Foi para o ex-delegado da Polícia Civil de São Paulo José Masi que Cristian Cravinhos confessou a participação no assassinato do casal Richthofen, abrindo as portas para a elucidação do caso. Marísia e Manfred Von Richthofen foram mortos no quarto onde dormiam em 31 de outubro de 2002. O envolvimento da filha do casal, Suzane, no crime fez o País acompanhar com atenção todos os desdobramentos do episódio.
"Desde que eles chegaram ao DHPP (Departamento de Homicídios e de Proteção à Pessoa), o comportamento deles não me convenceu. A Suzane e o Daniel trocavam beijinhos ao se cruzarem no corredor, um chamava o outro de benzinho, um comportamento que não era esperado de quem tinha acabado de perder pai e mãe", relembrou Masi ao Estadão 20 anos depois.
"No caso da Suzane, não havia nenhum sinal de desespero, de preocupação com o futuro de órfã, nada. Quando sentou no sofá ao lado do Daniel, ela jogou sua perna sobre a perna dele, um gesto revelador de cumplicidade", acrescentou o delegado.
- Suzane Von Richthofen é autorizada a sair da prisão para fazer faculdade à noite
O delegado já atuou em vários casos difíceis, como o esclarecimento do assassinato do juiz de Presidente Prudente, Antônio Machado Dias, executado em 2003 a mando do Primeiro Comando da Capital (PCC). O assassinato dos Richthofen, no entanto, foi o que mais marcou sua carreira.
"É um caso que até hoje, além de nos chocar muito, tem essa característica da relação pais e filhos. Os pais tinham viajado para a Europa e eles ficaram na mansão, aproveitando e curtindo muito, numa vida de sonho. Quando os pais voltaram, as regras da casa foram restabelecidas e eles se viram privados de uma liberdade a que achavam que tinham direito. É um dos casos da vida. Tenho filho e um crime assim é algo que choca e marca muito."
MP: Participação 'valiosa e decisiva' de Suzane
A denúncia do Ministério Público de São Paulo apresentada ao 1.º Tribunal do Júri da capital descreveu de forma detalhada os acontecimentos daquele 31 de outubro de 2002.
Por volta da meia-noite, no interior da residência situada à Rua Zacarias de Góis, no bairro Campo Belo, em São Paulo, Daniel Cravinhos de Paula e Silva e seu irmão, Cristian Cravinhos de Paula e Silva, desferiram diversos golpes de porretes que causaram em Manfred Albert Von Richthofen e em sua esposa, Marísia Von Richthofen, "ferimentos suficientes a lhes causarem a morte".
Segundo se apurou, para conseguirem êxito em sua empreitada criminosa, contaram os acusados com a participação "valiosa e decisiva" da filha do casal, Suzane Louise Von Richthofen. Daniel e Suzane eram, à época dos fatos, namorados e seu relacionamento recebia uma franca hostilidade das vítimas, que não aceitavam o romance deles.
"As tensões geradas pelo conflito em torno do namoro da filha culminaram com o uso de força física por Manfred e com promessas de deserdação dela, caso não desse fim ao namoro. Com isso, o casal passou a nutrir a intenção de eliminar os pais dela", narra a denúncia.
O passo seguinte foi o planejamento do crime. Com a habilidade adquirida na confecção de aeromodelos, Daniel fabricou os porretes que seriam usados para matar o casal e Suzane apanhou as luvas cirúrgicas da mãe que seriam usadas para não deixar marcas da ação. Cristian foi chamado para ajudar em troca do dinheiro que havia na mansão.
No dia do crime, os três entraram na casa próximo da meia-noite, quando Suzane já sabia que os pais estariam dormindo. Ela entrou primeiro, certificou-se desse fato e chamou os dois, que esperavam do lado de fora. Com os rostos cobertos por meias-calças e usando luvas, os irmãos Cravinhos se acercaram da cama e desferiram os golpes de porrete contra as cabeças das vítimas.
Daniel atacou Manfred, Cristian matou Marísia. Conforme o laudo da perícia, as porretadas foram tão violentas que pedaços de ossos e massa encefálica se espalharam pelo quarto. Para certificar-se da morte de ambos, Cristian enfiou uma toalha na cabeça de Marísia e a envolveu com um saco plástico. Daniel usou uma toalha molhada para cobrir a cabeça e impedir a respiração de Manfred. Depois foi em busca de um revólver que sabia existir na casa e deixou ao lado do corpo do homem.
Enquanto a dupla matava o casal, Suzane se ocupava de criar um cenário de roubo, espalhando as joias da mãe pela casa - algumas foram levadas por Cristian, além de R$ 10 mil achados na casa. Ela sabia onde a mãe guardava valores em moeda estrangeira, deu uma parte para Cristian e ficou com um pouco para suas despesas.
Depois de trocarem de roupa e se desfazerem dos trajes ensanguentados e dos porretes, o trio deixou a casa de carro. Cristian foi deixado próximo à sua casa, Daniel e Suzane foram para um motel. Uma hora depois, Suzane saiu e passou em um cibercafé para pegar o irmão mais novo, "ali propositadamente deixado para que não atrapalhasse eventualmente os planos do trio".
De volta à casa, continuou com a encenação do assalto, chamando primeiro o namorado, seu cúmplice, depois a polícia. A denúncia concluiu que Suzane e Daniel agiram embalados por motivação torpe, ela para se vingar dos pais ante a proibição do namoro, ele com a perspectiva de uma vida confortável com a herança que receberia. Cristian agiu motivado pelo pagamento em dinheiro.
"Dificilmente a Justiça e a sociedade irão se deparar com um caso tão claro em que a responsabilidade penal dos acusados ficou cabalmente demonstrada. A polícia fez um trabalho de investigação exemplar, o que levou os réus a confessarem na polícia e em juízo", disse o advogado Alberto Zacharias Toron, que atuou como assistente de acusação, auxiliando a promotoria a demonstrar a culpa dos réus.
Ele lembra que os próprios acusados não tiveram argumentos para justificar a atrocidade que cometeram. "É verdade que eles procuraram mitigar os fatos, dizendo que a Suzane teria sofrido violência por parte do pai, mas isso nunca se provou e, na verdade, era uma escusa para tentar justificar a barbaridade. Tanto que o irmão mais velho do Daniel comprou uma moto Ninja com o dinheiro que ele furtou da casa. Viu-se mesmo que a ideia deles era matar as vítimas para usufruir as benesses de uma casa confortável que o pai dela construiu com longos anos de trabalho", disse.
Recusa de entrevistas
A reportagem pediu autorização à Secretaria de Administração Penitenciária (SAP) para entrevistar Suzane e Cristian nas respectivas unidades prisionais de Tremembé, mas, segundo a pasta, os dois se recusaram a dar entrevista. Procurada, a atual advogada de Suzane, Jaqueline Beatriz Ferreira Domingues, disse que iria refletir sobre a conveniência de dar entrevista, mas não deu retorno. A defesa de Cristian informou que não se manifesta.
Daniel também foi procurado, mas não deu retorno. A reportagem também procurou o tio de Suzane e Andreas e ex-tutor do jovem, médico Miguel Abdalla, mas não houve retorno aos contatos.