Caso Geddel expõe atraso do Brasil no combate a conflitos de interesse, diz Transparência Internacional

30 nov 2016 - 08h14
(atualizado às 10h41)
Geddel Vieira Lima deixou o governo Temer depois de ser acusado de pressionar o então ministro da Cultura, Marcelo Calero, para liberar a construção de um empreendimento imobiliário em Salvador, onde comprou um apartamento
Geddel Vieira Lima deixou o governo Temer depois de ser acusado de pressionar o então ministro da Cultura, Marcelo Calero, para liberar a construção de um empreendimento imobiliário em Salvador, onde comprou um apartamento
Foto: Getty Images

O escândalo que causou as mais recentes baixas no alto escalão do governo Michel Temer é um caso típico de uso do governo para interesses pessoais.

Na avaliação da ONG Transparência Internacional, a tentativa de pressão do ex-ministro Geddel Vieira Lima e a forma como a situação foi tratada pelo presidente revela o atraso do Brasil, em comparação com outros países, no combate a essa prática.

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"A gravidade desta conduta ainda não está incorporada na mentalidade do agente público e do cidadão e, por isso, casos como o de Geddel não causam o espanto que deveriam causar. Nossa realidade ainda possibilita o modus operandi no qual predomina essa promiscuidade entre interesses público e privado", avalia Bruno Brandão, representante da organização para o Brasil.

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Para a ONG, com sede em Berlim, especializada no combate à corrupção, o fato da tentativa de pressão em benefício de um ministro ter chegado ao presidente mostra, principalmente, quão comum é essa prática no país.

"O caso envolvendo Geddel foi levado pelo ministro à Presidência porque é prática no país. Há uma cultura que permite o tratamento destas questões particulares nestes ambientes de poder de forma totalmente inadequada e que precisa ser combatida", ressalta Brandão.

O especialista destaca que o mais grave no caso é o presidente ter atuado com um árbitro para resolver a questão da obra embargada em Salvador, ao invés de enquadrar o ministro que estava utilizando o cargo para fins privados e abrir uma sindicância para analisar essa conduta.

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"Em primeiro lugar, o presidente deveria ter colocado a legalidade e a ética e não ter tentando arbitrar supostos conflitos em ministérios", destaca Brandão, acrescentando que uma investigação interna poderia até resultar na destituição do ministro.

Mas, ao invés disso, Temer manteve firme seu apoio a Geddel que deixou o cargo na Secretaria de Governo alegando que saia por vontade própria, após o escândalo envolver diretamente o presidente.

O estopim do escândalo foi o pedido de demissão do ex-ministro da Cultura, Marcelo Calero, que alegou ter sido pressionado por Geddel para que o Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) liberasse uma obra embargada em Salvador.

Geddel, que teria comprado um apartamento no prédio, negou a tentativa de pressão para a liberação da obra. Mesmo após a denúncia, o ministro permaneceu no cargo. Porém, após Calero acusar Temer de também tê-lo pressionado para favorecer o ministro. Geddel pediu demissão e virou o sexto ministro a deixar o governo Temer em seis meses.

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Desde que Temer assumiu interinamente em maio deste ano - a posse oficial foi em agosto, após finalização do processo de impeachment de Dilma Rousseff -, seis ministros pediram demissão ou foram demitidos após terem seus nomes envovidos em supostos conflitos éticos.

A lista inclui Romero Jucá, do Planejamento; Fabiano Augusto Martins Silveira, da Fiscalização, Transparência e Controle (ex-CGU); Henrique Alves, do Turismo; Fabio Osorio, advogado da AGU (Advocacia-Geral da União); e, por fim, Marcelo Calero, da Cultura; e Geddel Vieira Lima, da Secretaria de Governo.

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Em todas as esferas

Para a Transparência Internacional, o caso Geddel é mais um exemplo que expõe como conflitos de interesses ainda são tratados de maneira leniente e negligente no Brasil em todas as esferas.

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Foto: Agência Brasil

"Essa situação é gravíssima e externamente prejudicial ao interesse público e isso ainda não é levado a sério como deveria ser em várias instâncias", diz Brandão.

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O uso de instituições em benefício próprio ocorre também no Judiciário e no Legislativo. Brandão citou como exemplo o caso do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) José Antonio Dias Toffoli, cujo antigo escritório de advocacia teve como clientes empresas investigadas na Lava Jato, e mesmo assim o magistrado não viu impedimentos se eventualmente precisasse julgar o processo.

Além do Judiciário e Executivo, há exemplos de conflitos de interesse no Legislativo. Um dos casos que chamou a atenção recentemente foi o envolvimento do relator do Código da Mineração, o deputado Leonardo Quintão, com empresas do setor. O documento do projeto foi criado e alterado nos computadores de um escritório de advocacia que tem como clientes a Vale e a BHP.

Declaração de interesses

Para evitar essas situações de conflitos de interesse, a ONG sugere que seja ampliada a declaração de bens no Brasil e seja criada uma declaração de interesses para pessoas públicas, nas quais fique claro as relações existentes entre estas autoridades e a esfera privada. Esse tipo de medida possibilita o controle das ações de atores públicos pela sociedade e mostra em quais áreas esses agentes não devem atuar para afastar qualquer possibilidade de favorecimento.

"Estes documentos não eliminam os casos, mas tornam mais transparente as ilegalidades e proporcionam recursos legais para atuar nessas situações", reforça Brandão.

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A declaração de interesse já utilizada por várias países, como Dinamarca, o país menos corrupto do mundo pelo índice da Transparência Internacional, Austrália ou Espanha. Atualmente o México está em fase de desenvolver uma tal legislação.

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Foto: Getty Images

Além de medidas para reforçar a transparência, o Brasil precisa ainda de campanhas de conscientização para o problema e aplicar corretamente punições previstas em leis para esse tipo de conduta.

"O Brasil precisa levar mais a sério essas questões de conflitos de interesses. E elas precisam ser apuradas e punidas quando ocorrerem", reforça Brandão.

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