Mariana Schreiber
Da BBC Brasil em Brasília
Reviravolta sobre doações empresariais a campanhas marcou segunda noite de votação da reforma política
Em mais uma noite tensa de votação, a Câmara dos Deputados aprovou, por ampla maioria, a inclusão na Constituição Federal da possibilidade de doações de empresas a partidos políticos. O resultado foi uma reviravolta em relação à noite anterior, quando a Casa rejeitou as doações diretas aos candidatos. Na mesma noite, os deputados também aprovaram outra importante mudança: o fim da reeleição para cargos executivos.
Ambas as propostas de alteração da Constituição aprovadas hoje precisam ser votadas mais uma vez na Câmara e duas no Senado Federal para passar a valer.
O resultado desta quarta-feira representa uma vitória para Eduardo Cunha, presidente da casa, que ontem teve duas propostas rejeitadas na votação da Reforma Política.
Não estava previsto que voltasse a ser apreciada qualquer proposta de emenda constitucional permitindo o financiamento de empresas, após o resultado de terça-feira.
No entanto, Cunha conseguiu o apoio da maioria dos partidos para rever o acordo anterior dos líderes e incluir o tema novamente em votação, sob o argumento de que a nova proposta tratava apenas da doação a partidos e, portanto, era diferente da emenda rejeitada na noite anterior.
A decisão de votar outra proposta sobre o tema gerou revolta na bancada do PT, que defende a proibição total das doações de empresas.
Cunha é um dos principais defensores da inclusão do financiamento empresarial na Constituição – ele gastou R$ 6,5 milhões na campanha de 2014, quando obteve recursos de empresas de mineração, bebidas, telecomunicação, bancos, entre outras.
A tentativa de incluir na Constituição Federal as doações de empresas é uma reação ao julgamento sobre o tema Supremo Tribunal Federal (STF). Atualmente, a corte está analisando se doações de empresas são inconstitucionais, e a maioria dos ministros já se pronunciou pela proibição. No entanto, o julgamento está há mais de um ano parado por um pedido de vista do ministro Gilmar Mendes.
"Mudança de sistema, fim da reeleição, é tudo cortina de fumaça. O objetivo (da Reforma Política) é colocar na Constituição o financiamento empresarial. Essa votação é uma coletânea de votos perdidos no Supremo. Perderam no Supremo e agora querem aprovar", criticou o deputado Rubens Pereira Júnior (PCdoB-MA).
Virada
Presidente da Casa disse que deputados sentiram-se "mais confortáveis" com nova proposta sobre doações de empresas
Para que a Constituição seja alterada, é necessário ao menos 308 votos dos 513 deputados. A possibilidade de doação de empresas a partidos teve 330 votos favoráveis, um virada expressiva em relação ao resultado da votação que rejeito a doação direta a candidatos (264 manifestações a favor).
Durante todo o dia, Cunha mobilizou seus aliados, para mudar os votos dos que votaram contra as doações a candidatos. Partidos pequenos teriam sido ameaçados com a votação de propostas que limitem mais seu acesso a recursos dos fundo partidário e ao tempo de propaganda TV, caso não apoiassem o financiamento empresarial.
A maior mudança veio dos 38 deputados do bloco comporto por PRB e outros oito partidos nanicos, que haviam votado em peso contra as doações a candidatos e hoje apoiaram integralmente o financiamento de partidos por companhias.
Líder do bloco, o deputado Celso Russomano (PRB-SP) disse que o grupo cedeu para viabilizar um acordo de alteração da Constituição. Segundo ele, não seria certo o STF decidir sobre o tema no lugar do Congresso.
"Não houve mudança, temos um conceito no bloco de que o correto são apenas as doações de pessoas físicas. Mas, para haver acordo de um texto constitucional, nós cedemos para o menos pior, o financiamento através dos partidos", explicou.
Para o deputado Ivan Valente (PSOL-SP), a virada na votação foi resultado de um "choque de realidade" dos parlamentares. "A maioria dos deputados não sabe fazer campanha sem doações de empresa", afirmou.
Eduardo Cunha afirmou que os deputados que não queriam financiamento direto para candidatos sentiram-se "mais confortáveis" com a proposta de hoje. "Que aliás era o texto original. O que aconteceu foi um erro ontem, um erro político. Acabou não tendo ontem aprovação e hoje, na medida que era (doação) por partido, os deputados se sentiram mais confortáveis para votar."
Doações de empresas a candidatos e partidos políticos estão na berlinda devido às revelações de irregularidades pela Operação Lava Jato. As investigações apontam que empresas teriam financiado campanhas de políticos de diversos partidos com recursos públicos desviados da Petrobras.
Alvo de maior desgaste devido à operação, o PT anunciou recentemente que continuará recebendo doações de empresas, mas proibiu seus candidatos de serem financiados diretamente por companhias.
Antes da aprovação das doações empresariais, foram rejeitadas as propostas de permitir que as campanhas fossem financiadas apenas por recursos públicos ou também por doações de pessoas físicas.
Caso o financiamento empresarial passe nas próximas votações da Câmara e do Senado, os limites máximos de arrecadação e os gastos de recursos para cada cargo eletivo deverão ser definidos em lei.
Fim da reeleição
O fim da reeleição foi aprovado por ampla maioria dos deputados, com raro consenso entre os três principais partidos: PMDB, PSDB e PT. Foram 452 votos a favor e apenas 19 contra.
Os parlamentares ressaltaram, no entanto, que o fim da possibilidade de candidatar-se para um segundo mandato consecutivo não atinge atuais governadores e prefeitos, que poderiam fazê-lo em 2016 e em 2018.
O mecanismo foi aprovado em 1997, por interesse do PSDB, que queria manter Fernando Henrique Cardoso mais quatro anos na Presidência. A aprovação na medida no Congresso na época foi controversa e houve denúncia de compra de votos.
O argumento dos que criticam hoje a reeleição é que o candidato que está no poder tem vantagem na corrida eleitoral, já que controla a máquina pública.
Além disso, os opositores da medida afirmam que os governantes conduzem a administração já pensando na renovação do seu mandato. "Há muitos problemas, principalmente em prefeituras menores, (prefeitos) que acabam fazendo mandatos em função da reeleição", disse Eduardo Cunha.
Dois cientistas políticos ouvidos pela BBC Brasil, porém, criticaram a ideia de acabar com a possibilidade de reeleição. Para Antonio Lavareda, professor da Universidade Federal de Pernambuco, ela é positiva na medida em que "ajuda a possibilitar a continuidade por um período maior de algumas políticas públicas".
Já Rafael Cortez, da consultoria Tendências, considera que a possibilidade de conquistar um segundo mandato é "um incentivo para o bom comportamento dos governos".
Duração dos mandatos e voto facultativo
A alteração do tempo de duração dos mandatos para cinco anos e a coincidência de todos os mandatos – de modo que as eleições municipais, estaduais e federal ocorram no mesmo ano – ainda devem ser votados nesta semana, no que promete ser mais uma sessão polêmica.
Quem defende a coincidência das eleições argumenta que as eleições "param o país", ao mudar o foco dos políticos de seus mandatos para a disputa eleitoral.
No entanto, especialistas consultados pela BBC Brasil criticam a medida. Rafael Cortez, da consultoria Tendências, considera que a realização de eleições municipais na mesma data que os pleitos presidencial e estaduais geraria um excesso de informação a ser assimilado pelo eleitor e poderia tirar atenção das disputas locais.
A proposta de voto facultativo está prevista para ser uma das últimas em votação. Atualmente, o voto é permitido a partir dos 16 anos e obrigatório para quem tem entre 18 anos e 60 anos - dentro dessa faixa etária, quem deixar de votar precisa justificar a falta ou pagar uma multa. Caso não o faça, fica sujeito a penalidades.
O voto facultativo é adotado em boa parte dos países desenvolvidos. Dessa forma, um dos maiores desafios dos candidatos é convencer o leitor a exercer seu direito. Em muitos países, o ceticismo em relação à política tem provocado baixos índices de comparecimento às urnas.