Cães farejadores, detectores térmicos e exames de DNA estão entre os principais recursos das equipes que buscam moradores desaparecidos do edifício Wilton Paes de Almeida, que desmoronou na madrugada de terça-feira após um incêndio, no centro de São Paulo.
Segundo a prefeitura paulistana, 49 pessoas cadastradas como ocupantes do prédio ainda não foram localizadas. É possível, porém, que não estivessem mais habitando o edifício ou que não estivessem no prédio quando ele desabou. O Corpo de Bombeiros diz trabalhar com a possibilidade de haver quatro vítimas.
Passados quase dois dias desde o colapso do edifício, as chances de encontrar sobreviventes diminuem drasticamente, diz à BBC Brasil o major Camargo Júnior, do Corpo de Bombeiros.
Segundo ele, as circunstâncias do desabamento - ocorrido após um incêndio de alastrar por boa parte do edifício - tornam as possibilidades ainda mais remotas.
Mesmo assim, o major diz que os bombeiros deverão manter os métodos de busca utilizados até agora, em que os escombros são removidos aos poucos e de maneira cuidadosa.
Ele explica que o primeiro passo é resfriar os escombros e verificar se cães farejadores e seus guias podem percorrê-los com segurança.
"O cão é um recurso extraordinário e tem um faro incomparável, de eficácia muito superior a qualquer instrumento eletrônico", diz Camargo Júnior. "Mas temos de protegê-lo de agentes agressivos - como fumaças, objetos cortantes e dejetos químicos - assim como protegemos nossos bombeiros."
Alguns cachorros são treinados para encontrar vítimas vivas; outros, para localizar mortos.
O major conta que os cães encaram as buscas como um "jogo". Quando um cão indica um local onde pode haver vítimas, outro cachorro é mobilizado para confirmar a informação.
Se a pessoa estiver viva, detectores térmicos podem ajudar a localizá-la com maior precisão.
Com máquinas, os bombeiros perfuram as lajes até chegar ao sobrevivente, com o cuidado de evitar deslizamentos e preservar o bolsão onde a pessoa se encontra.
Mesmo que a vítima esteja morta, o major diz que é preciso de muito cuidado para removê-la. "Não podemos nos precipitar, porque nessa fase de entulho outro corpo pode sair junto com os escombros e nunca mais ser encontrado", afirma.
Ele diz que também deve-se evitar "contaminar" uma área ao transportar corpos - o que pode confundir os cães e gerar falsos alertas sobre a presença de outras vítimas.
Quando os corpos estão muito deteriorados, são coletados e transportados em bolsas para a identificação no Instituto Médico Legal (IML). Em alguns casos, podem ser identificados por meio de digitais ou de análises da arcada dentária, comparadas a chapas fornecidas por dentistas que atenderam os desaparecidos.
Em outros, a identificação é feita por exame de DNA. O problema é que, para esse tipo de análise, normalmente se coletam utensílios que pertenciam à pessoa, como pentes ou escovas de dente - e que podem ter sido totalmente destruídos no incêndio.
Há desastres em que os corpos ficam tão fragmentados e misturados a destroços que é quase impossível localizá-los e identificá-los - caso de 40% das vítimas do atentado às Torres Gêmeas, em Nova York.
Nesses casos, diz o major Camargo Júnior, cabe às autoridades decidir quando as buscas devem ser encerradas.
À medida que a presença de vítimas é descartada em trechos dos escombros, máquinas pesadas podem ser usadas para limpar essas áreas. Normalmente as buscas começam nas bordas dos destroços e prosseguem rumo ao centro.
Desastre em Londres
Técnicas empregadas no Brasil na identificação de vítimas de desastres também foram utilizadas em Londres após o incêndio no edifício Grenfell, em junho de 2017, quando 71 pessoas morreram. As diretrizes seguem um protocolo da Interpol (Polícia Internacional) adotado por 197 países, entre os quais o Brasil.
No caso da torre Grenfell, em Londres, primeiramente foram removidos todos os "restos humanos visíveis" do edifício.
Depois, durante meses, oficiais e especialistas forenses vasculharam manualmente mais de 15 toneladas de detritos. No Reino Unido, a identificação de vítimas de desastres (DVI) é uma disciplina policial que se desenvolveu a partir de lições aprendidas com incidentes de vítimas em massa no mundo todo.
Cada acidente aéreo, ataque terrorista e desastre natural pode trazer novos conhecimentos sobre várias questões - como, por exemplo, sobre qual o melhor local para montar um necrotério temporário, como coletar e categorizar restos fragmentados das vítimas e qual o método mais preciso para identificá-las.
Identificação de vítimas
Quando ocorre um desastre como o do prédio Grenfell, há duas vertentes distintas para o processo de identificação das vítimas.
Um deles é reunir o máximo de informações possíveis sobre vítimas com parentes e amigos, incluindo a coleta de registros médicos e odontológicos.
A outra vertente de identificação envolve coletar informações dos próprios corpos.
Essas equipes registram todos os detalhes antes de movê-las para um necrotério designado.
Quando corpos são levados para o necrotério, os especialistas tentam identificá-los de acordo com os padrões estabelecidos pela Interpol. Isso significa que a identificação deve ser feita usando registros dentários, impressões digitais ou DNA. Implantes médicos que carregam números de série, como marca-passos ou substituições de quadril, podem ser usados como identificadores secundários, assim como cicatrizes, marcas e tatuagens.
No caso da Grenfell Tower - como poderá ser no do Wilton Paes de Almeida - vários fatores complicaram o processo de identificação das vítimas.
A primeira é que incêndios são considerados desastres "abertos". Um desastre "fechado" é uma situação como um acidente de avião, em que se sabe exatamente o número de passageiros e tripulantes a bordo.
Desastres abertos são mais difíceis. Os investigadores podem apenas ter uma estimativa de quem estava presente no local, o que restringe a coleta de referências para DNA, impressões digitais ou registros dentários.
A intensidade do incêndio também representa um imenso desafio para os peritos forenses. A médica legista Diona Wilcox descreveu a cena dentro do bloco do Grenfell como "apocalíptica".
A cientista forense Denise Syndercombe-Court, do Kings College London, diz que em alguns desastres sobram apenas "fragmentos de ossos" dos corpos.