silêncio, e pela repercussão de uma declaração de Lula sobre a guerra que Israel trava em Gaza.

Na última quinta-feira (22/2), Bolsonaro compareceu à PF em Brasília para prestar depoimento no inquérito sobre o suposto golpe de Estado, mas ficou calado sob a justificativa de que sua defesa não teve acesso a todos os documentos da investigação.

Além de Bolsonaro, 22 ex-assessores, militares e aliados do ex-presidente foram intimados a prestar esclarecimentos no mesmo horário.

Israel e evangélicos

O protesto contou com a presença de muitas pessoas que carregavam a bandeira de Israel, e havia entre os presentes judeus com adereços tradicionais judaicos.

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Os ambulantes vendiam bandeiras de Israel ao lado de bandeiras do Brasil.

A BBC News Brasil conversou com um dos ambulantes, que se apresentou como Francisco, que disse ter vendido todas as 50 bandeiras israelenses que tinha levado para o ato, ao preço de R$ 50 cada.

Há uma semana, Lula gerou controvérsia no mundo político ao comparar as ações de Israel na guerra contra o Hamas com o Holocausto sofrido pelos judeus na 2ª Guerra Mundial.

A fala desencadeou uma crise diplomática com Israel e reverberou ao longo da semana, com repercussões também na política doméstica.

Na última sexta-feira (23/2), o ministro de Relações Exteriores israelense, Israel Katz, publicou no X (antigo Twitter) uma ilustração que mostra brasileiros e israelenses abraçados em meio às bandeiras dos dois países e pessoas vestidas de amarelo.

"Ninguém vai separar o nosso povo — nem mesmo você, Lula", escreveu Katz na postagem, publicada em português e em hebraico.

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Após as falas de Lula, congressistas da oposição protocolaram um pedido de impeachment do presidente por causa da declaração, que foi criticada até mesmo por alguns aliados do governo, como o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG).

Outros congressistas da base governista, no entanto, defenderam a fala de Lula.

Muitos judeus brasileiros e associações judaicas criticaram a declaração de Lula, e a expectativa era que bandeiras de Israel também aparecessem neste domingo na avenida Paulista, o que de fato aconteceu.

Um levantamento da empresa Arquimedes, que monitora as redes sociais, apontou que as menções ao protesto de Bolsonaro foram em quantidade muito menor do que a fala de Lula sobre Israel.

O tema "Lula e Israel" soma 2,4 milhões de publicações nas redes entre os dias 18 e 22 de fevereiro, três vezes a quantidade de posts sobre a manifestação bolsonarista. Entre 10 e 22 de fevereiro, o protesto contabilizou 829 mil menções nas redes sociais, segundo a Arquimedes.

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Fábio Wajngarten, ex-secretário de Bolsonaro, escreveu no X (ex-Twitter) que iria sugerir ao ex-presidente que convidasse o embaixador israelense no Brasil, Daniel Zonshine, que seria "muito bem recebido e acolhido". O governo Netanyahu, de Israel, é um aliado do bolsonarismo.

Em entrevista neste sábado, Wajngarten afirmou que a organização do protesto esperava 700 mil pessoas na avenida. Até a publicação deste texto, não havia estimativa oficial de público na Paulista.

Além da proximidade com Netanyahu, a defesa de Israel é uma bandeira cara a muitos evangélicos - um dos grupos mais próximos de Bolsonaro.

Uma das mais influentes lideranças evangélicas do país, o pastor Silas Malafaia, da Assembleia de Deus Vitória em Cristo, foi um dos organizadores e um dos principais oradores do ato.

Foi ele quem falou antes do ex-presidente na Paulista.

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'Séria, disciplinada e pacífica'

No vídeo em que convocou o protesto, Bolsonaro pediu que seus apoiadores façam uma manifestação "séria, disciplinada e pacífica" no domingo e que o movimento se restrinja apenas à capital paulista.

Segundo ele, o objetivo do protesto é defender "nosso Estado democrático de direito e nossa liberdade". 

Ao final da mensagem, Bolsonaro pediu que os manifestantes evitem levar faixas contra "quem quer que seja".

Para cientistas políticos ouvidos pela BBC News Brasil, o protesto é uma "grande aposta de Bolsonaro" para tentar demonstrar força política, apesar de estar inelegível até 2030. 

Segundo os analistas, o efeito desta manifestação vai depender do número de pessoas presentes na avenida Paulista, onde será realizado o ato, e também da participação de outros nomes relevantes da política, como governadores e congressistas.

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A adesão de políticos de direita é um dos fatores que vinha mobilizando o bolsonarismo nos últimos dias.

Entre os nomes na Paulista, estavam o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, e o governador de Goiás, Ronaldo Caiado (União Brasil). Bolsonaro também chegou a saudar no palco a "guarda municipal de Ricardo Nunes". Prefeito da capital paulista, Nunes, do MDB, busca a simpatia da parcela conservadora do eleitorado para se reeleger nas eleições municipais deste ano.

Protesto ocupou quarteirões da avenida Paulista
Foto: Reuters / BBC News Brasil

Grande aposta de Bolsonaro

Uma pesquisa do instituto AtlasIntel, divulgada no início do mês, aponta que 42,2% dos entrevistados acreditam que as "investigações contra Bolsonaro constituem uma perseguição política". Já 40,5% não acreditam nisso.

Por outro lado, um levantamento do mesmo insituto mostrou que 57% dos entrevistados acreditam que Lula de fato venceu as eleições de 2022, contrariando o discurso bolsonarista de que houve fraude no pleito - algo que nunca foi comprovado.

O cientista político Sérgio Praça, da Fundação Getúlio Vargas (FGV), diz que Bolsonaro costuma convocar manifestações quando se sente fragilizado.

Para o analista, mais importante do que a quantidade de gente na rua, é quem esteve ao lado de Bolsonaro no palanque.

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"O principal objetivo do protesto é medir sua força entre os profissionais da política. Quanto mais parlamentares e governadores aparecerem, melhor para ele", diz Praça.

"Quem se arrisca a aparecer ao lado dele? Tarcísio, [Romeu] Zema [governador de Minas Gerais]? O que eles vão falar em seus discursos? Ele quer demonstrar que ainda tem força mesmo estando inelegível por oito anos."

Entretanto, o analista não acredita que isso fará alguma diferença no rumo das investigações de que Bolsonaro e seus aliados são alvo ou mesmo nas decisões que a Justiça pode tomar a respeito.

Bolsonaro convocou um protesto na avenida Paulista, neste domingo
Foto: EPA / BBC News Brasil
Bolsonaro foi considerado inegível até 2030 pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE)
Foto: EPA / BBC News Brasil

Bolsonaro investigado

A manifestação deste domingo acontece após uma série de investigações envolvendo Bolsonaro e sua família, como uma apuração de um suposto esquema de negociação ilegal de joias dadas por delegações estrangeiras à Presidência da República.

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Também acontece duas semanas depois da operação Tempus Veritatis, que foi autorizada pelo ministro Alexandre de Moraes.

A ação teve Bolsonaro como alvo, além de parte de seu clã político e militares supostamente envolvidos na trama golpista.

A operação investiga uma organização acusada de "tentativa de golpe de Estado e abolição do Estado Democrático de Direito" nos períodos que antecederam e se seguiram às eleições presidenciais de 2022, em uma tentativa de garantir a "manutenção do então presidente da República (Jair Bolsonaro) no poder".

Quatro pessoas foram presas: Filipe Martins, ex-assessor especial da Presidência; o coronel do Exército Marcelo Câmara; Rafael Martins, major das Forças Especiais do Exército; e o coronel Bernardo Romão Corrêa.

De acordo com a decisão de Alexandre de Moraes, a PF obteve evidências de que:

  • Bolsonaro teria se envolvido na confecção de uma minuta de decreto com medidas para impedir a posse de Lula e mantê-lo no poder;
  • Militares teriam organizado manifestações contra o resultado das eleições e atuado para garantir que os manifestantes tivessem segurança;
  • O grupo em torno de Bolsonaro teria monitorado os passos de Moraes, incluindo acesso à sua agenda de forma antecipada.

Por ordem da Justiça, Bolsonaro teve seu passaporte apreendido e não pode fazer contato com outros investigados.

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Em um vídeo publicado nas redes sociais no dia 9 de fevereiro, Paulo Cunha Bueno, advogado do ex-presidente, negou que qualquer documento apreendido durante a operação da PF implique o ex-presidente em envolvimento em um "golpe de Estado".

Nesta quarta-feira, Bolsonaro voltou a dizer que é alvo de uma "perseguição política".

"Houve a eleição, o TSE anunciou o resultado da mesma, me torna inelegível sem crime, depois se fala em prender…qual o próximo passo, me executar na prisão? Eu devo fazer o que, fugir do Brasil, pedir asilo?", disse o ex-presidente, em entrevista à rádio CBN Recife.

Manifestações em série

Não é a primeira vez que Bolsonaro convoca manifestações em seu apoio em um momento em que sua relação com o Judiciário se encontra estremecida.

Entre 2019 e 2022, quando era presidente, houve uma série de protestos pró-governo e com críticas ao Judiciário - mesmo durante a pandemia de covid-19.

Em 7 de setembro de 2021, por exemplo, Bolsonaro afirmou, também na avenida Paulista, que não cumpriria mais decisões proferidas por Alexandre de Moraes.

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"Dizer a vocês que, qualquer decisão do senhor Alexandre de Moraes, este presidente não mais cumprirá. A paciência do nosso povo já se esgotou, ele tem tempo ainda de pedir o seu boné e ir cuidar da sua vida. Ele, para nós, não existe mais", discursou.

Dois dias depois, diante da repercussão negativa e de conselhos do ex-presidente Michel Temer, Bolsonaro divulgou uma "Declaração à Nação" na qual dizia não ter "intenção de agredir quaisquer dos poderes" e que "as pessoas que exercem o poder não têm o direito de 'esticar a corda', a ponto de prejudicar a vida dos brasileiros e sua economia".

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