Caetano responde Waters: 'quero aprender mais sobre Israel'

Músico britânico havia pedido que baiano e Gilberto Gil cancelassem show no país por política opressiva contra palestinos

23 jun 2015 - 16h01
(atualizado às 17h52)

O cantor e compositor Caetano Veloso enviou uma carta para o também músico britânico Roger Waters, ex-banda Pink Floyd, respondendo ao pedido de que ele e Gilberto Gil não tocassem em Israel durante sua turnê européia, em razão da política opressiva do país em relação aos palestinos. No texto, divulgado pelo jornalista Ancelmo Gois em seu blog, Caetano diz que o fato de tocar em um país não significa que concorde com a política promovida por seu governo. "Eu cantei nos Estados Unidos durante o governo Bush e isso não significava que eu aprovasse a invasão do Iraque. Escrevi e gravei uma música que se opunha à política que levou à prisão de Guantánamo — e a cantei em Nova York e Los Angeles. Eu quero aprender mais sobre o que está acontecendo em Israel agora. Eu nunca cancelaria um show para dizer que sou basicamente contra um país, a não ser que eu estivesse realmente e de todo o meu coração contra ele. O que não é o caso."

"Cantei nos Estados Unidos durante o governo Bush e isso não significava que eu aprovasse a invasão do Iraque", diz Caetano Veloso
"Cantei nos Estados Unidos durante o governo Bush e isso não significava que eu aprovasse a invasão do Iraque", diz Caetano Veloso
Foto: BBCBrasil.com

Apesar de afirmar que manterá o show, o cantor fez críticas ao presidente israelense, Benjamin Netanyahu. "Eu preciso lhe dizer, como disse a ele, como meu coração é fortemente contra a posição de direita arrogante do governo israelense. Eu odeio a política de ocupação, as decisões desumanas que Israel tomou naquilo que Netanyahu nos diz ser sua autodefesa. E acho que a maioria dos israelenses que se interessam por nossa música tende a reagir de forma similar à política de seu país."

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Ele afirma ainda ter dúvidas se isolar Israel seja a melhor opção: "Quanto a mim, eu gostaria de ver a Palestina e Israel como dois Estados soberanos. E entendo que Israel precisa escutar as reações que chegam do exterior. As Nações Unidas, muitos governos, e até artistas, como você, mostram os riscos de Israel ficar cada vez mais isolado, caso siga com suas políticas reacionárias. Às vezes, eu penso que é contraproducente isolar Israel. Isto é, se se está buscando a paz. Tenho muitas dúvidas sobre tema tão complexo." 

Na carta em que pede para que os brasileiros cancelem o show, enviada por meio da organização BDS, Roger Waters conta a história de dois jovens atacados pelas forças de segurança israelenses sem motivo: "Jawhar Nasser Jawhar, 19, e Adam Abd al-Raouf Halabiya, 17, dois jovens e promissores jogadores de futebol, sonhavam em um dia jogar profissionalmente, talvez até defendendo a camisa do país deles. Em 31 de janeiro, enquanto eles caminhavam para casa, saindo de uma sessão de treinamento no Estádio de Faisal al-Husseini em al-Ram, no centro da Cisjordânia, forças israelenses abriram fogo contra eles sem aviso.

Jawhar foi atingido sete vezes em seu pé esquerdo e três vezes no direito. Halabiya foi ferido uma vez em seu pé esquerdo e uma no direito. Médicos no hospital governamental de Ramallah dizem que os dois nunca chutarão uma bola de futebol de novo; na verdade, serão necessários seis meses de tratamento antes que os médicos possam avaliar se eles poderão andar novamente.

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Estes dois jovens não foram acusados de nenhum delito, e nenhum inquérito foi aberto sobre as ações dos soldados responsáveis por suas lesões incapacitantes.

Assim, Caetano e Gil, Jawhar e Halabiya não estarão presentes no show de vocês em Tel Aviv. No entanto, os homens que os balearam estão livres para comparecer, se desejarem."

Veja a íntegra da resposta de Caetano Veloso a Roger Waters:

"Querido Roger,

Há cerca de um mês recebemos sua carta através de Pedro Charbel, um jovem brasileiro que faz parte do Movimento BDS. Pedro veio à minha casa, onde ele nos conheceu, a Gil e a mim — junto com nossas empresárias —, acompanhado de uma jovem brasileiro -israelense, Iara Haazs, uma judia (que também está com o BDS), para pedir que cancelássemos o show, em Tel Aviv, no próximo mês. Antes disso, nós recebemos a carta de um importante militante dos direitos humanos no Brasil com o mesmo pedido.

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Hoje nós recebemos outra, desta vez do próprio Desmond Tutu (ele foi citado na sua e em todas as outras cartas e mensagens que recebemos sobre o assunto). Tentarei responder a ele também.

Quando a África do Sul estava sob o regime de apartheid, e eu soube que artistas estavam se recusando a tocar lá, concordei como que automaticamente com tal decisão.

A complicada situação no Oriente Médio não me mostra o mesmo tipo de imagem preto-no-branco que o racismo oficial, aberto, da África do Sul me mostrava então. Eu disse a Charbel como me sentia a respeito.

Ele pareceu achar, como você, difícil de acreditar que pessoas como Gil e eu não fôssemos recusar o convite dos produtores e do público de Israel (o show está esgotado) depois de ouvir o que ele tinha para nos contar sobre aspectos realmente sombrios da relação Israel-Palestina. 

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Eu preciso lhe dizer, como disse a ele, como meu coração é fortemente contra a posição de direita arrogante do governo israelense. Eu odeio a política de ocupação, as decisões desumanas que Israel tomou naquilo que Netanyahu nos diz ser sua autodefesa. E acho que a maioria dos israelenses que se interessam por nossa música tende a reagir de forma similar à política de seu país. 

Aqui reproduzo o que disse a um jornalista brasileiro que me questionou como eu responderia ao pedido de cancelamento em uma curta sentença: Eu cantei nos Estados Unidos durante o governo Bush e isso não significava que eu aprovasse a invasão do Iraque. Escrevi e gravei uma música que se opunha à política que levou à prisão de Guantánamo — e a cantei em Nova York e Los Angeles. Eu quero aprender mais sobre o que está acontecendo em Israel agora. Eu nunca cancelaria um show para dizer que sou basicamente contra um país, a não ser que eu estivesse realmente e de todo o meu coração contra ele. O que não é o caso. Eu me lembro que Israel foi um lugar de esperança. Sartre e Simone de Beauvoir morreram pró-Israel. 

Gilberto Gil contou-me já ter sido aconselhado a cancelar shows em Israel antes, mas que ele se recusou a fazê-lo, mesmo após os terríveis acontecimentos de julho de 2014. Quanto a mim, eu gostaria de ver a Palestina e Israel como dois Estados soberanos. E entendo que Israel precisa escutar as reações que chegam do exterior. As Nações Unidas, muitos governos, e até artistas, como você, mostram os riscos de Israel ficar cada vez mais isolado, caso siga com suas políticas reacionárias. Às vezes, eu penso que é contraproducente isolar Israel. Isto é, se se está buscando a paz. Tenho muitas dúvidas sobre tema tão complexo. 

Charbel sabe quantos problemas de produção teríamos no caso de cancelamento de um show que já foi anunciado e completamente vendido. Mas eu desistiria alegremente de tudo se estivesse seguro de que essa é a coisa certa a fazer. Devo pensar por mim mesmo, cometer meus próprios erros. Eu te agradeço — e a muitos outros — pela atenção e o esforço dedicados a me esclarecer sobre a política naquela região. Sempre falarei a verdade de meus pensamentos e sentimentos, e se eu fosse cancelar esse show apenas para agradar pessoas que admiro, eu não seria livre para tomar minhas próprias decisões. Eu vou cantar em Israel e prestar atenção ao que está acontecendo lá. 

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Netanyahu não ganhou fácil a última eleição. Acho que o fato de eu cantar lá é neutro para a política do país, mas se minhas canções, voz ou mera presença puderem ajudar os israelenses que não concordam com a opressão e a injustiça — em uma palavra, a se sentirem mais longe de votar em alguém como ele — eu estarei feliz."

Gilberto Gil e Caetano Veloso: o yin e o yang da MPB
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Fonte: Terra
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