Nomeação agora será levada ao plenário do Senado. Na sabatina, o ministro "terrivelmente evangélico" disse que respeitará Estado laico e tentou explicar decisões controversas que tomou quando integrava governo Bolsonaro.A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado chancelou nesta quarta-feira (1º/12), por 18 votos a 9, a nomeação de André Mendonça para assumir a vaga no Supremo Tribunal Federal (STF) aberta pela aposentadoria de Marco Aurélio Mello. Ele foi indicado ao cago pelo presidente Jair Bolsonaro e agora terá seu nome submetido ao plenário do Senado, em data a ser definida.
Mendonça foi ministro da Justiça e advogado-geral da União do governo Bolsonaro. Pastor licenciado da Igreja Presbiteriana Esperança de Brasília, ele é o nome "terrivelmente evangélico" que o presidente havia prometido indicar à Corte em 2019.
Enquanto estava no governo, Mendonça foi um dos ministros mais alinhados à plataforma de extrema direita de Bolsonaro e tomou diversas decisões para agradá-lo. Como ministro da Justiça, determinou a produção de dossiês contra servidores que faziam oposição a Bolsonaro e solicitou a abertura de inquéritos com base na antiga Lei de Segurança Nacional contra opositores. Como advogado-geral da União, defendeu, no auge da pandemia de covid-19 no Brasil, que os templos seguissem abertos.
A sabatina ocorreu mais de quatro meses depois da indicação de seu nome por Bolsonaro, um recorde. A demora foi fruto da resistência do presidente da CCJ, Davi Alcolumbre (DEM-AP), em pautar a sabatina. Segundo o jornal Folha de S. Paulo, o senador estava insatisfeito com a perda de controle sobre o envio de emendas parlamentares ao seu estado, o Amapá, e teria preferido que o atual procurador-geral da República, Augusto Aras, tivesse sido o indicado para o STF.
Durante a sabatina nesta quarta, Mendonça adotou uma estratégia previsível para dirimir resistências ao seu nome. Tentou atenuar a imagem de alguém vinculado às causas evangélicas, defendeu o Estado laico e a democracia e disse que, se fosse nomeado ministro, atuaria com imparcialidade e de acordo com a Constituição e garantiria os direitos fundamentais de acusados.
No plenário do Senado, ele precisará do apoio de pelo menos 41 dos 81 senadores, e a votação deve ser apertada. Desde a redemocratização, os senadores nunca rejeitaram uma indicação de presidentes para ministros do Supremo.
Mobilização de evangélicos
Pesou na decisão de Bolsonaro de indicar Mendonça à Corte o apoio que ele conseguiu arregimentar entre muitos líderes evangélicos próximos do presidente, que também se tornaram os principais articuladores de sua campanha ao Supremo.
Nesta segunda, por exemplo, o pastor evangélico Silas Malafaia criticou no Twitter a demora de Alcolumbre em pautar a sabatina de Mendonça, e disse que os evangélicos dariam a resposta "no voto" no estado do senador.
Na véspera da sabatina, Bolsonaro recebeu pastores e políticos evangélicos para um jantar no Palácio da Alvorada, mas senadores relataram ao portal G1 que o governo não trabalhou ativamente pela nomeação de Mendonça. Mais importante foi o apoio de líderes evangélicos e a campanha do próprio indicado, que nos últimos quatro meses teve uma rotina de visitas frequentes a senadores.
A relatora da indicação, senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA), firme opositora do governo, é evangélica e seu pai e seu irmão são pastores. Ela recomendou a nomeação de Mendonça.
Contudo, nem todo o meio evangélico decidiu apoiar Mendonça. Entidades progressistas como o Conselho Nacional de Igrejas Cristãs, a Aliança de Batistas do Brasil e o Movimento Negro Evangélico divulgaram uma carta se opondo à sua nomeação, por considerarem que ele seria uma ameaça à violação entre Estado e Igreja e colocaria em risco "conquistas da cidadania brasileira".
Os evangélicos são atualmente cerca de um terço da população brasileira e devem alcançar a maioria em 2032, no maior processo de transição religiosa hoje em curso no mundo. Atualmente, nenhum dos dez ministros do Supremo se identifica como evangélico.
Histórico de Mendonça no governo
Em sua passagem pelo governo Bolsonaro, Mendonça tomou diversas iniciativas que atraíram críticas e foram contestadas pelo próprio Supremo.
Ele assumiu o Ministério da Justiça em abril de 2020 após o então titular da pasta, o ex-juiz Sergio Moro, deixar o cargo acusando Bolsonaro de tentar controlar a Polícia Federal (PF) para proteger familiares e aliados de investigações. No cargo, Mendonça não se opôs a indicações do presidente para comandar a PF.
À frente da pasta da Justiça, Mendonça tomou outras decisões para agradar o presidente. Uma delas foi a realização de uma investigação sigilosa contra um grupo de 579 servidores federais e estaduais de segurança e três professores universitários, identificados como membros do "movimento antifascismo". Revelado em julho de 2020, o dossiê continha nomes e, em alguns casos, fotografias e endereços de redes sociais das pessoas monitoradas, críticas do governo Bolsonaro. No mês seguinte, o Supremo determinou a suspensão imediata da produção desses relatórios.
Mendonça também solicitou a abertura de inquéritos com base na antiga Lei de Segurança Nacional contra diversas pessoas que criticaram Bolsonaro, como o advogado Marcelo Feller, o escritor Ruy Castro e os jornalistas Ricardo Noblat e Hélio Schwartsman. Essa lei foi revogada em setembro deste ano, e os inquéritos foram arquivados.
Como advogado-geral da União, ele defendeu, em abril, quando o Brasil registrava uma média móvel de 2,8 mil mortes por dia por covid-19, que os templos continuassem abertos. "O Estado é laico, mas as pessoas não são. A ciência salva vidas, a fé também", afirmou ele na sua sustentação ao Supremo.
Um dos senadores que fizeram uma arguição firme de Mendonça foi Fabiano Contarato (Rede-ES). Ele disse que o Brasil precisava no momento de um ministro do Supremo "terrivelmente democrático", e que esse qualificativo não se aplicaria ao indicado.
No Senado, defesa da Constituição
Durante a sabatina, Mendonça tentou convencer os senadores a aprovarem sua indicação sinalizando que respeitaria a laicidade do Estado. "Na vida, a Bíblia. No Supremo, a Constituição", afirmou.
Em um recado a senadores que receiam que ele se torne um juiz de perfil linha-dura contra a corrupção e chancele métodos de investigação controversos, disse que delação premiada não era elemento de prova e que o combate à corrupção deveria ser feito respeitando os direitos e garantias fundamentais. "Juiz não é acusador, e acusador não é juiz, bem como não se deve fazer pré-julgamentos", disse.
Durante a sessão, Mendonça afirmou que a democracia no Brasil, ao contrário de outros países, não teria sido conquistada com "sangue derramado", ignorando as mortes e torturas realizadas pelo regime militar que governou o país de 1964 a 1985, o que provocou reação de alguns senadores. Mais tarde, ele pediu desculpas e disse que se referia às revoluções ocorridas nos países europeus no século 19.
Ele disse ainda que teria uma atuação independente como ministro do Supremo. Indagado sobre a abertura de inquéritos contra opositores do presidente quando era ministro da Justiça, Mendonça afirmou que agiu por "estrita obediência ao dever legal", já que Bolsonaro havia se sentido ofendido em sua honra, e disse que a revogação da Lei de Segurança Nacional pelo Congresso ocorrera "em boa hora".
Sobre a pandemia, ele disse que as autoridades "foram aprendendo durante o processo" e que podem ter cometido má gestão ou desvio de conduta, sem mencionar nomes. E que esperava uma resposta "tempestiva, correta e séria" ao relatório da CPI da Pandemia por parte da Procuradoria-Geral da República e do STF.
Mendonça também foi questionado sobre o acesso a armas por civis, e respondeu que haveria espaço para a posse e o porte de armas, mas evitou se pronunciar sobre questionamentos a portarias do governo Bolsonaro que flexibilizaram o acesso a armas e munições.
Em um momento inesperado da sabatina, ele afirmou que, se for nomeado ministro do STF, defenderá o direito constitucional do casamento civil entre pessoas do mesmo sexo.
Bolsonaristas tentam ampliar influência no Supremo
A aprovação da indicação de Mendonça pela CCJ do Senado ocorre em meio a uma ofensiva bolsonarista para ampliar seu espaço no STF.
Bolsonaro já conta com um aliado dentro da Corte, o ministro Nunes Marques, que tomou posse em novembro de 2020. "Tenho 10% de mim dentro do Supremo", disse o presidente recentemente sobre a atual composição do STF, que está reduzida a dez ministros enquanto o substituto de Marco Aurélio Mello não toma posse.
Na semana passada, a Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ) da Câmara, presidida pela bolsonarista Bia Kicis (PSL-DF), aprovou por 35 votos a 24 a admissibilidade de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que determina que ministros do STF se aposentem compulsoriamente aos 70 anos de idade. Atualmente, a idade é de 75 anos. Caso aprovada e promulgada antes de 2023, a PEC permitiria que Bolsonaro fizesse mais duas indicações ao STF, já que os ministros Ricardo Lewandowski e Rosa Weber, que têm 73 anos cada, teriam de se aposentar de imediato.
Mas analistas apontam que a chance de esse projeto prosperar é mínima, e que a PEC é mais um instrumento de retaliação para pressionar a atual composição da Corte, que recentemente travou a execução do chamado "orçamento secreto".