Em uma comparação direta com os números de pessoas mortas pela polícia no Brasil, os 55 casos de óbitos envolvendo armas de fogo de forças policiais britânicas nos últimos 25 anos são irrisórios.
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No entanto, nunca na história legal da Grã-Bretanha um policial foi condenado por homicídio culposo ou doloso neste tipo de situação, mesmo quando foi a julgamento. O mais recente caso ocorreu em julho, quando o policial Anthony Long foi inocentado da acusação de homicídio doloso pela morte do adolescente Azelle Rodney, abatido à queima-roupa com quatro tiros na cabeça durante uma operação policial no sul de Londres, em abril de 2005.
Mesmo nos casos em que houve falhas na atuação das forças de segurança, como no do brasileiro Jean Charles de Menezes, há dez anos, as mortes acabaram ficando sem punição.
No caso de Jean Charles, a Polícia Metropolitana de Londres (Scotland Yard) escapou de um processo criminal e não houve ações contra indivíduos - a corporação pagou uma multa por violações à segurança pública.
'Proteção'
A estatística favorável à polícia preocupa as ONGs de defesa dos direitos humanos e mesmo vozes no meio policial.
Em recente entrevista à BBC Brasil, o ex-superintendente da Scotland Yard Leroy Logan queixou-se do que classifica como uma "proteção cultural" a policiais em casos jurídicos.
Para Deborah Coles, diretora da ONG Inquest, que lida com casos de mortes envolvendo a polícia, o caso de Jean Charles gerou um debate sobre justiça e responsabilidade policial.
"Uma sociedade democrática precisa de um sistema jurídico que assegure o direito de questionar as ações da polícia e que casos de violações dos direitos humanos sejam punidos. A confiança do público na polícia é fundamental e não pode ser minada pela percepção de que a lei é diferente para aqueles que usam uniforme", afirma Coles.
Na Grã-Bretanha, incidentes deste tipo têm que obrigatoriamente ser investigados pela Comissão Independente de Queixas sobre a Polícia (IPCC). No caso Jean Charles, a IPCC fez críticas à conduta da Scotland Yard, mas tratou a morte do eletricista mineiro muito mais como um acidente, citando a tensão provocada pelos atentados de julho de 2005 em Londres como fator de mitigação.
"Muitos investigadores da IPCC são ex-policiais e não há garantia de que o corporativismo não influencia seu trabalho", diz Logan.
Para Coles, a proteção se estende ao Judiciário.
"Nossa experiência mostra que as investigações da IPCC e do Ministério Público desde o começo evitam tratar mortes pela polícia como homicídios", completa ela, que no mês passado esteve presente à sessão na Corte Europeia de Direitos Humanos, em Estrasburgo (França), em que parentes de Jean Charles entraram com uma ação pedindo uma revisão jurídica da decisão das autoridades britânicas.
Para Harriet Wistrich, a advogada da família, o caso de Jean Charles é de interesse público porque representa abuso de poder.
"Jean Charles morreu sem chance de se defender e o fato de que nenhum policial foi a julgamento causa preocupação. Fica a impressão de que as autoridades poderão agir sem que respondam por seus atos."
Em 2009, a Inspetoria-Geral do Reino Unido divulgou um relatório criticando a Scotland Yard pela lentidão na implementação de reformas que pudessem minimizar morte de inocentes em operações envolvendo possíveis atentados suicidas.
Menos de 10% da força de 31 mil homens e mulheres têm licença para uso de armas, e o esquema é de adesão voluntária.
A BBC Brasil contactou a Scotland Yard para buscar sua posição sobre as estatísticas de punição de policiais envolvidos em mortes por armas de fogo mas não obteve resposta.