Advogado da Unimed defenderia Santa Casa em ação milionária

Em recomendação à qual o Terra teve acesso, com exclusividade, promotoria pede suspensão de atendimento da Unimed em hospital da irmandade diante de dívida milionária e pede afastamento do advogado; partes negam vínculo

2 mar 2015 - 20h01
(atualizado em 6/3/2015 às 11h27)

O Ministério Público Estadual expediu recomendação à Santa Casa de São Paulo para que seja imediatamente suspenso o atendimento aos pacientes da Unimed Paulistana no pronto-socorro do hospital Santa Isabel, pertencente à irmandade. A medida é assinada pela promotora de Saúde Pública Dora Martin Strilicherk, que também pediu o afastamento do advogado Antônio Penteado Mendonça da defesa de interesses públicos da Santa Casa contra a Unimed, uma vez que ele, terceirizado pela instituição, possuiria vínculos profissionais também com a operadora.

O Terra teve acesso com exclusividade à recomendação, datada da última quinta-feira (26). Nela, a promotora salientou que, em outubro do ano passado, a dívida da Unimed Paulistana com a Santa Casa chegava a R$ 20 milhões. Em janeiro do mesmo ano, porém, em depoimento à promotoria, o superintendente da irmandade, Irineu Massaia, assegurou não só que a operadora já teria sido notificada para o pagamento da dívida, como a ação seria ajuizada para que o débito fosse quitado.

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<p>A Santa Casa de Misericórdia fechou as portas da emergência em São Paulo em julho do ano passado alegando atrase em repasses do governo</p>
A Santa Casa de Misericórdia fechou as portas da emergência em São Paulo em julho do ano passado alegando atrase em repasses do governo
Foto: Divulgação

Mesmo assim, segundo a promotora, em 11 de fevereiro deste ano o então diretor médico e assistencial do hospital Santa Isabel, Frederico Carbone Filho, relatou que o Pronto Socorro do hospital, “apesar de pendente a dívida da Unimed, continuava a atender os pacientes da operadora”. “Atendimento que foi suspenso pelos demais Hospitais da rede particular, Samaritano, Nove de Julho, Bandeirantes, etc., que, tão logo tiveram ciência da insolvência da operadora, rescindiram os contratos”, cita a recomendação.

Após ofício do MP à irmandade, em 13 de fevereiro, por esclarecimentos quanto à quanto rescisão do contrato com a Unimed e ao ajuizamento de cobrança, no dia 23, petição subscrita por Mendonça, acompanhada de notificação extrajudicial à operadora três dias antes informava que a Unimed teria pedido prazo para efetuar o pagamento – razão pela qual o atendimento no PS não fora suspenso.

Além disso, informou o advogado, a irmandade aceitou conceder novo prazo à operadora para pagamento de R$ 8 até o último dia 27, “considerando que da dívida total de R$ 12,5 milhões, estão sendo ‘glosados’ R$ 5 milhões”.

“Como é sabido e notório, devido ao quadro financeiro deficitário da Irmandade Santa casa de Misericórdia, mais de quatrocentos milhões de dívida, a entidade, desde o mês de julho de 2014, praticamente paralisou o atendimento a milhares de pacientes carentes, apesar dos vultosos repasses públicos recebidos.

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O protesto do ano passado fechou o PS por 28 horas
Foto: Thiago Tufano / Terra

Para a promotora, as informações fornecidas pelo advogado aprontam para um conjunto de fatos que ela considera “grave”, já que resta “evidenciada a imoralidade da continuidade de atendimento à operadora de saúde inadimplente por instituição que não está autorizada a efetuar atendimentos graciosos, em maior prejuízo ao seu quadro financeiro já deficitário”. Além disso, destaca o MP, a ação de cobrança “ainda não foi ajuizada”.

Sobre a presença de um mesmo advogado para as duas partes, o MP destaca: “A Irmandade Santa Casa de Misericórdia possui corpo jurídico próprio, não se justificando a delegação de tratativas ou do ajuizamento da ação de cobrança para terceiros, mormente para o Dr. Antônio Penteado Mendonça, pois o mesmo ocupa o cargo de escrivão da provedoria e há conflito de atribuições (...); em breve pesquisa na internet, verifica-se que o Dr. Antônio Penteado Mendonça, como advogado, possui relação profissional com a Unimed, como comprovam os documentos em anexo. Constatação que desaconselha ao mesmo patrocinar ou defender interesses da Santa Casa contra a operadora, em aparente ofensa à legislação em vigor, mormente o Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil e respectivo Código de ética”.

Ano passado, em meio a uma grave crise financeira, a Santa Casa suspendeu o atendimento em seu PS durante 28 horas alegando falta de infraestrutura. Em dezembro, mais de 11 mil funcionários ficaram sem receber o 13º salário.

Semana passada, a Mesa Administrativa da instituição aprovou, de forma unânime, dividir a gestão do complexo com os governos federal, estadual e municipal, após proposta de se criar um conselho de acompanhamento de gestão formado por representantes das três esferas de poder feita pelos Ministérios Públicos Estadual, Federal e do Trabalho como parte de um plano de recuperação da entidade.

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A Santa Casa amarga um déficit de mais de R$ 400 milhões.

Santa Isabel atende convênio e particular

O hospital Santa Isabel funciona desde 1972. Foi criado pela Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo para atender pacientes de convênios e particulares nas regiões central e oeste de São Paulo. Todo ano, segundo o hospital, são atendidas em média 75 mil pessoas no PS, além de 11 mil internações e 7 mil cirurgias, fora os cerca de 89 mil atendimentos ambulatoriais e 18 mil exames de diagnóstico por imagem.

Na segunda-feira, a reportagem do Terra entrou em contato duas vezes com o escritório de Mendonça. Na segunda tentativa, uma funcionária pediu que um dos advogados da irmandade fosse ouvido – mas ele não retornou o pedido de entrevista.

Santa Casa e Unimed se manifestam

A assessoria de imprensa da Santa Casa também foi contatada na segunda-feira 2. Depois de informar rapidamente sobre a entidade não ter sido ainda notificada da recomendação, foi indagada sobre a situação do advogado, alertada pelo MP, mas só emitiu nota na quarta-feira 4. Segue a íntegra do comunicado.

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"A Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, sobre as informações veiculadas em matéria do Portal Terra a respeito de documento do Ministério Público do Estado de São Paulo, esclarece que o Dr. Antonio Penteado Mendonça e o escritório de advocacia de que é sócio não têm, nem nunca tiveram, nenhum vínculo profissional com a empresa Unimed Paulistana e, portanto, não existe qualquer conflito de interesses nem impedimento ético, conforme, equivocadamente, noticiado nesse Portal. Pelo contrário, Penteado Mendonça já participou, por meio de seu escritório, de processo (n.º 0168249-22.2011.8.26.0100 – 24ª. Vara Cível do Foro Central de São Paulo) contra a Unimed Paulistana, tendo, inclusive, vencido causa. Atualmente, não há ação milionária entre a Santa Casa e a Unimed, mas sim uma relação comercial de longos anos, pautada em contrato que está em discussão. O escritório Penteado Mendonça e Char Advocacia, inclusive, presta serviços “pro-bono” à Santa Casa, ou seja, sem qualquer remuneração. A Santa Casa manifesta integral solidariedade ao Dr. Antonio Penteado Mendonça, que tem empenhado seu nome, seu talento e seu tempo em favor de uma causa não lucrativa e de relevante valor social, razão pela qual conta com o respeito e a gratidão da Irmandade.”

A Unimed Paulista se manifestou na noite dessa quinta-feira, também por meio de nota. Nela, a operadora apresenta números da dívida com a Santa Casa e nega que o advogado de ambos seja o mesmo. 

"Atualmente, o débito da Unimed Paulistana com a Santa Casa é de R$ 6.197.563,02, valor já disponibilizado à Irmandade,  mas ainda não sacado por ela", diz trecho da nota, segundo a qual Mendonça, "vice-provedor da Santa Casa, nunca prestou serviços à operadora".

Fonte: Terra
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